domingo, 23 de outubro de 2011

Nuvens no horizonte :: José Milton Dallari

O conceito de sustentabilidade, de que nossas ações não devem prejudicar as gerações futuras, deve ter aplicação mais ampla. Nada incomoda mais do que a possibilidade de estratégias usadas para impulsionar a economia hoje resultarem num mau negócio para o Brasil no longo prazo, comprometendo o sucesso das futuras gerações.

É por esta ótica que podem ser abordadas nossas exportações atuais. Os números mostram um cenário promissor. O superávit da balança comercial atingiu US$20,3 bilhões de janeiro a setembro. O saldo de setembro, de US$3,07 bilhões, foi o maior desde 2007.

A qualidade das exportações, no entanto, preocupa. Nada menos do que 56,83% do valor das exportações brasileiras nos nove primeiros meses deste ano foram obtidos com produtos básicos, de baixo valor agregado. Os manufaturados representaram apenas 36,7%.

Na nossa parceria comercial com a Ásia, leia-se principalmente China, 77% do que vendemos são produtos básicos, e apenas 11%, industrializados. É uma qualidade pior do que a da exportação para a Europa, onde os básicos correspondem à metade, e os manufaturados chegam a 34%. Nas nossas vendas para os Estados Unidos, 45% são manufaturados, e apenas 33% são produtos básicos.

O problema não está em quem compra, está em quem vende. Nossos esboços de políticas industriais têm ficado longe de sinalizar um rumo. É preciso medidas que estimulem os industriais a investir.

Não se trata de discutir incentivos fiscais, barreiras comerciais ou crédito mais barato. Tudo isso, somado, não tem o mesmo efeito do que uma visão de longo prazo.

Queremos passar a próxima década vendendo commodities? Vamos atravessá-la reclamando dos baixos preços dos produtos chineses e continuar a vender para a eles a matéria-prima bruta a ser transformada? Ainda precisamos de um dólar caro para compensar nossa baixa produtividade? Ou será que a cadeia de produção tem espaço para ganhos que só serão percebidos numa mesa de negociação?

São respostas que uma política industrial discutida por cadeia de produção pode dar.

O Brasil tem hoje menos empresas exportadoras do que tinha em 2004. Tínhamos naquele ano 17.373. Hoje, elas são 14.541. Ou seja, 16,3% a menos.

Embora 94,8% das exportações sejam realizadas por grandes empresas, boa parte delas não se interessa em agregar valor. A exportação de produtos de alta tecnologia vai ladeira abaixo. De janeiro a junho de 2009, eles representaram 9,3% da pauta. De janeiro a junho de 2011, são apenas 5,7%.

Neste primeiro semestre, os produtos de baixa tecnologia representaram 38,8% do total exportado.

Nem mesmo as fontes de recursos destinadas ao investimento produtivo estão sendo usadas na proporção esperada. Enquanto as empresas de comércio e serviços obtiveram empréstimos de R$27,1 bilhões e as de infraestrutura receberam R$52,4 bilhões, as indústrias se credenciaram a apenas R$5,4 bilhões - a quantia é pouco mais da metade do setor agrícola, que ficou com R$10,1 bilhões.

O baixo volume de financiamento traduz o problema: faltam projetos de investimento na indústria.

Não pensem que o ganho do agronegócio irá pelo ralo se o Brasil optar por industrializar os produtos aqui mesmo. Em São Paulo, o mais industrializado do país, neste primeiro semestre os produtos básicos representam apenas 19,89% das exportações do estado, enquanto os industrializados dos agronegócios alcançaram 80,11%, o que demonstra que agregar valor não significa abdicar de vendas externas.

O sinal amarelo da indústria se repete também entre as micro e pequenas empresas. E no mercado interno. Exemplo: em setembro, elas aumentaram em 5% o faturamento em comércio e 3,6% em serviços. Enquanto isso, as micro e pequenas indústrias amargaram seu o terceiro mês de queda consecutiva, com faturamento 4,9% menor.

Está na hora de o setor publico e o setor privado debaterem com racionalidade. O que está em jogo é a competitividade do Brasil e das suas empresas nas próximas décadas, não apenas neste ou no próximo governo.

José Milton Dallari foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, integrante da equipe que implantou o Plano Real.

FONTE: O GLOBO

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