Editoriais
Missão cumprida
Folha de S. Paulo
Ao mandar "fuzilar a petralhada",
Bolsonaro estimula a violência política e colhe o que plantou
Definindo-se em redes sociais como
conservador e cristão e exibindo foto ao lado do deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), o policial penal Jorge José da
Rocha Guaranho matou na noite de sábado (9), em Foz do Iguaçu,
o militante petista Marcelo de Arruda.
A vítima, que atuava como guarda municipal,
comemorava seu aniversário de 50 anos em festa temática do PT, do qual era
tesoureiro. Antes de morrer, Arruda feriu seu agressor. Segundo relatos à
polícia, Guaranho havia passado antes de carro pelo local da festa gritando
"Aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão".
O chocante
assassinato de um petista por um ferrenho bolsonarista cumpre,
em certo sentido, missão dada diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro (PL),
que já incentivou seus simpatizantes a "fuzilar
a petralhada". Foi exatamente isso o que aconteceu no sábado.
O presidente sequer disfarçou a hipocrisia
ao comentar a morte de Arruda. Depois de escrever em rede social que dispensa o
apoio de quem pratica violência contra opositores, emendou: "A esse tipo
de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula
um histórico inegável de episódios violentos".
Bolsonaro qualificou o assassinato como "uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu" e disse que "ninguém fala que o Adélio é filiado ao PSOL", como se os dois episódios fossem equivalentes.
Adélio Bispo, autor da
facada no presidente na campanha de 2018, de fato foi filiado ao
partido de esquerda. Todavia, segundo as investigações, foi considerado
inimputável por sofrer de uma doença mental e concebeu, planejou e executou
sozinho o atentado.
Desde que assumiu, Bolsonaro abusa de
linguajar vulgar e violento e acumula episódios de desprezo incivilizado contra
adversários políticos, além de escárnio em relação aos demais brasileiros. Seu
infame "E daí?", ao comentar as primeiras milhares de mortes na
pandemia, revela o que passa, sem filtros, pela cabeça do mandatário.
Partidário de armar a população e se
exibindo frequentemente atirando ou fazendo o gesto da "arminha" com
as mãos, Bolsonaro estimula o comportamento violento, sobretudo de seus simpatizantes.
Caberá agora às autoridades investigar as
motivações do crime e, daqui para frente, tomar precauções no entorno dos
principais candidatos à Presidência. Além do assassinato de Arruda, eventos
recentes e perturbadores sugerem um período perigoso à frente.
No mesmo sábado da tragédia, o
ex-presidente Lula fizera elogios a militante do PT que quase matou um opositor
político durante agressão em 2018. Mais do que nunca, será preciso cuidado
extremo com as palavras nessa campanha.
Novo mundo
Folha de S. Paulo
Colapso de moedas digitais não deve
interromper onda de inovações tecnológicas e comerciais na área
Uma das vítimas mais notórias da alta dos
juros internacionais são as moedas digitais, cujo valor de mercado colapsou. Do
recorde de US$ 2 trilhões atingidos no final do ano passado, cerca de 10 mil
moedas criadas em poucos anos caíram 50% em termos agregados, retornando ao
valor do início de 2018.
Como em toda inovação tecnológica, há a euforia que atrai novos entrantes e
capital. Segue-se a fase de decepção, que seca o dinheiro novo por algum tempo,
propicia uma bem-vinda filtragem e abre espaço para que os sobreviventes
capturem os lucros da inovação.
Foi assim nas etapas da revolução
industrial e, na virada do milênio, com a popularização
da internet. Dos escombros emergiram empresas como Google, Amazon e
Facebook, com valor de mercado de centenas de bilhões de dólares.
É provável que a derrocada atual leve ao
florescimento dos vitoriosos no mundo das moedas digitais, cuja proposta mais
abrangente é a de reduzir o poder de intermediários e abrir espaço para maior
inovação, barateamento e democratização das finanças e de transações em geral.
A tecnologia de fundo, baseada em registros
descentralizados para validação de transações, sugere uma evolução da própria
internet, que se transformaria numa plataforma em que o controle de dados e
atributos pessoais estaria sob poder dos usuários.
A chamada tokenização (a transformação de
ativos indivisíveis), no contexto da validação descentralizada das transações,
abriria espaço para novos modelos de negócio.
Na prática, o estágio evolucionário ainda
não permite discernir como se dará a realização de tamanha ambição. Não é
claro, para começar, que as moedas digitais consigam prover melhor alguns
atributos essenciais de um sistema
monetário, como segurança, estabilidade, eficiência, baixo custo e
inclusão.
É arriscado apostar no mundo digital
descentralizado e fragmentado como reserva de valor; e as transações ainda são
ineficientes, caras e sem regulação que garanta segurança para o público amplo.
Além disso, os governos não abrirão mão de
suas prerrogativas de emissores e garantidores, como demonstra o esforço dos
principais bancos centrais do mundo em criar moedas digitais oficiais.
Trata-se, contudo, de um mundo monetário
novo e fascinante, cujo potencial de inovação não será desacreditado pelo
estresse atual.
Barbárie é ativo político de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Em vez de pedir paz e tolerância, presidente aproveitou crime de Foz do Iguaçu para escalar a provocação com a esquerda. É o vale-tudo do bolsonarismo para manter o País sob tensão
Aos gritos de “aqui é Bolsonaro!”, um
agente penitenciário federal bolsonarista invadiu, na noite de sábado, a festa
de aniversário de Marcelo Arruda, um guarda municipal filiado ao PT e que
concorreu a vice-prefeito de Foz do Iguaçu em 2020, e matou o aniversariante a
tiros. Diante do ataque criminoso realizado pelo apoiador do bolsonarismo, o
presidente Jair Bolsonaro tinha o dever cívico de solidarizar-se com a família
da vítima e, muito especialmente, de condenar e desautorizar toda e qualquer
forma de violência contra opositores políticos.
No entanto, Jair Bolsonaro não fez nada
disso. Em vez de promover a paz e defender a liberdade política de todos os
cidadãos, como cabe a um presidente da República, preferiu aproveitar o
episódio para escalar a provocação contra seus opositores políticos. No
Twitter, em vez de condenar veementemente a violência praticada por seu
apoiador, Bolsonaro acusou a esquerda de acumular “um histórico inegável de
episódios violentos”.
Eis a degradação moral do bolsonarismo. O presidente
da República vale-se até mesmo da repercussão causada pelo assassinato de um
opositor político para promover sua política eleitoral, num macabro vale-tudo.
Não manifestou consternação. Não expressou nenhuma solidariedade com os
familiares da vítima. Para Jair Bolsonaro, o crime cometido em Foz do Iguaçu
por seu apoiador declarado serviu de ocasião para lembrar que a esquerda é o
lado “que dá facada, que cospe, que destrói patrimônio, que solta rojão em
cinegrafista, que protege terroristas internacionais, que desumaniza pessoas
com rótulos e pede fogo nelas, que invade fazendas e mata animais, que empurra
um senhor num caminhão em movimento”.
Ninguém nega que pessoas e grupos de
esquerda já recorreram à violência, violando leis e desrespeitando direitos
humanos. O ponto é outro. Jair Bolsonaro não dedicou um segundo do seu tempo em
distensionar o ambiente, em reconhecer a humanidade de seus opositores
políticos, em promover um ambiente eleitoral de paz e de respeito mútuo. E isso
é inaceitável. É desumano. É barbárie.
Jair Bolsonaro nega ao outro lado o
respeito que seus opositores políticos, todos eles, manifestaram quando foi
esfaqueado em setembro de 2018. Nenhum candidato tripudiou sobre a violência
sofrida pelo então candidato do PSL. Nenhuma liderança política aproveitou a
ocasião para alavancar a candidatura própria. Houve solidariedade. Nenhum
partido achou que devia relativizar a gravidade do ataque “lembrando” as
atitudes violentas de Jair Bolsonaro ao longo de sua carreira política.
A reação de Jair Bolsonaro deve colocar o
País em alerta. Há um presidente da República incapaz de compreender que toda
violência é inaceitável. Há um presidente da República que não tem a hombridade
de reconhecer um crime de um seu correligionário. Há um presidente da República
que enxerga em tudo, até mesmo no assassinato de uma pessoa, uma ocasião
adicional para escarnecer seus opositores políticos.
O crime de Foz do Iguaçu chocou o País. Foi
a materialização explícita de que a retórica da violência bolsonarista produz
consequências reais. Não é humano nem é do jogo democrático fazer política
prontificando-se a “fuzilar a petralhada”, como fez Jair Bolsonaro na campanha
de 2018. Agora, o presidente alegou que “frases descontextualizadas” não
incentivam a violência. Ora, os fatos mostram o exato contrário. Seu discurso
explícito de violência não são meras “frases descontextualizadas”. Ao longo de
décadas, Jair Bolsonaro vem fazendo uma reiterada defesa do desrespeito
agressivo a opositores políticos.
A omissão de Bolsonaro não foi casual. Está
perfeitamente alinhada a seu objetivo de manter o País sob uma artificial
tensão. Um ambiente de serenidade é prejudicial aos interesses políticos de
Jair Bolsonaro. Não por acaso, seus discursos sempre se orientam para o conflito,
para a raiva e para o ressentimento, campo onde o presidente se sente em casa,
e não para questões de governo e de interesse da sociedade – que, para
Bolsonaro, é terra estrangeira. Essa é a grande tragédia do bolsonarismo: para
triunfar politicamente, tenta despertar o pior de cada um.
Empresa treina, Estado educa
O Estado de S. Paulo
Setor privado pode treinar e multiplicar capital humano, como já tem feito, mas isso não pode servir de pretexto para que se elimine ou reduza a responsabilidade estatal sobre a educação
Grandes empresas estão investindo em
educação, e até criando faculdades e escolas técnicas, para contornar a
escassez de mão de obra necessária às suas atividades. Iniciativas desse tipo
têm sido desenvolvidas em vários setores. Grupos financeiros, da indústria e do
setor de saúde estão entre exemplos citados em reportagem recente do Estadão.
Levantamentos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) têm mostrado carência
de trabalhadores qualificados e – mais grave – também de pessoal qualificável,
isto é, em condições de ser treinado no ambiente empresarial. Muito importante
para as próprias companhias, para o mercado e para muitos jovens carentes de
oportunidades, esse tipo de iniciativa deve ser, normalmente, um complemento da
educação essencial oferecida a todos os brasileiros. Essencial, neste caso, é
aquela formação indispensável, em cada fase histórica, à preparação do
indivíduo para uma vida produtiva e decente. Essa formação é direito básico de
cada pessoa e, portanto, responsabilidade do poder público.
Além de ser direito individual, a educação
é componente necessário de qualquer política econômica de longo alcance,
voltada para o crescimento, para a modernização produtiva, para a criação de
oportunidades e para a melhora geral das condições de vida. Do ponto de vista
da produção, essa política inclui a formação e a transformação do capital
humano, cada vez mais importante no conjunto dos meios indispensáveis a todo
tipo de atividade.
Brasileiros muito jovens talvez nem
entendam essa linguagem. Afinal, o País em breve completará, no poder central,
quatro anos sem política econômica de longo prazo, sem metas de crescimento e
de modernização e, além disso, quatro anos de devastação da cultura, da
política educacional e até do Ministério da Educação. Em vez desses valores, o
Brasil teve pastores negociando com prefeitos a transferência de recursos
ministeriais, funcionários da área cultural promovendo a difusão de armas e o
deputado Daniel Silveira, orgulhoso de seu analfabetismo cívico, mimoseado com
a Medalha da Ordem do Mérito do Livro da Biblioteca Nacional. A honraria também
foi atribuída ao presidente Jair Bolsonaro, defensor de clubes de tiro em lugar
de bibliotecas.
O presidente Bolsonaro certamente agravou –
e muito – os problemas educacionais, mas o País já andava mal, nesse quesito,
antes de ser hasteada em Brasília a bandeira da ignorância, da anticultura e da
grosseria. Na última edição do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes, o Brasil ficou, mais uma vez, entre os últimos colocados. Jovens de
79 países participaram da prova. Os brasileiros ficaram em 57.º lugar em
leitura e interpretação de texto, em 66.º em ciências e em 70.º em matemática,
alcançando 413 pontos como nota média. A média obtida pelo conjunto dos
estudantes de países-membros da OCDE, a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, foi 487.
O analfabetismo continua assustador. Entre
2016 e 2017 a parcela de analfabetos com 15 anos ou mais diminuiu de 7,2% para
7%, permanecendo acima da meta (6,5%) fixada para 2015 pelo Plano Nacional de
Educação. Mas há estatísticas mais feias. Segundo o Indicador de Analfabetismo
Funcional divulgado em 2018, 29% dos brasileiros com idades entre 15 e 64 anos
tinham dificuldade para interpretar textos, cumprir tarefas descritas em
documentos simples e realizar operações matemáticas elementares.
Analfabetos funcionais sabem escrever seu
nome e identificar letras e números, mas são incapazes de assumir tarefas acima
dos níveis mais elementares de complexidade. Um país com esse quadro social
dificilmente conseguirá avanços significativos e duradouros na economia e nos
padrões de bem-estar. Cuidar dos níveis educacionais básico e fundamental é uma
óbvia prioridade nacional, há muitos anos, mas as políticas federais têm passado
longe dessa questão. Entidades privadas e organizações da sociedade civil podem
atuar no enfrentamento do problema. Não há, no entanto, como negar ou disfarçar
a responsabilidade pública nesse campo.
Inferno no Caribe
O Estado de S. Paulo
Um ano depois, as agruras que levaram os cubanos às ruas só se agravaram – e a truculência do regime também
Em julho de 2021, milhares de cubanos foram
às ruas protestar contra as dificuldades econômicas e a falta de liberdade. A
maior mobilização popular desde o início do regime, em 1959, foi pacífica e
espontânea, mas a reação do governo foi tudo menos isso. Valendo-se de um
aparato incrementado ao longo de décadas, ele asfixiou brutalmente a
dissidência. Um ano depois, enquanto a economia e os serviços públicos se
deterioraram, o governo ampliou a repressão. Aos descontentes, como diz o
título de um relatório da Human Rights Watch, resta A Prisão ou o Exílio.
Na pandemia, o governo apostou em vacinas
domésticas ineficazes, e o sistema de saúde, desprovido de medicamentos e
equipamentos, foi sobrecarregado. A economia ainda está 11% menor do que em
2018. Oficialmente a inflação em 2021 foi de 70%, mas a Economist Intelligence
Unit estima que bateu quase 300%.
Os registros de violações a direitos
humanos, incluindo intimidações a familiares, detenções arbitrárias, processos
viciados e tortura indicam uma concertação para obliterar novos protestos. Após
os apagões da internet – cujo acesso foi concedido só em 2018 –, diversas
organizações reportaram uma conectividade errática e restrições às redes
sociais. Os tribunais condenaram mais de 380 manifestantes e testemunhas,
incluindo diversos menores.
Críticos que não foram detidos foram
proibidos de deixar suas casas por dias ou semanas. Mais de mil pessoas foram
presas e centenas continuam detidas. Muitas ficaram incomunicáveis por semanas
ou meses. Diversos julgamentos foram realizados por cortes marciais. As
sentenças desproporcionais chegam a décadas de prisão por atos como insultar o presidente
ou a polícia, ou cantar “pátria ou vida” – uma referência irônica à divisa
castrista “pátria ou morte”.
O governo decretou dezenas de normas penais
tão draconianas quanto vagas, criminalizando conteúdos “ofensivos” que
“perturbem a ordem pública” ou “insultem” funcionários de alto escalão.
Milhares fugiram do país, num êxodo
possivelmente sem precedentes. Só nos EUA, por exemplo, foram detidos 118 mil
cubanos – um aumento dramático em relação aos 17 mil no mesmo período em 2021.
A incapacidade da comunidade internacional
de implementar mecanismos de pressão multilateral eficientes só agrava esses
horrores. Muitos governos latino-americanos, como México e Argentina, relutam
em criticar o regime.
A perspectiva tende a piorar se Lula da
Silva, um entusiasmado simpatizante da ditadura cubana, confirmar seu
favoritismo e se eleger presidente do Brasil. Recorde-se que Lula relativizou
as manifestações de cubanos, dizendo que também nos Estados Unidos e em países
europeus há protestos – como se fossem a mesma coisa. Mas o cinismo não parou
por aí: o demiurgo de Garanhuns ainda festejou o fato de que “graças a Deus
existe a possibilidade de haver manifestação” em Cuba – uma mentira evidente,
fartamente documentada pela Human Rights Watch.
Em democracias, protestos em massa
pressionam os governos a buscar mudanças ou enfrentar a queda. Nas ditaduras
eles servem de pretexto para ossificar o regime e galvanizar a repressão. O
Partido Comunista cubano seguiu esse roteiro à risca.
É urgente deter escalada de violência na
arena política
O Globo
Ódio e intolerância na campanha tendem a
crescer após assassinato de petista em Foz do Iguaçu
É intolerável — embora fosse previsível —
que a escalada de violência, ódio e intolerância na campanha política tenha
resultado em morte. Era só questão de tempo. No sábado, o guarda municipal e
tesoureiro petista Marcelo Aloizio de Arruda foi assassinado em Foz do Iguaçu
(PR), durante a festa de seus 50 anos, cujo tema era a campanha do
pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Os tiros foram
disparados pelo policial penal federal Jorge Guaranho, simpatizante do
presidente Jair Bolsonaro. “Aqui é Bolsonaro!”, gritou Guaranho, segundo
relatos. Mesmo caído, antes de morrer o petista disparou contra ele, que
continuava ontem em estado grave.
O episódio lamentável acontece na sequência
de outros que, embora não letais, precisam ser condenados com a mesma
veemência. Num comício de Lula no Centro do Rio, um artefato com fezes explodiu
perto da multidão. A polícia agiu rápido e autuou em flagrante o responsável.
Caso parecido aconteceu no mês passado em Uberlândia (MG). Apoiadores de Lula
que aguardavam um comício foram atingidos por fezes lançadas de um drone.
O assassinato do petista, sob investigação
da polícia do Paraná, foi repudiado pela classe política. Chamou a atenção a
reação tíbia do presidente Jair Bolsonaro, ele próprio atingido gravemente por
uma facada na campanha de 2018. Bolsonaro republicou uma mensagem afirmando que
dispensa “apoio de quem pratica violência contra opositores”. Ontem citou o
caso como “uma briga entre duas pessoas” e criticou quem se refere ao autor dos
disparos como “bolsonarista”.
Bolsonaro deveria lembrar as vezes em que
ele próprio insuflou a intolerância. Depois da invasão do Capitólio nos Estados
Unidos, disse que poderia haver no Brasil baderna pior caso fosse derrotado. Na
semana passada, em solenidade no interior de São Paulo, repetiu seu discurso
beligerante e cobrou dos militares que se preparem para “agressões internas”. O
bolsonarismo também não economiza esforços para facilitar o acesso a armas e
munição, num incentivo tácito ao conflito. Horas antes do assassinato em Foz do
Iguaçu, seu filho Eduardo Bolsonaro declarou num ato pró-armas: “A esquerdalha
nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu
quero estar armado”.
O próprio Lula, que enlutado condenou o
assassinato, nem sempre se pauta por discurso que promova a tolerância. No
sábado, teve o desplante de agradecer ao ex-vereador petista Manoel Eduardo
Marinho, preso durante sete meses sob a acusação de tentativa de homicídio,
pela agressão, em 2018, ao empresário Carlos Alberto Bettoni, que se
manifestava contra o PT. Trata-se de comportamento inaceitável para qualquer um
que aspire ao mais alto cargo da República.
Não adianta a classe política condenar o
assassinato e depois insuflar o ódio em comícios ou nas redes sociais. A
campanha política polarizada entre Lula e Bolsonaro é um terreno propício para
a explosão dos ânimos. Com o episódio de Foz do Iguaçu, certamente a
temperatura subirá mais. É óbvio que cabe à polícia agir nos casos em que a
contenda ultrapassa as cordas do ringue. Mais que isso, é preciso que o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os políticos atuem de forma conjunta e
responsável para apaziguar o clima e deter o descalabro. O pior cenário
eleitoral é transformar uma disputa política acirrada num bangue-bangue.
É preciso desarmar a bomba previdenciária
dos municípios
O Globo
Prazo para criar fundo complementar já
expirou duas vezes, mas a adesão das prefeituras continua baixa
A reforma da Previdência promulgada em 2019
instituiu um sistema complementar de aposentadoria para servidores que recebem
mais que o teto do INSS, atualmente pouco acima de R$ 7.000. Para evitar
retirar do caixa dos municípios o valor além do teto, a lei previu que novos
funcionários passassem a contribuir para um fundo complementar. Passados mais
de dois anos, quase 1.900 dos 5.770 municípios ainda não cumpriram as regras,
como revelou reportagem do GLOBO. Apenas 272 já criaram o tal fundo. É um
completo descaso com a lei e as contas públicas.
É certo que a remuneração da maioria dos
servidores municipais fica abaixo do teto do INSS. Mas a elite do funcionalismo
tem tamanho nada desprezível, sobretudo nas grandes cidades: algo entre 350 mil
e 400 mil, segundo dados da Secretaria da Previdência. É urgente estancar essa
fonte de gastos. O déficit total dos municípios, impulsionado por servidores
beneficiados pelas regras antigas e generosas, alcança R$ 906 bilhões, quando
são trazidos a valor presente as despesas de um prazo de 75 anos.
Para desarmar essa bomba, o governo federal
precisa atuar em duas frentes. Primeiro, tem de ser firme e punir os municípios
atrasados na implementação do regime previdenciário complementar. Sem a ameaça
de vedação das transferências voluntárias de recursos da União, a complacência
tomará conta. Ao mesmo tempo, é preciso dar mais apoio para que os municípios
menores consigam atingir a meta. Dada a complexidade de criar um fundo,
sozinhas, muitas prefeituras não conseguirão avançar.
Assegurar o equilíbrio das aposentadorias e
pensões no futuro é prioritário. O Brasil já avançou nesse campo. Até 1993, os
servidores podiam se aposentar com proventos pagos pelo Erário, tendo ou não
efetuado contribuições. Um descalabro. De lá para cá, várias mudanças na lei
buscaram chegar ao equilíbrio das contas previdenciárias.
No caso dos municípios, falta cumprir o que
foi acertado na reforma de 2019. Ela deu dois anos para que as prefeituras
adotassem o regime complementar. O prazo expirou em novembro. Uma nova data foi
marcada para março. Era o limite para os prefeitos aprovarem, pelo menos, o
projeto da criação do regime. Cerca de 1.700 deram esse primeiro passo. Falta
criarem o fundo.
Em sinal de que está cedendo a pressões
políticas, o governo federal decidiu atenuar as penalidades para os atrasados.
Só restringiu as transferências de recursos a prefeituras que contratem novos
servidores com remuneração acima do teto do INSS. Ao fazer isso, criou mais um
incentivo para que as mudanças aconteçam num ritmo lento.
É preciso desarmar com urgência a bomba
previdenciária nos municípios. Ela transcende o interesse do funcionalismo. É
fator crítico para os investimentos futuros das prefeituras espalhadas por todo
o país.
Juros frustram expansão do mercado de
capitais
Valor Econômico
Há dúvidas se o mercado de capitais
continuará animado no segundo semestre
Dados divulgados na semana passada mostram
os danos que os juros altos fizeram no mercado de capitais. Depois do recorde
histórico de recursos captados em 2021, o fluxo de dinheiro para as empresas
minguou neste ano e teria sido pior não fosse o interesse dos investidores
pelos títulos de renda fixa bastante salgados. A inflação elevada com reflexo
negativo nas vendas das empresas, a perspectiva de manutenção de juro nas
alturas e o risco de recessão global, em cenário tumultuado pelo conflito no
Leste Europeu, encarecem o custo do dinheiro.
Thank you for watching
No ano passado, o mercado de capitais
atingiu a marca recorde de R$ 596 bilhões levantados pelas empresas, volume 60%
superior ao registrado em 2020, de acordo com a Associação Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Desse total, R$ 128,1
bilhões foram captados com a venda de ações, metade dos quais com a aberturas
de capital das empresas (IPO, na sigla em inglês), nível também recorde.
Havia a expectativa de que os juros não
subiriam tanto e que a economia sairia bem da pandemia. No entanto, o cenário
foi mudando no fim do ano e a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro,
acelerou a inflação e os juros globalmente, e interrompeu a trajetória
positiva. No primeiro semestre deste ano, as empresas levantaram R$ 233 bilhões
no mercado de capitais, 12,1% a menos do que no mesmo período de 2021. Na renda
variável, as emissões despencaram 75,1% para perto de R$ 19 bilhões. Mais de
uma dezena de empresas que programavam abrir o capital desistiram.
A saída foi recorrer à renda fixa, mesmo
pagando juros mais altos. As emissões de títulos de renda fixa aumentaram 25%
para R$ 202 bilhões. O crescimento foi impulsionado pelas debêntures, que
somaram R$ 133,8 bilhões, com expansão de 35,3% em comparação com o primeiro
semestre e 2021. Os certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e
imobiliário (CRI) também cresceram, 53,9% e 13,4%, respectivamente, captando R$
16, bilhões e R$ 14,8 bilhões.
Pessoas físicas compraram mais debêntures
no primeiro semestre, adquirindo 28,9% do total ofertado. Os bancos
coordenadores das operações e outros intermediários ficaram com 32%, e os
fundos de investimento, com 31%. Ao todo, foram 225 emissões no primeiro
semestre, das quais 49 acima de R$ 1bilhão. As debêntures incentivadas,
voltadas para infraestrutura e com prazos mais longos, somaram R$ 19,6 bilhões,
em 47 ofertas.
O prazo médio das operações ficou em 6
anos, o menor em quatro anos. Em 2019 era de 6,4 anos, chegou a 6,9 em 2020,
voltou a 6,4 anos em 2021 e agora encolheu mais. A maior parte dos recursos
captados (36,7%) foi destinado a capital de giro. Parcela significativa de
23,6% para o refinanciamento de passivo, e 18,1% ao investimento em
infraestrutura.
O mercado de capitais espelhou a migração
dos investimentos no primeiro semestre, em resposta à elevação dos juros
básicos, para 13,25%, e à queda nominal de 5,99% do Ibovespa. As empresas
listadas na B3 perderam R$ 449 bilhões em valor de mercado no semestre e R$ 1,6
trilhão em 12 meses. Das 45 empresas que estrearam na Bolsa em 2021, apenas
nove estão no azul.
Os fundos de renda fixa registraram
captação líquida de R$ 88,8 bilhões. Já os de ações tiveram resgates de R$ 40,5
bilhões; e os multimercados, de R$ 61,8 bilhões. Houve forte interesse também
pelos títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda (IR) e pelos títulos do
Tesouro. No balanço geral, a captação dos fundos ficou positiva em apenas R$ 8
bilhões.
Além disso, houve a redução da poupança das
famílias, já detectada pelo Centro de Estudos de Mercados de Capitais da
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe) no primeiro trimestre,
levando em consideração a caderneta de poupança, fundos de investimentos,
ações, depósitos bancários, títulos públicos e privados e captações bancárias,
entre outros. Foi a primeira redução após sete trimestres de alta e pode estar
vinculada ao aumento do consumo das pessoas, causado pela reabertura da
economia, mas também à alta da inflação e redução da renda média.
Há dúvidas se o mercado de capitais continuará animado no segundo semestre, mesmo que concentrado nos títulos de renda fixa. Além de se esperar um impacto maior das restrições da política monetária na economia, em parte mitigadas pelas injeções de recursos que o governo está promovendo com os benefícios sociais, e da esperada aceleração da elevação dos juros no mercado externo, há a preocupação com o clima eleitoral, que deve acentuar a preocupação com o risco
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