segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Se Serra fosse Marina... :: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Em suas mãos entrego o destino do meu povo"
(Trecho de um jingles da campanha de Dima, ungida por Lula para suceder-)

Lula ficou rouco de tanto garantir a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno. Na véspera da eleição, o Vox Populi conferiu a Dilma seis pontos percentuais a mais do que a soma dos votos dos seus adversários. O Datafolha e o Ibope cravaram que a eleição estava empatada. Na pesquisa boca de urna, o Ibope deu dois pontos a mais para Dilma.

Com 96% das urnas apuradas, Dilma reunia 46% dos votos válidos, José Serra 33% e Marina Silva, 20%. Lula errou feio. Os institutos de pesquisa foram incapazes de antecipar o tamanho que ganharia a “onda verde”. Não enxergaram também que Serra crescera na reta final da campanha.

Segundo turno não é uma segunda eleição. Quem votou em Dilma, por exemplo, não tem motivos para votar em Serra no segundo turno. A recíproca também é verdadeira. São raros os casos de candidatos que chegam atrás no primeiro turno e na frente no segundo. É natural, pois, que Dilma continue como favorita para suceder Lula.

O apoio de Marina será disputado no tapa por Serra e Dilma. O PV está mais inclinado a apoiar Serra. Mas de que valerá o apoio dele se Marina preferir apoiar Dilma ou ninguém? O PV é um partido cartorial. Que cede sua legenda sem cobrar em troca o mínimo de fidelidade aos seus princípios.

Marina sabe o que quer para apoiar Dilma ou Serra: o compromisso de um deles com uma espécie de programa de governo que em breve lhe será apresentada. O programa deverá condensar os principais pontos do discurso que rendeu a Marina quase 20 milhões de votos. Ciro Gomes (PSB) está com inveja...

Mesmo que Marina apoie Serra ou Dilma isso não será nenhuma garantia de transferência automática de votos. Longe disso. Lula só existe um. Nenhum presidente da República jamais transferiu tantos votos para seu candidato. E Marina nada tem a ver com o tipo de chefe político que manda e que é obedecido.

Pelo menos três tipos de voto se juntaram para favorecer Dilma — e eles não se extinguem por encanto. O primeiro voto: o que emana do bolso do eleitor. Esse voto é importante, mas não é o mais importante. Ele, sozinho, não garantiria para Dilma a vaga de Lula. É o voto dos satisfeitos com o aumento do seu nível de rendar.

Serra tentou conquistar parte do voto do bolso acenando com o 13º salário para os que recebem o Bolsa Família, um salário mínimo maior do que o anunciado pelo governo, e um reajuste de 10% para os aposentados. Tais promessas foram insuficientes para catapultálo nas pesquisas. E por quê? Por causa dos outros dois votos.

O segundo voto que beneficiou Dilma: o do coração que bate forte por Lula. Pois é. Antes temido, depois tolerado, Lula caiu no gosto dos brasileiros de todas as faixas de renda e de escolaridade. Foi isso o que o salvou dos efeitos perversos dos escândalos que abalaram seu governo — e não foram poucos.

Lula fez do combate à corrupção um dos motes de sua campanha em 2002. A corrupção pregou-lhe boas peças. Não é injusto afirmar que ele conviveu com corruptos porque quis, fingiu não ver o que armavam e empenhou-se em livrar a cara de muitos deles. Mas seus antecessores não agiram assim? — se indagam os de bom coração.

O terceiro tipo de voto que empurrou Dilma para o alto: o racional. Os titulares desse voto não acreditavam que um ex-operário, inteligente, mas inculto, acabasse dando certo como presidente. O voto racional é um reconhecimento de que Lula e a sua turma governaram melhor do que a turma do PSDB. Então por que trocar de turma?

Lula deu-se ao luxo de escolher para sucedê-lo quem não seria eleita nem síndica de prédio porque identificou com bastante antecedência os fatores destinados a selar a sorte das eleições deste ano — no primeiro ou no segundo turno. E também porque soube agir em perfeita consonância com eles, mandando às favas interesses alheios.

A receita deu certo. Para que desande, precisaria que Serra fosse menos Serra e mais Marina.

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