Financial Times / Valor Econômico
Opositores dizem que reformas vão
despedaçar proteções contra arbitrariedades do governo
A política israelense está em crise. Um
grande número de pessoas tem participado de manifestações nas ruas contra as
“reformas judiciais” da coalizão de direita, intensamente criticadas. O
presidente de Israel, Isaac Herzog, até chegou a declarar que “não estamos mais
em um debate político, mas à beira do colapso constitucional e social”. O
programa deste governo é de óbvia importância para o futuro do país. Mas também
tem um significado mais amplo. Isso se deve em parte ao papel de Israel na
região. E ainda ao fato de que o que acontece levanta questões sobre como uma
democracia pode se transformar em uma autocracia por meio do domínio de uma
maioria que não está submetida a nenhum controle.
Larry Diamond, da Universidade Stanford, argumenta que a democracia liberal tem quatro elementos necessários individualmente e suficientes coletivamente: eleições livres e justas; participação ativa dos cidadãos na vida cívica; proteção dos direitos civis e humanos de todos os cidadãos; e um Estado de direito que rege e protege todos os cidadãos, até os mais poderosos. Aqueles que vencem eleições não têm o direito de pôr em perigo nenhum desses elementos essenciais da democracia liberal. Se eles procuram criar tal Estado, estão subvertendo a democracia. A democracia, então, é um sistema de governo da maioria, limitado por controles e equilíbrios institucionais. Dessas restrições, nenhuma é mais importante do que o Estado de direito.
É por isso que a União Europeia tem tanta
dificuldade com as “democracias iliberais” da Hungria e da Polônia. É por isso
também que as “reformas” jurídicas propostas pelo governo israelense são tão
controversas. Para os opositores, as reformas vão despedaçar as proteções
contra ações arbitrárias do governo e, assim, colocar em risco as liberdades
individuais e a previsibilidade jurídica em um país que depende de investimentos
estrangeiros e de uma economia de mercado dinâmica.
Não é preciso dizer que não é assim que o
governo vê suas reformas. Ele acredita que a Suprema Corte minou sua capacidade
de governar ao examinar até mesmo a “razoabilidade” de suas ações. Isto também
coloca os assessores jurídicos do governo em uma posição questionavelmente
poderosa no desenvolvimento de políticas. Para completar, o tribunal abriu as
portas para uma enxurrada de litígios ao reconhecer o direito de qualquer um a
processar o governo e, deste modo, paralisar atividades econômicas necessárias.
Em resumo, a Suprema Corte se excedeu para muito além da conta, o que ameaça a
prosperidade e a democracia.
Isto é o que aprendi em conversas com um
alto integrante do governo. Para saber se faz sentido, falei com Netta
Barak-Corren, professora de Direito Constitucional da Universidade Hebraica de
Jerusalém. Barak-Corren concorda que a Suprema Corte de fato reduziu as
exigências para entrar com processo contra o governo. A Corte também reverteu
decisões dele, não com frequência, mas de forma consequente. Isso cria
consequências para o papel dos assessores jurídicos governamentais, o que afeta
a capacidade do governo de funcionar.
Ela explicou, porém, que esse ativismo foi
em grande parte uma resposta à inadequação da estrutura democrática, que se
resume a apenas um Parlamento unicameral, em que a maioria simples é suficiente
para aprovar qualquer lei, até mesmo uma que tenha relevância constitucional.
Essa estrutura teria o potencial de dar poderes desmedidos a uma maioria, sem
paralelo em outras democracias. Até o momento, esses poderes têm sido limitados
mais pela cultura política e pelas circunstâncias do que pela lei.
O argumento-chave de Barak-Corren, no
entanto, é que as propostas da coalizão – ou seja, politizar as nomeações para
o Judiciário, inclusive para tribunais de instâncias inferiores, e tornar
extremamente difícil para a Suprema Corte reverter ações do governo, ao mesmo
tempo em que possibilita que o Knesset derrube suas sentenças – não são
necessárias nem suficientes para corrigir os problemas na estrutura da
democracia israelense e no comportamento do Judiciário. Esse relato me convence
de que as reformas são principalmente uma tentativa de ganhar mais poder. Elas
permitiriam que o Executivo operasse com pouca necessidade de prestar contas à
Suprema Corte e enchesse o Judiciário com seus partidários (possivelmente
incompetentes), mesmo em áreas que têm pouco a ver com políticas.
Essas mudanças também têm implicações
econômicas que podem ser importantes, mesmo para o bem-sucedido setor de alta
tecnologia, que tem contribuído de forma considerável para o crescimento da
economia israelense. Note-se que hoje o Produto Interno Bruto (PIB) real per
capita de Israel é quase o equivalente aos do Reino Unido ou da França.
O grande perigo econômico criado pela
democracia iliberal, que podemos observar em muitos outros países, é o de um
“capitalismo clientelista”. Nesses sistemas torna-se fácil demais para o
corrupto ter sucesso na política, no governo, no Judiciário e nos negócios.
Isso, por sua vez, desencoraja a participação de novos concorrentes honestos na
economia, porque são sempre eles os que mais dependem de um Judiciário e uma
burocracia independentes. Os que estão dentro do sistema têm o poder do seu
lado. Os que estão fora dependem do Estado de direito.
Não é preciso dizer que a chegada deste
novo governo criou muitas outras preocupações, em especial quanto ao futuro dos
territórios ocupados. A ideia de anexação da Cisjordânia, por exemplo, é
potencialmente letal para um Israel democrático, a menos que seja concedida
cidadania plena aos palestinos, o que transformaria Israel em um Estado
binacional. Mas na área mais restrita da reforma jurídica, a questão é se o
governo está preparado para limitar o que busca às mudanças que os
especialistas consideram necessárias para lidar com os problemas reais, ou se
está determinado a obter o controle político sobre o sistema judiciário e,
desse modo, abalar o Estado de direito.
Vale a pena notar neste contexto que a
história econômica de Israel demonstra que o sistema jurídico do qual o governo
reclama hoje tão amargamente não impediu seu sucesso no passado. Isso também
sugere que essas reformas dramáticas são desnecessárias em si mesmas e visam
outros objetivos além dos declarados. Benjamin Netanyahu deve pensar duas vezes
antes de causar danos irreparáveis.
2 comentários:
Que barafunda!
Bota barafundíssima nisso!
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