segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

‘Ou o País expulsa o populismo ou cai no buraco’, diz professor

Sonia Racy / O Estado de S. Paulo

Para Rubens Figueiredo, a sociedade está ‘indignada, mas apática’e continuar avançando com as reformas e rejeitar soluções fáceis é a única saída realista para o País não afundar

Para o cientista político Rubens Figueiredo, a presença de fake news conturbando a campanha presidencial não vai ser esse problemão todo de que se fala, pois o eleitor “confia cada vez menos nas redes sociais” para se informar sobre política. Mas ele admite que “no Brasil, indignação virou categoria de análise” — e ganha a discussão “aquele que se mostrar mais indignado”.

Envolvido hoje com a implantação do G5, um grupo de cientistas políticos disposto a buscar soluções que funcionem para tirar o País do atoleiro, ele vê os avanços obtidos “como numa maratona, passo a passo, não como no salto tríplice”. “A chave é apresentar medidas boas para o Brasil e que sejam aceitas também por políticos e corporações”. Mas admite, nesta entrevista a Gabriel Manzano, que os riscos no horizonte são sérios. “Ou avançamos com as reformas e expulsamos o populismo ou vamos cair num buraco do qual será muito difícil sair depois.”

A seguir, os principais trechos da conversa.

Muita gente anda perplexa com a naturalidade com que a classe política ignora o interesse público e o espírito republicano. O comércio de votos por dinheiro e favores ocorre às claras, sem receio de nada. De que modo voltaremos a um padrão civilizado?

Eu sou muito cético em relação a uma reforma política definitiva, tipo uma “reforma revolucionária”. O sistema evolui como em uma maratona, não numa prova de salto tríplice. Nessa marcha, tivemos a fidelidade partidária, a cota para mulheres, o fim dos showmícios, a proibição de distribuir brindes, depois o projeto da Ficha Limpa, agora aprovou-se uma cláusula de barreira – ainda que muito tímida – e caminhamos rumo ao voto distrital misto. É um bom pacote de avanços.

Nesse mesmo cenário temos uma enorme maioria do eleitorado que não gosta de política, não se informa, acaba votando na manutenção de feudos e do clientelismo. Os avanços de pouco serviram.

Não podemos andar a 200 por hora numa carroça. Não se trata de pôr a culpa na estrutura política, ela é ruim mesmo. Temos o presidencialismo de coalizão, uma fragmentação partidária que é a maior do mundo e um Estado gigantesco. Com tantos obstáculos fica difícil funcionar.

Temos pela frente uma eleição ameaçada pelas fake news e um TSE se dispondo a controlá-las. Vai conseguir?

Os dados mostram que o eleitor confia cada vez menos nas redes sociais como fator de informação política. Em geral, as consideram pouco confiáveis. Mas é uma eleição de incerteza. Pela primeira vez se prevê punição pra quem divulga fake news. Incerteza e novidades serão as tônicas da disputa.

O TSE e seu aparato de controle conseguirão impedir essa desinformação, dirigida a um público já pouco informado?

Não, acho muito difícil controlar isso. Você tem redes como o WhatsApp, sobre as quais ninguém tem controle. Uma fake news contundente, divulgada poucos dias antes da eleição, pode ter forte peso. Mas acho que, com a repetição dessas notícias, o eleitor ficará cada vez mais precavido.

A busca do “novo” na política, que inclui grupos tentando formar candidatos fora do esquema, pode alterar a paisagem?

O que sei é que não se forma uma liderança de uma hora para outra. Lideranças são produto de anos e anos de trabalho. Considere ainda que esses novos interessados têm pela frente o desafio do financiamento de campanha, o limite de R$ 1 milhão pra deputado estadual e R$ 2,5 milhões para federais. E a sociedade vive um momento interessante: ela está indignada, mas apática. Acho difícil que partidos com pouquíssimo tempo de TV consigam votação expressiva. Imagino que o Congresso vai se renovar um pouco mais que a média, mas não a ponto de se mudar o estilo de fazer política no Brasil.

Que tipo de renovação você acha possível?

A possibilidade de mudança, pelos motivos que já expus, é modesta. É louvável ver esses movimentos tentando mudar a forma de se fazer política. Tomara que tenha efeito. Mas não será no curtíssimo prazo.

Há um discurso dominante segundo o qual “se houver um candidato de centro capaz de unir toda essa área, ele será o vencedor”. Isso faz sentido?

Minha avaliação é que o Brasil estará em julho ou agosto um pouco melhor do que hoje. Há dados de economistas confiáveis segundo os quais a economia estará crescendo em torno dos 3,5% ao ano no terceiro trimestre, hora em que a eleição será definida. Então, não é que tenhamos um conjunto expressivo de eleitores querendo votar no candidato do Temer. Mas vai ter um conjunto considerável de gente querendo a continuidade de algo que estará dando certo.

Ou seja, sua impressão e que Temer terá mais força e influência do que tem hoje.

Sim. E a aprovação de Temer, daqui a seis ou oito meses, estará descolada dos resultados de seu governo. Digo, o resultado será muito superior á sua aprovação pessoal. Então abre-se a possibilidade, sim, de uma candidatura ainda não colocada. O que isso acarreta? Também a possibilidade de uma articulação política para um candidato que terá um grande tempo de TV.

A estratégia de Lula e do petismo, de radicalizar a disputa, parece um esforço para polarizar de novo com o PSDB e se reafirmar. Poderiam fazer algo melhor?

O PT, como oposição, vai muito bem quando o Brasil vai mal. Foi assim que ele chegou ao poder. Mas neste 2018 tudo indica que o Brasil não vai mal. Está se recuperando. Em segundo lugar, o PT perdeu sua credibilidade e sua capacidade e mobilização. O petismo que mobilizava centenas de ônibus cheios de militantes da CUT, tudo pago com dinheiro das centrais sindicais, isso não vai ter mais. Então o que deveremos ter? Um eleitorado avaliando bem sua vida, querendo a continuidade, e um PT com pouca capacidade de mobilização. O PT pode espernear, mas isso não garante a adesão.

Como explicar, então, a liderança de Lula, em alguns casos folgada, em pesquisas do Ibope e do Datafolha?

O Lula é um ídolo, um fenômeno. Depois, há uma lembrança nostálgica do período Lula de quando pessoas de baixa renda compraram celulares, viajaram de avião, de navio, ficou uma ideia de “paraíso” daquela época. E na cabeça de grande parte dessas pessoas o Lula fica fora do problema da corrupção, por manter a imagem de que, como político, roubou como todos eles mas fez algo a seu favor. Assim, seria uma injustiça puni-lo. Isso explica a intenção de voto que ele tem. O eleitorado típico de Lula o que é? Uma senhora de 40 anos, que mora numa pequena cidade do nordeste. Esse pessoal não vai sair na rua. Ele tem voto mas não tem mobilização. É improvável que esses dados virem tendência de maioria nacional.

Acha possível fazer uma comparação entre o clima de “fim de feira” do atual governo e crises sérias vividas por outros governos no passado, cujas imagens eram tão negativas quanto a de Temer hoje?

Olha, no Brasil indignação virou categoria de análise. Num debate, atualmente, ganha aquele que se mostra mais indignado. Acho que falta pé no chão pra se avaliar o que pode ser feito para o País sair bem de 2018, que é um ano chave. Ou avançamos com as reformas e expulsamos o populismo ou vamos cair no buraco do qual ficará mais difícil sair depois.

O que é, para você, avançar com as reformas?

Você tem de ter uma eleição com muitos parlamentares que apoiem as reformas. Hoje a Previdência dá R$ 170 bilhões de déficit por ano. O déficit total é de R$ 560 bilhões por ano, isso não pode continuar. Tem de mudar a Previdência, fazer uma reforma no federalismo, mexer no sistema tributário… Um economista, o Marcos Mendes, selecionou outros 27 países parecidos com o Brasil e os comparou. O que deu? Que o Brasil é o 28.º em abertura comercial. O 28.º em taxa real de empréstimo bancário. O 28.º em tempo requerido para obrigações tributarias. O 27.º em quantidade de carga tributária. E o 23.º em facilidades pra fazer negócios. Desse jeito, a gente não cresce. O sistema funciona, mas a um custo altíssimo.

Você se juntou a alguns outros cientistas políticos e criou um grupo de análise e consultoria para candidatos. O que vocês têm para dizer a eles?

A nossa ideia, por conta dessa decadência moral, dessa indignação que virou análise, é lembrar que nenhum país fechou por causa desses problemas, nenhuma classe política foi aniquilada. A indignação é muito boa para gerar raciocínios… Pretendemos criar documentos e estudos que colaborem na busca de solução moderada. Você não renova 100% do Congresso, não acaba com a classe política, não joga fora tudo o que foi construído. Tem de trazer bom senso ao debate, achar uma saída factível. Há medidas que são boas para os políticos e as corporações. Essas não são boas para o Brasil. Mas são adotadas. Há medidas que são boas para o Brasil, mas contrariam interesses dos políticos e das corporações. Essas não passam. Nossa ideia é sugerir propostas boas para o Brasil que sejam aceitas por políticos e corporações.

Você se sente otimista?

Estou otimista. Examinando dados objetivos – inflação, crescimento do PIB, juros, desempenho das estatais, reforma trabalhista, PEC do Teto, responsabilidade fiscal, política externa decente etc, percebe-se que o País melhorou muito. É seguir avançando. Usar a indignação para construir e evitar o populismo estéril a todo custo.

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