Valor Econômico
Vice será conselheiro, árbitro e
articulador de Lula
O natural protagonismo do vice-presidente
eleito Geraldo Alckmin (PSB) na coordenação do gabinete de transição deverá se
estender ao governo Lula. Essa é a expectativa diante do papel central que o
ex-governador de São Paulo vem desempenhando, e é o que potenciais aliados da
futura gestão esperam dele.
Embora a aproximação de ambos seja recente
- remonta há pouco mais de um ano, pelas mãos do trio Fernando Haddad, Márcio
França e Gabriel Chalita - Alckmin e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva estabeleceram uma relação de confiança comparável à dos amigos de longa
data.
Por isso, interlocutores e aliados do “doutor Geraldo” - como é chamado em um círculo restrito, em referência ao diploma de medicina - apostam que o vice-presidente ganhará projeção como conselheiro e árbitro de Lula nas decisões sensíveis e nos conflitos.
Em paralelo, se conseguir blindar-se do
inafastável fogo amigo dos petistas, Alckmin também deverá se destacar como
articulador político, papel que já vem exercendo com a PEC da Transição.
Num momento em que partidos de centro como
MDB, PSD e União Brasil dialogam sobre o ingresso na base aliada, e legendas do
Centrão como PL, Progressistas (PP) e Republicanos discutem o voto favorável à
emenda constitucional, Alckmin se projetou como interlocutor preferencial da
maioria dos dirigentes desse bloco partidário.
Vale lembrar que desde os tempos de PSDB,
quando despachava no Palácio dos Bandeirantes, caciques das principais legendas
do centro e do Centrão eram seus aliados de primeira hora. ACM Neto (secretário-geral
do União Brasil), Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil e presidente licenciado
do PP), e Marcos Pereira (presidente do Republicanos) marcharam ao lado dele na
disputa presidencial de 2018.
Desde já, o vice eleito executa missões
confiadas por Lula. Quando o mercado financeiro balançou na semana passada, o
presidente eleito escalou o líder petista Reginaldo Lopes para acalmar
investidores, e Geraldo Alckmin para dar entrevistas carregadas de recados e
compromissos sobre responsabilidade fiscal e projeto de país.
Ao observador mais atento não passou
despercebido que o ex-tucano, desde o anúncio da aliança com o PT, se pauta
pela discrição e pelo comedimento. Cada gesto é refletido, precedido de
conversas com Lula, com dona Lu Alckmin, e debatido com auxiliares próximos.
Nas palavras de alguns de seus auxiliares,
Alckmin é um político de qualidades raras como discrição, lealdade e o hábil
manejo do tempo. Na política, qualquer declaração precipitada, ou aceno tardio,
pode ceifar um bom acordo.
No ano passado, quem não se recorda dos
meses a fio em que o então cacique tucano aqueceu em banho maria o noticiário
sobre sua iminente desfiliação do PSDB? Na ocasião, ele liderava as pesquisas
sobre a sucessão paulista, e tinha o passe cobiçado pelo PSD para concorrer ao
governo estadual. Nos bastidores, entretanto, ele já refletia sobre a grande
guinada em sua biografia, até então marcada pela oposição ao PT.
A saída do PSDB, o ingresso no PSB e a
aliança com Lula foi uma decisão refletida e amadurecida durante meses. Um
interlocutor que o acompanha há muitos anos diz que Alckmin tem o tempo como um
aliado político. E espera canalizar esse ativo para as missões que o governo
Lula apresentar a ele.
Nas palavras desse auxiliar, uma passagem
da história que melhor define o líder paulista é um capítulo da adolescência de
Getúlio Vargas.
No verão de 1896, quando o caudilho tinha
apenas 14 anos, ele acidentalmente levou ao chão o solene retrato a óleo do
presidente do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos (cargo equivalente ao de
governador no século XIX), líder máximo do Partido Republicano gaúcho,
estilhaçando a moldura e amassando a tela. Um crime inafiançável na percepção
de seu pai, o general Manuel do Nascimento Vargas.
Para escapar da fúria paterna, e das
iminentes palmadas estrondosas, Getúlio correu para fora de casa, galgou
troncos e galhos em segundos, e refugiou-se na copa do imponente umbuzeiro, que
o pai usava como palco de importantes reuniões políticas.
Segundo o biógrafo Lira Neto, Getúlio
permaneceu quase 24 horas suspenso a seis metros do chão, oculto entre a
folhagem da árvore. À noite, passando frio e medo do escuro, o companheiro de
travessura, Gonzaga, pediu que descessem, mas o futuro político argumentou que
era necessário aguardar mais algumas horas.
Apenas na manhã seguinte, quando o sol já
estava alto, e viu a mãe surgir na varanda com os olhos marejados e ar aflito,
Getúlio desceu e correu em sua direção. O alívio materno ao receber o filho em
segurança transformou a ira paterna em compreensão e perdão, e não houve surra
nem castigo.
Lira Neto relata que décadas depois, em uma
das crises enfrentadas na presidência, Getúlio daria o depoimento de que
extraiu um ensinamento daquele episódio: “quando a circunstância não se mostrar
garantida, o melhor a fazer é esperar, resistir, e transformar o tempo em
aliado”. Em síntese: “jamais descer do umbuzeiro antes da hora”.
Ao contrário de rumores que circularam
durante meses, Alckmin não assumirá nenhum ministério. Em paralelo às
atribuições de conselheiro, árbitro e articulador político, a expectativa é que
o “doutor Geraldo” administrará uma vice-presidência de relevo institucional e
muitas atribuições.
Alckmin pretende conduzir com empenho e
dedicação o Conselho Nacional da Amazônia Legal, órgão que foi criado pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, mas era vinculado ao Ministério
do Meio Ambiente. Um decreto do presidente Jair Bolsonaro remanejou o órgão
para a estrutura da vice-presidência, onde ele deverá permanecer.
Em paralelo, Alckmin presidirá as comissões
bilaterais de concertação de Alto Nível com China, Rússia e Nigéria, em
conjunto com seus homólogos. Os colegiados são as principais instâncias de
coordenação da relação bilateral entre esses três países.
Um comentário:
Análise correta, precisa, oportuna e pertinente.
Já não era sem tempo!
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