terça-feira, 26 de julho de 2022

Carlos Andreazza - Tatuagem

O Globo

Arthur Lira estava ao lado do presidente, levando-o no peito, seis dias após Bolsonaro dizer que poderia não haver eleições. Qual a surpresa? Ninguém pode se surpreender — não em 2022 — com a impermeabilidade de alguém como Lira aos princípios da democracia liberal.

Esta é lição nunca tardia: está bom para ele — e para muita gente, estando bom para os negócios, o resto será negociável.

Sejamos justos. Lira jamais foi omisso relativamente ao projeto autocrático de Bolsonaro. Qual a surpresa em vê-lo sobre o palanque e vestido de mito? É um bolsonarista ativo e com inúmeros serviços prestados à causa. Está bom para ele, jamais tão poderoso, gestor maioral de uma corporação autoritária que controla a distribuição do Orçamento da União, a partir de Brasília, e a rede que recebe os dinheiros públicos, na ponta.

Sejamos objetivos. Ao se vestir de mito, Lira usa a camisa da continuidade do arranjo que lhe dá o poder sem precedentes. Sejamos pragmáticos. Oportunismo e bolsonarismo não se excluem. O populismo bolsonarista depende da instabilidade para prosperar. O oportunista pode aprender a prosperar no caos. Lira decerto avalia conhecer tipos como Jair. (Estima que não será enforcado.) Pensa saber com quem trata. Não serão tão diferentes. Não estaria lá de outra forma. Entendeu o clima, percebeu uma brecha para ascender — e foi. Encheu a carteira de ações do bolsonarismo. Apostou corretamente. Está, desde 2020, vestido de Bolsonaro — vestido de si mesmo. Business.

Qual a surpresa agora?

É sócio, ora. Muito mais importante para as chances de vitória do capitão do que as redes de desinformação de Carlos.

Lira é sócio. Sua causa não é o esfacelamento institucional da República. Mas a ocupação dos espaços que essa corrosão abre. Está bom para ele. O maior entre os regentes do orçamento secreto. Poder que acumulou em função de o presidente investir contra a estabilidade republicana. Foi fiador. Agora se banca. É a banca. Poder que acumulou investindo contra os meios de ação das minorias legislativas. Poder que acumulou até ter a força de aterrar o regimento interno da Câmara. Poder que usou para tratorar a Constituição, aprovar uma emenda que corrompe a lei eleitoral e fabricar um estado de emergência bilionário destinado a reeleger não simplesmente Bolsonaro, mas a sociedade por meio da qual tem nas mãos o arco, a flecha e o alvo do orçamento público.

Esse complexo de controle pode ser exemplificado via Codevasf.

O governo Bolsonaro, que acabaria com a mamata, entregou a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco — com a porteira fechada — à gestão do consórcio parlamentar comandado por Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto. Foi em 2020; o ano em que o presidente antiestablishment, havia 30 anos vivendo do Estado, decidiu que o Congresso não comporia mais o sistema que o impedia de governar. Foi um sucesso.

A Codevasf é uma nação. Na origem, em 1974, alcançava pouco mais de 500 municípios, todos na área de influência do São Francisco. Mais adiante, incorporaria os abarcados pelo Parnaíba. Hoje, depois de chegar ao Amapá de Davi Alcolumbre, está em cerca 2.600 cidades. (Parruda também nas Minas de Pacheco, herdeiro de Alcolumbre.) Duas mil e seiscentas prefeituras — para dar endereçamento correto.

O governo Bolsonaro, que acabaria com a mamata, entregou este país aos cuidados dos sócios. Não à toa Ciro Nogueira aplaudia a convocação-ultimato para um novo 7 de Setembro e o ataque do presidente a ministros do Supremo. (Foi sob essa insalubridade republicana, afinal, que se tornou ministro e chefe do FNDE.) A Codevasf só cresceu. Cresceu também a empreiteira Construservice; que não tinha contrato com o governo federal até 2019, quando começou o governo que acabaria com a mamata. Para a Construservice, acabava a miséria.

A Construservice é só um exemplo. Tem muito deputado emendador de fachada para senador; muito usuário externo para esconder rochas no Maranhão; muita empresa para não entregar o contratado. São muitas as Construservices Brasil adentro. O Maranhão, foco da mais recente operação da PF, apenas um entre os estados em que a Codevasf mostra o desenvolvimento de seu vale. A Codevasf, somente uma das companhias estatais por meio das quais bezerras pastam asfalto.

Não é novidade que governantes entreguem autarquias para os cuidados patrimonialistas de políticos associados. Tampouco foi invenção de Bolsonaro que empresários próximos a políticos lavem a égua nos municípios. Os crescimentos de Codevasf e Construservice, porém, são absolutamente casados ao crescimento do orçamento secreto, a expressão máxima do pacto societário firmado entre o Planalto e o lirismo parlamentar.

O estado da arte, ciclo econômico autocrático perfeito. Domina-se a origem e o destino. A corda e a caçamba. Distribuição de porteira aberta. Recepção de porteira fechada. Está muito bom. Vestir camisa é pouco. Tatue-se.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado Sr jornalista se não fosse por vcs. Nada saberíamos sobre as coisas que acontecem quando a boiada dorme.

Anônimo disse...

Como cantava o grande patriota general Heleno: Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão... Hoje, Heleno é cúmplice de tudo. Bolsonaro, Heleno, Braga Netto, Arthur Lira, Ciro Nogueira não são apenas milicianos, são chefes de quadrilha!