• É equivocada e atrasada a legislação que limita a participação estrangeira em companhias aéreas — só agora sendo modificada
- O Globo
Está em votação no Congresso a medida provisória pela qual estrangeiros poderão ser donos e controladores de companhias aéreas brasileiras.
Mas já não pode?, perguntará o leitor acostumado, por exemplo, a voar pela Azul. O dono é o americano David Neeleman, que havia fundado três companhias aéreas nos EUA, uma das quais a revolucionária JetBlue. A brasileira Azul foi a sua quarta, criada em 2008.
Além do capital próprio que trouxe dos EUA, Neeleman recolheu investimentos de George Soros e de um fundo de São Francisco, aos quais se juntaram, minoritariamente, acionistas brasileiros.
Portanto, não havia dúvidas. Eram capitalistas estrangeiros desembarcando no Brasil para competir no mercado local, com uma empresa sob seu controle. E só agora, oito anos depois, estão discutindo a lei que permite isso?
Neeleman é, ou era na ocasião, um empresário essencialmente americano. Fez sua vida nos EUA, lá estudou e abriu seus negócios, ganhou dinheiro, nunca havia tido atividade empresarial no Brasil antes da Azul. Em 2008, a lei, que agora tentam mudar, dizia que estrangeiros poderiam ter até 20% de companhias aéreas brasileiras.
Portanto, a Azul não poderia ter nascido, não fosse um acaso familiar. Há 56 anos, os pais de Neeleman passaram uma temporada no Rio de Janeiro e aconteceu de David nascer aqui. O gringo é carioca! Como quem nasce no Brasil, não importa a nacionalidade dos pais, é brasileiro, o país, nas voltas da história, ganhou uma bela companhia aérea — que, além de tudo, voa com jatos da Embraer, não utilizados pelas grandes brasileiras.
Reparem: se a mãe de David tivesse escolhido dar à luz nos EUA, o Brasil teria perdido uma empresa que acrescentou capital, tecnologia, empregos diretos e indiretos e outras novidades ao mercado local. Uma pequena decisão pessoal — e tudo teria mudado no setor brasileiro de aviação.
Temos aqui duas demonstrações. A primeira mostra os melhores efeitos positivos do investimento estrangeiro. A segunda indica como é equivocada e atrasada essa legislação que limita a participação estrangeira — só agora sendo modificada. Diziam que se tratava de um caso de segurança nacional garantir a propriedade para brasileiros.
Pois alguém se sentiu ameaçado pela Azul? O funcionamento dessa companhia é o melhor argumento para que os deputados e senadores votem logo a lei que permite o controle do capital estrangeiro nas companhias aéreas.
Não recupera negócios perdidos — quantos Neelemans teriam desembarcado por aqui? — mas abre o mercado futuro. Já não é um bom momento da economia brasileira e do setor: a Gol está em dificuldades financeiras, e a Tam já é Latam, incorporada pela chilena Lan, numa operação que não foi venda legalmente, mas que é na prática.
É mais provável que estrangeiras entrem comprando participação nas nacionais, em vez de abrir novas empresas. Será útil de qualquer modo. Em vez de dívida, as companhias locais receberão capital.
Se o controle mudar, qual o problema? O que preferem: uma nacional quebrada ou uma multinacional funcionando?
Por outro lado, tem gente dizendo, inclusive no governo, que haverá maior competição e, pois, até uma possível queda no preço das passagens.
Não é por aí. As passagens são mais caras quando compradas aqui por causa do “custo Brasil” — que vai desde preço de combustível e infraestrutura precária até a carga tributária e os encargos trabalhistas.
Não é apenas a legislação sobre capital estrangeiro que bloqueia investimentos no país. Os legisladores poderiam aproveitar o momento para promover uma ampla abertura ao capital externo. É praticamente a única chance de revigorar os investimentos em infraestrutura, considerando que o setor público está quebrado e grandes empresas construtoras estão envolvidas na Lava-Jato.
Boa vontade
E por falar em governo, é impressionante a boa vontade com Michel Temer nos meios econômicos. O presidente aprova aumentos para o funcionalismo, dá descontos para os estados, tudo aumentando as despesas de um governo já no vermelho, e o pessoal contemporiza: tudo bem, acerta lá na frente.
Dá uma ideia de como era detestado o governo Dilma.
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
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