Mas nem o mais crítico analista à ideia do
brasileiro cordial encontra facilidade para compreender o ódio e a selvageria
contra a democracia e o patrimônio público daqueles que quebraram as vidraças
das sedes das instituições que encarnam a República, esfaquearam um Di
Cavalcanti, quebraram um relógio francês raríssimo do Século XVIII, pertencente
a Dom João VI, derrubaram torres de transmissão de energia, planejaram uma
criminosa explosão no Aeroporto de Brasília, queimaram carros e agrediram
policiais.
As instituições, a sociedade civil
organizada e a opinião pública reagiram com firmeza. Mostra disso é a última
DATAFOLHA que demonstrou o repúdio ao atentado golpista por 93% dos
brasileiros. Os aspectos políticos e jurídicos já foram exaustivamente
debatidos. Alguns cuidados são necessários. As lideranças políticas das mais
diversas correntes ideológicas precisam recuperar os espaços de debate
democrático, diálogo, construção de consensos e soluções, sinalizando para cada
cidadão que a democracia é o melhor caminho para o equacionamento de nossos
problemas. O Poder Judiciário, que teve que tomar medidas extremas dada a
gravidade excepcional do momento, precisa retomar a normalidade, agir
estritamente dentro do que prevê a Constituição e as Leis, evitando o polêmico
ativismo judicial e suas exegeses largas sobre os marcos constitucionais e
legais. As Forças Armadas e policiais, à parte a correção dos erros que vierem
a ser apurados, não devem ser vilanizadas e estigmatizadas, jogando fora todos
os avanços obtidos a partir da redemocratização, principalmente após a criação
do Ministério da Defesa sob liderança civil.
Mas o que incomoda muito e precisa ter o
debate aprofundado é a dimensão sociológica, comportamental, psicológica, da
horda que produziu o espetáculo de horror do dia 08 de janeiro de 2023,
destruindo o Palácio do Planalto e as sedes do Congresso Nacional e do STF,
data que ficará tristemente gravada na história como o maior ataque à democracia
brasileira desde a vitória de Tancredo Neves no colégio eleitoral, que pôs fim
ao regime autoritário e inaugurou a redemocratização.
Por um lado, como não detectamos o “ovo da
serpente” que plantamos a partir de 2013, que esgarçou as relações entre
sociedade e sistema político, dando margem para o surgimento de um movimento
insanamente radicalizado, violento, irracional, movido à base da cultura do
ódio e de fakenews? Por outro lado, do ponto de vista do comportamento
individual fica a dúvida: qual os motivos, os elementos, que levaram jovens,
idosos, ex-militares, parcela da classe média, empresários, a enfrentar chuva e
calor na porta dos quartéis e ao final promover uma burlesca e violenta
tentativa de golpe. Qual desfecho esperavam? As Forças Armadas já tinham
sinalizado que não iriam intervir. O que acrescenta quebrar patrimônio público
e agredir fisicamente as instituições? Eram profissionais da violência ou
amadores trapalhões? Ao ver as cenas terríveis lembrei de “Escuta, Zé Ninguém!”
de Wilheim Reich. Depois de quebrarem tudo ficaram se perguntando: E agora? O
que fazer? Como se toma o poder? Como um cachorro de rua que em abalada carreira
persegue o carro e não sabe o que fazer quando ele para. Movimento golpista
organizado ou um bando de malucos fanatizados? O vácuo de liderança ficou
evidente. Não havia tática, estratégia, objetivos e comando claros. Creio que
os verdadeiros culpados são os que deveriam ter chamado a liderança da
extrema-direita para si e canalizar suas energias para a disputa democrática.
Aos que se filiam às estas crenças e se
identificam com suas lideranças – e tenho conhecidos próximos entre eles – conclamo
a se filiarem ao PL, disputarem as eleições municipais de 2024, fazerem
oposição legítima nas ruas e no Congresso, como nós fizemos na anistia, nas
diretas-já, no impeachment de Collor, no movimento estudantil. Podemos quebrar
todos os palácios do mundo sem acrescentar uma vírgula no desenvolvimento
social, político e econômico do Brasil. A violência não se revelou uma boa
parteira da História. Melhor apostar na liberdade, na democracia e em reformas
progressivas.
5 comentários:
Até colunista de direita parece estar escrevendo sensatamente hoje... Será que perdi minha capacidade crítica?
Direita?🤣🤣🤣 Vc não conhece minha história pessoal.
Realmente não conheço, opinei com base apenas nos textos publicados no blog e na filiação ao PSDB. Reavaliarei nos próximos textos. Centro-direita ficaria melhor?
Marcus Pestana.
O PSDB já teve bastante gente de centro-esquerda, já votei em Mário Covas e até FHC. Hoje, boa parte do PSDB é bolsonarista... Este pessoal se acha de CENTRO?
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