sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Populismo com cheque especial – Editorial | O Estado de S. Paulo

Tabelar juros do cheque especial é medida populista indisfarçável, incompatível com o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Pode ser politicamente útil ao presidente Jair Bolsonaro, mas do ponto de vista econômico é injustificável e até perigosa. “Se fosse tabelamento, não tinha tarifa”, disse o presidente do BC, Campos Neto, respondendo às primeiras críticas. É um argumento pobre e ineficiente. Os bancos poderão cobrar a tarifa de quem pedir cheque especial com limite superior a R$ 500. A cobrança será de até 0,25% sobre o valor acima daquele limite. Com isso haverá um ganho adicional para as instituições financeiras e muitos de seus clientes terão um custo a mais, mesmo sem fazer um saque ou pagamento além do saldo normal.

O teto de juros, decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pode parecer perfeitamente razoável diante do custo até agora imposto a quem se endivida no cheque especial. Em outubro, a taxa média para esse tipo de cobrança ficou em 305,9% ao ano, segundo o BC. Se os juros de 8% ao mês forem aplicados, o custo anual será de 151,8%. Ainda será enorme, mas a redução será considerável. A medida entrará em vigor em 6 de janeiro, segundo a resolução do CMN. Que ocorrerá a partir daí?

Os correntistas em apuros poderão resolver seu problema com menor dificuldade. Isso será positivo, mas o ganho social será muito limitado, se os clientes continuarem a endividar-se como até agora. É essa a questão essencial. Os juros do cheque especial podem parecer uma aberração, mas aberração igualmente notável é o uso desse tipo de conta como canal de financiamento.

O cheque especial, assim como o cartão de crédito, pode ser muito útil, mas ninguém deveria usar qualquer desses instrumentos como substituto das formas tradicionais de empréstimo. O cartão de crédito foi criado para facilitar a realização de despesas no dia a dia. Não foi concebido para funcionar, de fato, como instrumento de crédito. Pessoas informadas e prudentes limitam-se a aproveitar essa vantagem, na vida cotidiana, e procuram liquidar normalmente as faturas mensais. Usam o cartão, portanto, dentro de suas possibilidades normais. Quando se dispõem a fazer operações mais custosas, como compras de veículos, de imóveis ou de equipamentos domésticos mais caros, procuram empréstimos bancários ou financiamentos concedidos pelo comércio.

Deve-se entender o cheque especial, da mesma forma, como um instrumento para facilitar a vida normal, jamais como substituto das formas convencionais de financiamento. Qualquer cidadão pode precisar, de vez em quando, realizar um saque ou um pagamento além do saldo básico da conta bancária. É bom, portanto, dispor de um limite de tolerância. Mas é preciso usar esse limite de forma compatível com a capacidade financeira normal de cada um. Para outras finalidades há outros meios – ou deve haver, se os bancos estiverem de fato interessados em atender mais que uma elite.

Há um evidente problema de educação financeira. Além disso, bancos e operadores de cartões de crédito pouco ou nada têm feito para orientar os clientes quanto ao uso dos cheques especiais e dos cartões. De imediato, renegociações de dívidas podem ser um modo eficiente de tirar milhões de pessoas do aperto e, como subproduto dessa iniciativa, normalizar a vida financeira de um grande número de consumidores.

O BC já se interessou pelo assunto e poderá haver efeitos benéficos para a economia. Tabelar juros do cheque especial poderá até produzir algum resultado positivo a curto prazo, mas, na pior hipótese, será um estímulo a mais para um comportamento inadequado, desastroso para muita gente e muito ruim para a economia.

É um tanto surpreendente ver o presidente do BC render-se em tão pouco tempo às conveniências político-eleitorais do populismo. Medidas como o tabelamento de juros podem proporcionar votos a quem ambiciona uma eleição ou reeleição, mas acabam sendo econômica e socialmente nocivas. Os líderes da equipe econômica devem saber disso. Então, por que aceitam esse jogo?

A brecha – Editorial | Folha de S. Paulo

Cabe ao STF dar fim à indefinição sobre a situação de condenados como Lula

O novo revés imposto pela Justiça ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra que a vida do petista pode ter melhorado fora da cela, mas está longe de ser fácil.

Nesta quarta (27), três juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região mantiveram a condenação dele pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia (SP). A pena foi aumentada, de 12 anos e 11 meses para pouco mais de 17 anos de prisão.

Graças à recente mudança na posição do Supremo Tribunal Federal sobre o encarceramento de condenados em segunda instância, o líder petista poderá recorrer da sentença em liberdade e continuará solto até que se esgotem as possibilidades de recurso.

Mas a hipótese de um dia voltar a disputar eleições ficou mais remota para Lula, porque a Lei da Ficha Limpa impede que condenados por órgãos colegiados concorram, e agora ele só poderá superar essa barreira se conseguir reverter as duas condenações que sofreu.

Frustrou-se a expectativa da sua defesa de que o TRF-4 anularia a sentença da primeira instância por causa do outro entendimento estabelecido pelo Supremo neste ano —sobre a ordem de apresentação dos argumentos finais dos acusados em ações penais.

Em agosto, a corte decidiu que réus como Lula têm direito a falar por último no processo, depois dos que tiverem cooperado com a Justiça como os delatores da Lava Jato. A nova orientação já provocou a anulação de duas sentenças em ações da operação no Paraná.

Se é certo que os juízes do TRF-4 contrariaram essa diretriz ao manter a condenação do ex-presidente, cumpre apontar que o fizeram por razões bem fundamentadas, aproveitando uma brecha que o próprio Supremo deixara aberta.

Os ministros ainda não decidiram em quais situações a nova ordem deve ser aplicada, mas alguns já indicaram que são contra a anulação de processos em que o prejuízo causado às defesas não seja demonstrado —como é o caso de Lula, para os magistrados do TRF-4.

Pelo calendário do Supremo, a definição do alcance dessa decisão ocorrerá no próximo ano. A corte faria bem em tratar do tema com celeridade, evitando que a incerteza dessa situação jurídica se prolongue e provoque tensões.

É fácil perceber nos votos dos juízes do TRF-4, que incluíram enfática defesa da Lava Jato, a intenção de oferecer um contraponto às críticas que a operação tem recebido —inclusive no plenário do STF.

Cabe aos magistrados fixar as balizas que devem ser respeitadas no combate ao corrupção, evitando que a indecisão alimente a insegurança jurídica e a impunidade.

Supremo impede retrocesso na luta contra a corrupção – Editorial | O Globo

Julgamento sobre o alcance do sigilo financeiro de pessoas físicas e jurídicas resguarda investigações

Os seis votos a zero favoráveis ao compartilhamento de dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), ex-Coaf, pelo Supremo, obtidos até a terceira sessão de julgamento das regras e limites dos fluxos de dados entre organismos de Estado, na quarta-feira, já garantiam uma vitória no Judiciário do combate à corrupção como há algum tempo não ocorria.

Infelizmente, movimentos no Congresso, na Justiça e no Executivo de resistência ao avanço de investigações — seguidas de denúncias e punições contra a corrupção sistêmica — acumularam êxitos na contenção deste avanço. Que foi iniciado, para se estabelecer um marco de tempo, nas condenações do processo do mensalão do PT — também haveria o do PSDB —, em 2012, até chegar-se à criação da força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba, em 2014.

Os desdobramentos penais da Lava-Jato e de suas ramificações têm sido um acontecimento inédito na história penal brasileira, em que apenas ricos e pobres iam presos.

O placar de seis a zero, em um colegiado de 11 ministros, já dava maioria ao entendimento de que a UIF pode compartilhar informações sobre fluxos entre contas bancárias e remessas e recebimentos diversos por pessoas físicas e jurídicas, sem a necessidade de autorização judicial. Entende-se que ao passar para o Ministério Público movimentações consideradas atípicas, o organismo de inteligência financeira remete o sigilo bancário junto. Ou seja, ele não é quebrado, apenas o MP também passa a ser responsável pela sua preservação.

Ao fim da sessão de ontem, com a conclusão da apresentação dos votos dos 11 ministros da Corte, contabilizou-se o resultado final de nove votos a dois pelo compartilhamento de dados também da Receita Federal, sem a necessidade de autorização judicial.

Um julgamento complexo, baseado em um recurso extraordinário impetrado por um posto de combustíveis paulista contra a Receita, teve seu campo estendido para tratar da margem de manobra legal que têm organismos de inteligência financeira, como a UIF, ex-Coaf, e não só a Receita, para repassar dados sigilosos ao MP, sem autorização judicial.

Os ministros ainda deliberarão, para levar em conta todos os aspectos levantados pelos votos, considerando o efeito da “repercussão geral” do julgamento. Ou seja, de servir de referência a todos os tribunais.

Seja como for, a vitória da tese de que o conceito constitucional de sigilo não pode servir de obstáculo a ações do Estado contra o crime organizado e, em particular, a corrupção, pode representar a interrupção de uma sequência de fatos negativos para o enfrentamento de criminosos de colarinho branco.

Um desses retrocessos foi o fim da prisão em segunda instância, decidido por diferença de apenas um voto pelo Supremo. Espera-se que a jurisprudência seja restabelecida por ato do Congresso, o que reforçaria esta reação das instituições indicada neste julgamento do próprio STF.

Fernández indica que repetirá políticas fracassadas do passado – Editorial | Valor Econômico

Não há espaço nem tempo para improvisações e Fernández parece ensaiar o retorno de uma política que já se mostrou fracassada

A 12 dias da posse de Alberto Fernández na Presidência da Argentina, reina o mistério sobre a equipe econômica e as diretrizes gerais do novo governo. A falta de sinalização seria um detalhe sem importância se este fosse um período normal de troca de presidentes na Casa Rosada. A sucessão argentina, porém, ocorre diante de nova e grande crise e Fernández terá de renegociar dívidas de US$ 101 bilhões, domar uma inflação de 55% e retirar o país de forte recessão. Os peronistas voltam ao poder após o fracasso da política liberal de Mauricio Macri.

Ainda que de forma simples, os argentinos e os investidores internacionais aguardam a definição de rumos econômicos. Fernández terá de assumir com ações rápidas, à altura da crise. Quase nada foi ventilado até agora e o pouco que se sabe não inspira confiança. A escolha do nome para comandar a Economia indicará o rumo, mas essa escolha aparentemente ainda não foi feita. Fernández prometeu divulgar sua equipe na próxima semana.


A ausência de sinalização pode responder à necessidade política de um governo no qual a vice-presidente, Cristina, é mais conhecida e influente que o presidente, com quem já teve relação conflituosa. O poder que cada um deterá deve ser um dos primeiros segredos a se desvendar. Fernández esperou Cristina voltar de Cuba, onde uma de suas filhas faz tratamento médico, para delinear seu gabinete. Pode ser mera deferência à política mais popular do país ou então refletir a obrigação de escolher em comum acordo as pessoas que comporão o novo governo - nesse caso, Cristina seria quase tão “presidente” quanto Fernández, ou mais.

Durante a campanha eleitoral, Alberto Fernández não destoou de retórica populista que agradou aos kirchneristas. Fez as críticas esperadas à política “neoliberal” Macri. Deixou claro que vai rever o acordo de US$ 57 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, recusou os US$ 11 bilhões que faltam e avisou que o pagamento dos recursos terá de ser reescalonado. Ao FMI e credores privados, sugeriu na quarta, em reunião com empresários, que só pagará a dívida “quando estivermos crescendo e tenhamos os dólares”.

Agora que terá de governar, a conversa de Fernández pode ser outra, mas não se sabe qual. Os indícios dados pelas declarações não indicam mudança substantiva alguma em relação às políticas dos governos de Néstor e Cristina Kirchner. A Argentina tem sido, por décadas o campo da experimentação de políticas fracassas, tanto ultraortodoxas quanto heterodoxas.

As receitas esboçadas são mais do mesmo. Fernández parece determinado a ressuscitar o pacto social com empresários e trabalhadores, para congelar preço da cesta básica - e reajustes salariais, embora não se fale nisso ainda - e manter o congelamento de tarifas públicas, decretado por Macri como última esperança de reação nas urnas. No início, Macri recompôs tarifas, muito represadas por Cristina, e reduziu seu peso no orçamento, chegando com seu ajuste fiscal bem perto de obter um superávit primário. Na quarta, Fernández disse que as “contas fiscais estão em estado deplorável”, apesar de serem bem melhores do que as que Cristina legou.

O pacto social foi repetidas vezes tentado na Argentina e nunca funcionou. A inflação foi nutrida também por megadesvalorização cambial de 40% no ano e só foi contida após acordo entre o governo que sai e o que entra para impedir que os argentinos tenham acesso ao dólar - hoje só é permitido o saque mensal em moeda de US$ 100, ou US$ 200 por transação bancária.

O governo cogita ampliar a emissão monetária para financiar o déficit público, aumentar tarifas sobre exportações do agronegócio, elevar o imposto de renda, além de dobrar a indenização por demissão sem justa causa, para evitar o aumento do desemprego (10,6%). A Argentina jogará novamente na retranca das importações. Em discurso, disse que “não queria trazer camisetas chinesas ou sapatos do Brasil”. O pressuposto da política é relaxar a parte fiscal e aumentar o consumo - um flerte com a hiperinflação.

Algumas dessas prescrições deram certo por algum tempo no primeiro mandato de Néstor Kirchner, do qual Fernández foi chefe de gabinete. Mas então o país tinha dado o maior calote da história, suprimindo US$ 100 bilhões de seu passivo e deixado de pagar dívidas. Não é a situação de agora. Fernández parece ensaiar o retorno de uma fracassada política populista, que produziu desastres.

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