Valor Econômico
Para o senador José Serra, debate de ideias
não pode resultar em morte
O assassinato do guarda municipal e
tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR), na madrugada de
domingo, pelo policial penal Jorge Guaranho, apoiador do presidente Jair
Bolsonaro (PL), chocou o país, disparou o alarme para a escalada da violência
política e pautou o debate sobre o acirramento de ânimos, com consequências
trágicas, a menos de três meses das eleições.
O boletim de ocorrência da Polícia Civil do
Paraná registrou que Guaranho desceu do carro, armado, gritando: “Aqui é
Bolsonaro!” Em seu perfil nas redes sociais, o agente de segurança declara
apoio ao presidente e aparece em foto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Instado a se manifestar, Bolsonaro declarou que não compactua com a violência e responsabilizou a esquerda. “O histórico de violência não é do meu lado. É do lado de lá". Mas as redes sociais desenterraram um vídeo, da campanha de 2018, em que Bolsonaro empunhou o tripé de uma câmera, simulando um fuzil e incitou, sob aplausos: “Vamos fuzilar a petralhada”.
À coluna, o ex-governador de São Paulo e
hoje senador José Serra (PSDB), repudiou o assassinato do petista. “Sou um
democrata. É inadmissível, em uma democracia, que o confronto de ideias resulte
em violência e, pior ainda, em morte”, declarou o tucano, por meio de mensagem.
Serra sustenta que as diferenças devem ser
respeitadas e que esse “ato de incivilidade” deve ficar na exceção. “Uma
polarização feita de ódios, que incitam conflitos armados, está longe de ser a
alternativa que precisamos”, completou.
A coluna questionou o cacique tucano se nos
tempos em que a polarização nas eleições se instalava entre PT e PSDB, o nível
de radicalização era o mesmo, ao ponto de candidatos e autoridades serem
compelidos a reforçar esquemas de segurança.
Em 2010, quando Serra disputou a
Presidência da República com a petista Dilma Rousseff, um episódio que ficou
conhecido como o “caso da bolinha de papel” entrou para a história dos embates
eleitorais entre PT e PSDB.
Naquele ano, durante uma caminhada no Rio
de Janeiro, Serra foi atingido na cabeça. Deixou-se fotografar com uma bolsa de
gelo na testa e foi ao hospital fazer exames.
Mesmo com registro de câmeras de televisão,
e até laudos periciais, houve guerra de versões. Petistas alegaram que o tucano
foi alvejado por uma bolinha de papel. Aliados que estavam no entorno de Serra
afirmaram que ele foi atingido por outro artefato, algo como um rolo de fita
adesiva.
Dilma lamentou o ocorrido e exortou que a
militância se pautasse “pelo princípio da fraternidade e da solidariedade”. No
dia seguinte, um balão cheio d’água atingiu o carro da petista, em um ato no
Paraná.
Confrontado com o episódio de 2010 e o
índice de radicalização dos dias atuais, Serra argumenta que, nos tempos da
polarização entre PSDB e PT, “havia, sim, alguns excessos”. Mas adverte: “Não
nesse nível, porque o PSDB não tem um perfil ou histórico belicoso.”
Petistas têm declarado que a aliança de
Lula com o ex-governador e ex-tucano Geraldo Alckmin, hoje no PSB, só se
viabilizou porque o embate com o PSDB nas eleições passadas era travado em
patamar distinto da disputa com bolsonaristas. “Alckmin é um homem de caráter e
decente”, declarou Lula, recentemente.
“Qualquer tipo de agressão física ou moral
na disputa democrática é um crime, o livre manifestar das ideias é fundamental
para o povo escolher os melhores caminhos para o nosso futuro”, reforçou Serra.
Ele acrescentou ser contrário à proliferação de armas para os cidadãos civis.
“A garantia da segurança pública é dever do Estado”, enfatizou.
Um ingrediente da disputa na era do
bolsonarismo é a ampliação do acesso da população às armas de fogo, o que
imprime um ar de gravidade à disputa eleitoral.
Números obtidos pelo Instituto Sou da Paz,
e citados pela colunista Maria Cristina Fernandes em maio, estimam que 794 mil
armas estejam em mão de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores
(CACs). A título de comparação, há 583 mil armas com policiais militares e 172
mil com civis.
A história brasileira é pontuada por
tragédias na política nacional, envolvendo líderes e populares. Um fato
emblemático foi o assassinato do então governador da Paraíba [na época, o cargo
era presidente de Estado] João Pessoa, em outubro de 1930. Ele foi candidato a
vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, e segundo historiadores, sua morte
deu novo combustível para a Revolução de 30.
O atentado da Rua Tonelero contra Carlos
Lacerda, principal opositor do governo, em agosto de 1954, culminou no suicídio
de Getúlio.
Em tempos mais recentes, as eleições de
2018 foram pontuadas por atos de violência. Em 27 de março daquele ano, um
ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi alvo de
disparos no Paraná.
Em 6 de setembro, em Juiz de Fora, deu-se um
dos atentados mais graves na história recente, desde o assassinato de João
Pessoa e o suicídio de Getúlio: a facada contra o então candidato Jair
Bolsonaro. Analistas e líderes políticos avaliam que o crime foi um dos fatores
da vitória de Bolsonaro, porque gerou comoção e o afastou dos debates.
Mas a violência não cessaria naquela
agressão: no dia votação em primeiro turno, o mestre de capoeira Romualdo da
Costa, conhecido como Moa do Katendê, foi esfaqueado e morto em um bar, em
Salvador, após se declarar contrário a Bolsonaro, por um apoiador do candidato.
Nos últimos dias, a pré-campanha de Lula
sofreu uma sucessão de ataques. Um drone despejou sobre o público um líquido
fétido durante um ato em Uberlândia (MG).
Na quinta-feira, uma bomba caseira explodiu ao lado do palco montado na Cinelândia em ato com Lula. No mesmo dia, o carro do juiz Renato Borelli, que mandou prender o ex-ministro Milton Ribeiro, foi atacado com fezes de animais e ovos em Brasília. Está na hora de virar a página da história para substituir a violência por tolerância e paz na política.
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