- Folha de S. Paulo
Desde a Previdência, governo parece não ter rumo além de fazer propaganda autoritária
Alguém aí ainda se lembra do pacotão das medidas fiscais de emergência? Foi visto pela última vez faz três semanas, quando chegou ao Congresso, mas seu paradeiro é ignorado, assim como anda desaparecida a arenga reformista.
Entende-se. O governo andou ocupado promovendo a Aliança pelo AI-5, a licença para matar manifestantes de rua e gente sem luz e lustro para postos de relevo na Cultura.
Além do Flamengo, os assuntos são o dólar caro, o preço do bife e um novo surto de ameaças de morte do governo contra cidadãos oposicionistas e instituições da democracia.
O pacotão era um calhamaço de reformas constitucionais para cortar salário de servidor etc., início de uma campanha urgente a fim de evitar que as contas do governo mergulhem no vinagre na virada de 2020 para 2021. Era o começo da segunda onda de reformas, que contaria também com um pacote de emprego, que praticamente foi abortado.
Desde então, o governo e o governismo parecem ter mudado de estação, parece mais surtado com o transe nas ruas sul-americanas, caído depois do relativo vexame do leilão do petróleo e ainda mais desorientado na política partidária.
O governo não parece se abalar com a sequência de derrotas no Congresso —vetos que caem, projetos que caducam. Parece, sim, ainda mais disparatado, como na política e declarações sobre câmbio ou com essa atitude de tabela juros bancários por decreto.
Apela ao realismo político de segunda quando engavetou sine die a reforma administrativa, aparentemente por temer “Lula Livre” (aliás sumido e algo desorientado também) e a chapa quente dos “terroristas” nas ruas da América do Sul.
No entanto, o ano parlamentar de 2019 está para terminar e o de 2020 será curto, por causa da eleição municipal, acabando por volta de junho ou julho, no mais tardar.
Deputados e senadores, de resto, estarão menos propensos a aprovar reformas ou “reformas”, aquelas que arrancam o resto do couro do povo. Há o risco de o bolsonarismo passar vexame nas urnas.
Qual é então o plano do governo, se algum?
Espera que uma dose de reforma da Previdência e juros baixos tire a economia da estagnação, o bastante para evitar que o prestígio de Jair Bolsonaro vá abaixo de um terço do país? O bastante para dar impulso para a mudança de patamar da pregação autoritária, como se vê com essa história de “excedente de ilicitude” para tropas pretorianas que atirem no povo nas ruas?
Talvez tenha de se preocupar com problemas novos, ao vai da valsa.
O Supremo acaba de desengavetar, na prática, as investigações sobre as rachunchos de Flavio Bolsonaro, derrotando de resto o aliado acidental de Bolsonaro na Corte, Dias Toffolli, aquele do “pacto entre os Poderes (dele com o presidente da República)”.
O preço do bife por ora ainda é meme irado de rede insociável, mas não convém desprezar os desprazeres da carne —a arroba do boi gordo subiu mais de 50% em um ano.
Alguém aí se lembra da inflação do tomate, no início de 2013? A combinação de escassez de carne no mercado mundial com a alta do dólar pode não dar em aumento sistemático de preços, talvez nem dos preços da comida, mas convém prestar atenção.
Inflação de alimentos emagrece o prestígio dos governantes. Aumentos pontuais de preços da vidinha diária, carne, gasolina e pão, são suficientemente irritantes, mesmo sem inflação de fato.
O governo não parece ligar muito.
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