quinta-feira, 20 de junho de 2019

Merval Pereira: A dialética de Moro

- O Globo

Discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido

O debate sobre os diálogos entre o então juiz Sergio Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, continua onde sempre esteve desde o início, no campo político.

Assim como existem juristas que acreditam que houve exacerbação do papel do juiz, ferindo a imparcialidade, outros consideram normais os contatos e os comentários.

Sendo assim, a discussão se limita a aspectos subjetivos da nossa ordem jurídica processual, e das poucas sugestões práticas que surgiram no debate de ontem no Senado foi a do senador Cid Gomes, que propôs mudar a legislação para instituir a figura do juiz de garantias, ou juiz de instrução.

Separação entre o juiz que pratica determinados atos decisórios durante a fase investigatória e o juiz que atua na fase da ação penal. Ou seja, juiz que atua no inquérito não pode ser o mesmo do processo.

As limitações dessas duas figuras novas no nosso processo penal seriam definidas pelo Congresso, ouvindo as instituições representativas dos juízes, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), das associações do Ministério Público.

Esse debate entre correntes distintas no meio jurídico existe porque há uma proposta para incluir a figura do juiz de garantias no Código de Processo Penal em tramitação desde 2010, e não se chega a uma conclusão.

O Instituto dos Advogados Brasileiros defende, com base em parecer do ex-deputado federal e advogado Miro Teixeira, que juízes, sejam de instrução, sejam os existentes hoje, têm que evitar toda e qualquer participação na fase investigatória. Outros juristas consideram que mesmo hoje é função do juiz do processo coordenar a investigação.

Ontem, na sabatina a que se submeteu, por decisão própria, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, desanimou os políticos que o atacaram.

Conseguiu levar o debate para o campo dialético, e a discussão acabou sendo sobre quem é contra ou a favor da Lava-Jato, quem quer soltar bandido, o que favorece muito a sua posição quando juiz da Lava-Jato.

Ficou claro que o interesse do PT é apenas soltar o ex-presidente Lula, e com isso perde-se a capacidade de contestar o ministro Sergio Moro. Apesar dos apelos dos partidos de oposição, os petistas não conseguiram discutir o tema de maneira genérica, colocando sempre em questão as condenações de Lula.

A oposição, por sinal, não conseguiu se organizar para fazer com Moro o que fez com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que acabou perdendo a paciência em momentos cruciais.

O ministro Moro garantiu que não fez treinamento formal para a sabatina, mas estava bastante tranquilo na arguição, e teve a seu favor uma bancada em defesa da Lava-Jato.

Uma situação curiosa é que, mesmo os oposicionistas, tentavam a todo custo garantir que não estavam criticando a Operação Lava-Jato, sabendo que a sessão estava sendo televisionada pela TV Câmara.

O que ficou definido na audiência é que o crime cometido foi a invasão de celulares de autoridades brasileiras. Moro fez bem ao negar que seja o SuperHomem que o representa no boneco inflável que aparece nas manifestações, e ontem foi colocado em frente ao Congresso.

Mas o fato é que enquanto contar com a credibilidade que a maioria lhe concede, e a Lava-Jato for vista como a garantia do combate à corrupção pela população, o ministro Sergio Moro estará garantido.

É o que se chama em linguagem militar moral high ground. A origem é o conceito de que, para vencer, há que conquistar os níveis mais altos do campo de batalha. É o que Moro está fazendo, com sucesso, até o momento.

Inclusive afirmando, quase ao final da audiência, que se for constatada alguma irregularidade, renunciaria ao cargo de ministro. Pura retórica, mas eficiente, pois se surgirem irregularidades, ele estará inviabilizado politicamente.

Moro repetiu com gosto o título de um artigo de um professor de Harvard que dizia “O escândalo que encolheu”. A não ser que apareçam coisas verdadeiramente graves, o escândalo, como apresentado pelo site Intercept e pela oposição, está realmente esvaziado.

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