sábado, 4 de agosto de 2012

O grande golpe - Míriam Leitão

O Banco Central foi citado várias vezes na peça de acusação apresentada ontem. O publicitário Marcos Valério teve oito reuniões no BC com diretor. Uma vez, nem precisou marcar, tal a intimidade. O que ele queria, não levou. O estouro do escândalo impediu que bancos em liquidação fossem transferidos para os operadores do mensalão. Isso daria a eles o bilhão que procuravam.

Eles, como disse Sílvio Pereira, pretendiam arrecadar R$ 1 bilhão. Enquanto operaram o escândalo que é objeto da Ação Penal 470, os réus cometeram vários delitos: tráfico de influência, ganhos em contratos de prestação de serviço, lavagem de dinheiro. Mas preparavam um bote muito maior.

Estavam de olho nos restos dos bancos que haviam sido liquidados pelo Proer. Primeiro, a ideia era entregar o Banco Mercantil de Pernambuco ao Banco Rural. Depois, o espólio do Banco Econômico entraria no esquema. Ambos liquidados pelo Proer. Alguns bons ativos foram vendidos, os com menos liquidez ficaram no Banco Central. Nos anos que se seguiram ao Proer, o Banco Central foi realizando o trabalho de liquidação de passivos e recuperação de ativos.

Bastaria a mudança de fatores de correção, a reinterpretação das regras, uma manipulação de balanço, para que essas instituições em liquidação virassem uma mina de dinheiro. O Banco Rural queria o Banco Mercantil de Pernambuco, do qual tinha 20%. Queria suspender a liquidação. Marcos Valério queria fazer negócios com o Econômico.

Na época, o Banco Central estava sendo pressionado a aceitar os negócios. A diretoria resistiu às pressões. Mas Marcos Valério parecia estimulado a continuar tentando. Tudo foi abortado pelo estouro do escândalo. Portanto, a denúncia do ex-deputado e réu Roberto Jefferson acabou impedindo o grande golpe que daria a eles os recursos necessários para os seus projetos.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou uma peça forte em que fez acusações sólidas a 36 dos 38 réus, exibiu a hierarquia da organização criminosa e explicou o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção". Mostrou relação entre votos no Congresso e saques em dinheiro pelos envolvidos. Ele se baseou mais em provas testemunhais, apesar de dizer que as provas documentais são peças contundentes.

O que os advogados de defesa apostam é que as provas documentais serão consideradas fracas para comprovar, por exemplo, o comando do então ministro-chefe da Casa Civil. Gurgel se baseou nos abundantes depoimentos que mostram o comando do ex-ministro José Dirceu e seu envolvimento em reuniões ou decisões que não se imagina que um ministro da Casa Civil tenha participação, como a defesa feita dos interesses de um banco no Banco Central e que são intermediadas por um publicitário.

A acusação foi cristalina. Chamou os réus de quadrilha e refez conexões entre as pessoas e os episódios que, tantos anos depois, estão um pouco esquecidos. Alguns são bizarros, como os saques no Rural feitos por Simone Vasconcelos, ex-diretora financeira de Marcos Valério, que em uma das vezes chegou a R$ 600 mil. O dinheiro foi levado em carro forte para a sede da SMP&B, de Valério.

Deveria ter causado espanto à então diretoria de Liquidação e Desestatização o pedido do publicitário. Ele não pertencia a qualquer instituição financeira, mas pediu reuniões com um diretor para falar dos interesses de um banco. O mensalão já foi um escândalo suficientemente grande, mas o grupo queria muito mais e por isso mirou o Banco Central. Felizmente, o escândalo estourou antes.

FONTE: O GLOBO

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