O Globo
Arthur Lira estava ao lado do presidente,
levando-o no peito, seis dias após Bolsonaro dizer que poderia não haver
eleições. Qual a surpresa? Ninguém pode se surpreender — não em 2022 — com a
impermeabilidade de alguém como Lira aos princípios da democracia liberal.
Esta é lição nunca tardia: está bom para
ele — e para muita gente, estando bom para os negócios, o resto será
negociável.
Sejamos justos. Lira jamais foi omisso
relativamente ao projeto autocrático de Bolsonaro. Qual a surpresa em vê-lo
sobre o palanque e vestido de mito? É um bolsonarista ativo e com inúmeros
serviços prestados à causa. Está bom para ele, jamais tão poderoso, gestor
maioral de uma corporação autoritária que controla a distribuição do Orçamento
da União, a partir de Brasília, e a rede que recebe os dinheiros públicos, na
ponta.
Sejamos objetivos. Ao se vestir de mito, Lira usa a camisa da continuidade do arranjo que lhe dá o poder sem precedentes. Sejamos pragmáticos. Oportunismo e bolsonarismo não se excluem. O populismo bolsonarista depende da instabilidade para prosperar. O oportunista pode aprender a prosperar no caos. Lira decerto avalia conhecer tipos como Jair. (Estima que não será enforcado.) Pensa saber com quem trata. Não serão tão diferentes. Não estaria lá de outra forma. Entendeu o clima, percebeu uma brecha para ascender — e foi. Encheu a carteira de ações do bolsonarismo. Apostou corretamente. Está, desde 2020, vestido de Bolsonaro — vestido de si mesmo. Business.
Qual a surpresa agora?
É sócio, ora. Muito mais importante para as
chances de vitória do capitão do que as redes de desinformação de Carlos.
Lira é sócio. Sua causa não é o
esfacelamento institucional da República. Mas a ocupação dos espaços que essa
corrosão abre. Está bom para ele. O maior entre os regentes do orçamento
secreto. Poder que acumulou em função de o presidente investir contra a
estabilidade republicana. Foi fiador. Agora se banca. É a banca. Poder que
acumulou investindo contra os meios de ação das minorias legislativas. Poder
que acumulou até ter a força de aterrar o regimento interno da Câmara. Poder
que usou para tratorar a Constituição, aprovar uma emenda que corrompe a lei
eleitoral e fabricar um estado de emergência bilionário destinado a reeleger
não simplesmente Bolsonaro, mas a sociedade por meio da qual tem nas mãos o
arco, a flecha e o alvo do orçamento público.
Esse complexo de controle pode ser
exemplificado via Codevasf.
O governo Bolsonaro, que acabaria com a
mamata, entregou a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco — com
a porteira fechada — à gestão do consórcio parlamentar comandado por Arthur
Lira, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto. Foi em 2020; o ano em que o
presidente antiestablishment, havia 30 anos vivendo do Estado, decidiu que o
Congresso não comporia mais o sistema que o impedia de governar. Foi um
sucesso.
A Codevasf é uma nação. Na origem, em 1974,
alcançava pouco mais de 500 municípios, todos na área de influência do São
Francisco. Mais adiante, incorporaria os abarcados pelo Parnaíba. Hoje, depois
de chegar ao Amapá de Davi Alcolumbre, está em cerca 2.600 cidades. (Parruda
também nas Minas de Pacheco, herdeiro de Alcolumbre.) Duas mil e seiscentas
prefeituras — para dar endereçamento correto.
O governo Bolsonaro, que acabaria com a
mamata, entregou este país aos cuidados dos sócios. Não à toa Ciro Nogueira
aplaudia a convocação-ultimato para um novo 7 de Setembro e o ataque do
presidente a ministros do Supremo. (Foi sob essa insalubridade republicana,
afinal, que se tornou ministro e chefe do FNDE.) A Codevasf só cresceu. Cresceu
também a empreiteira Construservice; que não tinha contrato com o governo
federal até 2019, quando começou o governo que acabaria com a mamata. Para a
Construservice, acabava a miséria.
A Construservice é só um exemplo. Tem muito
deputado emendador de fachada para senador; muito usuário externo para esconder
rochas no Maranhão; muita empresa para não entregar o contratado. São muitas as
Construservices Brasil adentro. O Maranhão, foco da mais recente operação da
PF, apenas um entre os estados em que a Codevasf mostra o desenvolvimento de
seu vale. A Codevasf, somente uma das companhias estatais por meio das quais
bezerras pastam asfalto.
Não é novidade que governantes entreguem
autarquias para os cuidados patrimonialistas de políticos associados. Tampouco
foi invenção de Bolsonaro que empresários próximos a políticos lavem a égua nos
municípios. Os crescimentos de Codevasf e Construservice, porém, são
absolutamente casados ao crescimento do orçamento secreto, a expressão máxima
do pacto societário firmado entre o Planalto e o lirismo parlamentar.
O estado da arte, ciclo econômico
autocrático perfeito. Domina-se a origem e o destino. A corda e a caçamba.
Distribuição de porteira aberta. Recepção de porteira fechada. Está muito bom.
Vestir camisa é pouco. Tatue-se.
2 comentários:
Obrigado Sr jornalista se não fosse por vcs. Nada saberíamos sobre as coisas que acontecem quando a boiada dorme.
Como cantava o grande patriota general Heleno: Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão... Hoje, Heleno é cúmplice de tudo. Bolsonaro, Heleno, Braga Netto, Arthur Lira, Ciro Nogueira não são apenas milicianos, são chefes de quadrilha!
Postar um comentário