Mas a Constituição Cidadã de 1988 foi mais
conclusiva com a cidadania ao incluir o município como um ente federativo e o
seu direito à auto-organização através de suas Cartas Próprias, a Lei Orgânica
Municipal. Se a Constituição Federal garante o Estado Democrático de Direito a
todos os viventes do País e a Constituição estadual dos federados, a
Constituição Municipal leva os seus princípios passíveis de serem exercidos
pela cidadania em seu habitat natural: o município. Dizia Franco Montoro que as
pessoas vivem no município e é aí que devem exercitar os seus deveres e
direitos consagrados pelas Constituições da União e dos Estados.
As eleições municipais de 15 de novembro e o
princípio republicano de todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido,
oferece-nos uma oportunidade ímpar para trazer a democracia mais próxima do
cidadão, o que é tudo o que o populismo autoritário não quer. Aliás, já chamava
a atenção no artigo “O segundo inverno do governo Bolsonaro”, Pedro S. Malan,
ministro da Fazenda no Governo FHC, no “Estadão” em 14/6/20, “que o Brasil
elegerá nada menos que 5.570 prefeitos e cerca de 57.800 vereadores”: “Daí a
importância das eleições municipais desse ano. Seus resultados terão
forçosamente influência nas eleições de 2020.”
E não apenas pelo exercício do direito fundamental
de ser governado numa república democrática por representantes eleitos pelo povo
e de respirar-se agora também no município o ar da democracia em todos os seus
sentidos. É que, como ente federativo, o município deixou de ser uma
circunscrição administrativa e passou a ser um ente político com direito à sua
auto-organização através da Lei Orgânica, a sua Constituição Municipal. É bom
lembrar que o município precedeu a criação do próprio Estado. A Coroa
portuguesa reconheceu a sua importância até na defesa do território colonizado
contra as invasões holandesas e francesas recrutando os soldados. E a
Declaração da Independência e a Proclamação da República foram também
legitimadas pelas Câmaras Municipais.
Assim, a Lei Orgânica do Município é elaborada e
promulgada pelas próprias Câmaras Municipais. Embora já existissem nos municípios
do Rio Grande do Sul e após no Ceará, foi a Constituição Cidadã de 1988 que,
consagrando o direto dos municípios à auto-organização, deu maior abrangência
às Leis Orgânicas, como verdadeiras Constituições Municipais.
No Estado de São Paulo, a Câmara Municipal de São
José dos Campos saiu à frente apresentando, em 1984, a sua Carta Própria com o
apoio de renomados juristas e constitucionalistas como Dalmo de Abreu Dallari,
Celso Antônio Bandeira de Melo, Michel Temer, Geraldo Ataliba, José Guedes,
Bernardo Gomes de Melo, Luís César Amad Costa, baseada no princípio do peculiar
interesse do município. E a Assembleia Legislativa com Proposta de Emenda
Constitucional, mobilizando assim a opinião pública para o final reconhecimento
do Direito à Auto-Organização Municipal pela Assembleia Nacional Constituinte
com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988.
As eleições municipais de 2020 celebram também os
30 anos da elaboração e promulgação das Leis Orgânicas pelas próprias Câmaras
Municipais. E como tal, os candidatos a vereador poderão discutir concretamente
o seu conteúdo com os eleitores e os eleitos promover a sua revisão atualizando
este estatuto constitucional municipal.
As Leis Orgânicas Municipais tratam desde a
organização administrativa do município como também da participação popular,
saúde, educação, meio ambiente, ciência e tecnologia, planejamento municipal
(plano diretor de desenvolvimento integrado), transporte público,
desenvolvimento social e rural, cultura, esporte e lazer. Enfim, de tudo o que
diz respeito ao seu peculiar interesse, fixando princípios, diretrizes e ações.
Portanto, as políticas públicas no âmbito municipal
são de responsabilidade de prefeitos e vereadores dentro de suas competências
legislativas e executivas. E promover o exercício pleno da democracia
representativa e participativa na Lei Orgânica do Município é um ato concreto
de oposição ao populismo autoritário.
*Jornalista, escritor e vereador de 1977 a 1996 em São José dos Campos-SP
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