O julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expõe de modo explícito o funcionamento da Justiça no Brasil - um espetáculo que combina discussões incompreensíveis para leigos, aparentemente intermináveis e repletas de detalhismos bizantinos. Em dois dias de sessões, julgava-se a "natureza do processo", algo surpreendente para uma petição que está no TSE desde 18 de dezembro de 2014, há mais de 850 dias. Os ministros se dividiram e, na desconstrução do processo, revelaram-se vieses políticos e labirintos judiciais que fazem a delícia e a fortuna dos advogados, nem sempre em favor da Justiça. Em vários momentos, o que alguns ministros disseram foi nada menos que o exato oposto do que haviam dito no correr do processo. Mudou a situação ou mudou o presidente?
Embora a decisão sobre o uso ou não dos depoimentos dos delatores premiados da Odebrecht, do petista João Santana e sua mulher, Mônica Moura, não assegure irreversivelmente um veredito, não há dúvida de que neles estão contidas acusações mais sérias e mais detalhadas sobre o abuso de poder econômico nas eleições de 2014. Ontem, quatro ministros - o presidente do TSE, Gilmar Mendes, Napoleão Nunes Maia, Tarcisio Vieira e Admar Gonzaga - formaram maioria de opinião de que esses depoimentos não devem ser usados.
Com isso, a absolvição da chapa tornou-se mais próxima, porque a petição do PSDB e seu candidato a presidente da República, Aécio Neves, junto com os partidos da coligação derrotada, lista suspeitas de fraudes, algumas banais, outras difíceis de comprovar ou cujas consequências não seriam capazes de influenciar o resultado do pleito. Como, por exemplo, a da suposta intenção da candidata Dilma Rousseff de "esconder" dados sobre o aumento da pobreza no país durante a campanha. Boa parte das denúncias parecem ter sido feitas mesmo só "para encher o saco do PT", como disse Aécio. Com pelo menos uma exceção - a do uso de dinheiro desviado da Petrobras para financiamento de campanha.
O trabalho do relator, o ministro Herman Benjamin, foi tecnicamente impecável, ainda que a sua interpretação seja a única possível. Mas a lógica esteve a seu lado quando expôs em detalhes a argumentação pretérita do ministro Gilmar Mendes de que, com as revelações da Lava-Jato, novos fatos não poderiam ser ignorados e de que seria necessário usar as provas levantadas pelos procuradores. Gilmar disse isso quando Dilma Rousseff era presidente. Agora, defende o contrário.
A defesa, na qual estão abraçados no infortúnio petistas e peemedebistas, não se sai melhor na coerência. Consciente da lentidão do processo no TSE, e com interesse de postergá-lo, o que favoreceria então Michel Temer, foram os advogados de Temer que pediram a convocação de Santana e Mônica, e a reabertura do prazo das diligências, como lembra o ex-presidente do TSE e do STF, Sydnei Sanches (Valor, 6 de junho). Segundo ele, quem relutou na época em aceitar o expediente foi o relator Herman.
O ministro Tarcísio Vieira Neto, recém-chegado ao TSE por indicação de Temer, pareceu deslocado ao pregar que ações de cunho eleitoral têm, por previsão constitucional, de ser concluídas em no máximo um ano para evitar a instabilidade do mandato eletivo. "O processo eleitoral não pode ser dar ao luxo de ser incerto". Já se passaram quase 3 anos.
A impugnação ou absolvição da chapa tem consequências políticas óbvias e a preocupação do presidente do TSE quanto ao "grau de instabilidade" que a decisão pode causar é relevante. Mas não se trata de um julgamento político estrito senso, pois ninguém no tribunal foi eleito para isso. O julgamento tem de ser feito com o maior discernimento técnico possível. Desde que o PSDB foi ao TSE, as denúncias de financiamento ilegal e propinas se tornaram onipresentes no dia a dia da Lava-Jato. O TSE não deveria simplesmente ignorá-las.
Há zonas cinzentas ainda no processo e a chapa da qual só sobrou Temer não deve ser impugnada se não houver provas consistentes de que cometeu crimes eleitorais. As delações premiadas, por si só, não constituem provas. Essa é uma das discussões necessárias, inteligível para leigos. Faz parte do arsenal da defesa, mas pode não ser usada, já que os depoimentos de Santana e Odebrecht devem ir para o lixo com a maioria já formada no tribunal.
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