Há quem tenha visto a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando o imediato afastamento de José Melo do governo do Estado do Amazonas como um elemento complicador para a situação do presidente Michel Temer, como se o que lá foi decidido pudesse balizar o julgamento da ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE. Na verdade, é descabida a relação entre os dois casos já que a Constituição Federal dispensa um tratamento específico aos presidentes da República. Sempre, e especialmente em momentos de crise, é de grande importância para o bem do País que o cristalino texto constitucional prevaleça sobre extravagantes interpretações, que nada mais são do que reflexo de interesses particulares.
No dia 4 de maio, por 5 votos contra 2, o TSE determinou o imediato afastamento do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e de seu vice, Henrique Oliveira (SD), em razão de compra de votos nas eleições de 2014, quando a chapa obteve a reeleição no segundo turno com 55,5% dos sufrágios. Na decisão, contra a qual ainda cabe recurso, o TSE estabeleceu que o novo governador deverá ser escolhido por meio de eleições diretas.
Com tempos tão agitados como são os atuais, houve quem não tenha atinado para as diferenças entre os casos, fazendo uma indevida conexão do caso do governador do Amazonas com a ação que julga a chapa Dilma-Temer. Tentaram ver, na decisão que o TSE poderá adotar já no início do mês, uma brecha para que, em caso de eventual cassação do mandato de Temer, haja eleições diretas.
Não se pode usar a decisão contra o governador do Amazonas como precedente para o caso de Temer porque cada caso envolve um marco jurídico específico. No caso do governador, o Tribunal pautou-se pela Lei Eleitoral. No caso do presidente da República vale o tratamento que a Constituição dá à matéria.
O art. 81 da Constituição determina que, “vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga”. Em seguida, no § 1.º do mesmo artigo, lê-se que, “ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Não cabe, portanto, convocação de eleição direta.
Como é natural, os constituintes de 1988 poderiam simplesmente ter deixado as eleições diretas como regra geral em caso de vacância dos cargos de presidente da República e vice-presidente. No entanto, decidiram expressamente criar uma regra específica, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do período presidencial. Não se pode, portanto, ignorar a existência desse mandamento constitucional e criar, seja por qual motivo for, uma regra diferente.
Seria uma fraude ao Estado Democrático de Direito se determinado grupo político ou estrato social pudesse, diante de determinadas circunstâncias, mudar as regras do jogo simplesmente porque elas agora não lhe são apetecíveis. Quando os defensores da ideia de eleições diretas, em caso de cassação do presidente Michel Temer, vinculam sua bandeira à campanha das Diretas Já, ocorrida no final do regime militar, como se fossem causas semelhantes, estão fazendo uma contrafação. Então, nos inícios dos anos 80 do século passado, lutava-se pela volta do regime democrático e pelo estabelecimento de uma Constituição cidadã que estivesse acima da estrutura legal criada durante a ditadura militar. Agora, quem promove a bandeira das eleições diretas está lutando em sentido contrário, querendo que determinados interesses prevaleçam sobre o disposto na Constituição de 1988.
O rigor com o Direito e com os conceitos jurídicos não é um formalismo jurídico arcaico. Ele representa uma das garantias de que a vontade da população, expressa na lei – no caso, na Constituição –, será respeitada. Sem esse cuidado, não há democracia possível, restando apenas a voz dos mais fortes. Ou de quem grita mais alto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário