terça-feira, 27 de março de 2018

Raymundo Costa: À espera do juízo (quase) final

- Valor Econômico

Lula atrasa a organização das campanhas

Lula está aliviado e um pouco mais animado, mas com um olho na lata e outro na sardinha. A liminar que lhe deu um salvo-conduto para não ser preso, pelo menos até o dia 4, foi uma decisão melhor que esperavam o PT e o ex-presidente, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) apanhou como gente grande, no fim de semana, e o julgamento atiçou mais o fogo nas redes sociais. Há manifestações previstas para o dia do julgamento. Dos dois lados, como teve no impeachment de Dilma Rousseff. E a passagem de Lula pelo Sul do país não é um bom sinal.

É a segunda vez que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é beneficiado por uma decisão capaz de evitar que seja preso. A primeira foi em 16 de março de 2016, quando estava sem foro privilegiado e temia-se que o juiz Sergio Moro pudesse decretar sua prisão preventiva. Dilma Rousseff, então presidente, assinou um decreto de nomeação de Lula para a Casa Civil com o mesmo objetivo, servir de salvo-conduto para uma eventual voz de prisão e captura policial.

O PT agora já pensa em estender ainda mais o prazo de 4 de abril, quando o Supremo pretende votar o mérito do habeas corpus para evitar sua prisão: pedir para o STF julgar, em primeiro lugar, as ações diretas de constitucionalidade que tratam da prisão em segunda instância. Até o último fim de semana, a tendência do Supremo era rever a decisão de 2016, segundo a qual réu condenado na segunda instância já deve ser preso. Resta esperar para ver como volta o STF depois da malhação do sábado de Aleluia.

Todo cuidado é pouco, hoje, quando se fala da fogueira de vaidades em que se transformou o STF. Afinal teve ministro dizendo que habeas corpus eram concedidos na ditadura para crimes de opinião. Não se aplicavam a crimes do colarinho branco. Bobagem. O HC protege o direito de ir e vir do cidadão.

Com a decisão sobre Lula indefinida, o relógio eleitoral também corre num ritmo mais lento. Há muito em jogo dependendo do futuro de Lula. A candidatura de Michel Temer à reeleição, por exemplo, é uma delas. Com Lula no páreo, o MDB é um; com ele fora, outro.

O pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, por exemplo, não racha o MDB. O governador de São Paulo não quer apoiar Temer mas quer se aproveitar dos avanços econômicos do período. Henrique Meirelles, que ontem anunciou sua saída do Ministério da Fazenda, corre na mesma faixa de Temer. Rodrigo Maia (DEM) é sócio do governo.

Na oposição, Ciro Gomes (PDT), um dos nomes mais bem posicionados na disputa, também não racha o MDB. Visto de hoje, só quem efetivamente tem condições de rachar o MDB é Lula. E entre os caciques mais experientes da legenda já começa a haver dúvida se ele realmente não será candidato, como parecia líquido e certo.

Há umas duas dezenas de prefeitos eleitos em 2016 que estão no cargo graças a liminares ainda não julgadas concedidas a candidatos ficha-suja. E o PT voltou a acreditar que pode colocar o nome de Lula e o número do partido na urna eletrônica - se o candidato tiver que sair na última hora, o substituto e a sigla receberiam os votos em seu nome.

Em eleições passadas, a esta altura as articulações para a formação das alianças já estavam adiantadas. Em 1994, antes mesmo de se lançar candidato o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já havia fechado uma composição com o então PFL, hoje Democratas.

"Para a eleição de 1998, FHC primeiro coordenou a aprovação da PEC da reeleição um ano antes da disputa", registra a consultoria LCA. "Depois, articulou com a cúpula do PMDB o veto à candidatura do ex-presidente Itamar Franco, decisão formalizada pela convenção nacional do partido em 5 de março de 1998".

As exceções foram 1989 e 2002, "não por acaso anos de baixa popularidade dos presidentes em exercício, especialmente no caso de José Sarney - que, até pouco tempo atrás, era o mais impopular da história do país", relembra a LDA, para observar em seguida: "O vácuo criado pela fragilidade do governante de ocasião dificultou o jogo da coordenação das candidaturas pela elite política. Foram as eleições presidenciais mais fragmentadas desde a redemocratização" - 22 candidatos, sendo cinco deles mais ou menos competitivos.

Para 2018, os movimentos para restringir o número de candidaturas também não têm obtido sucesso. No governo federal, o ministro Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia) talvez tenha sido quem mais se bateu pela candidatura única juntando as oito principais legendas da base de apoio ao governo. É a possibilidade que vislumbra para o centro político ganhar a eleição. A ideia fez água porque Alckmin tirou a escada de Temer quando o mandato do presidente esteve em jogo. Aguarda-se movimentos mais decisivos para junho-julho, quando a situação de Lula estará mais clara.

Aparentemente Alckmin fechou o PSDB de São Paulo, com a vitória de João Doria, com 80% dos votos, na prévia que indicou o candidato a governador do partido. Mas o prefeito, depois de se desincompatibilizar da prefeitura, estará livre para ser candidato ao que quiser, sobretudo se Alckmin não alcançar a casa dos dois dígitos nas pesquisas. Em Minas Gerais Alckmin conseguiu o feito de levar o senador Antonio Anastasia a se candidatar a governador. Mas se o governador de São Paulo não decolar, resta saber se o apoio do grupo de Aécio Neves terá força para ajudar o presidente.

Se serve de alento para a centro-direita, a esquerda, a começar pelo PT, também está desorganizada. Marina Silva (Rede) está fragilizada em relação a 2014, e o PSB nos próximos dias decide se oferece espaço para uma candidatura de Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo e maestro do julgamento do mensalão. O nome do ex-prefeito Fernando Haddad, alternativa que parece encantar Lula, causa arrepios no PT, onde é chamado de "a Dilma de calças". E deputados do PMDB articulam o lançamento de um manifesto em favor de um candidato do governo (Temer).

Neste quadro, espera-se do Supremo mais moderação e menos vaidades.

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