quinta-feira, 20 de julho de 2023

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Da reforma tributária à moeda digital: enigmas, quase charadas

Aí pela frente, o cidadão brasileiro vai se surpreender angustiado com novas  confusões, encrencas,  ideias e  falas escatológicas    dos nossos dirigentes políticos, bem como com os resultados  de novas leis, projetos de sentido ambíguos e casuísticos gerados no Executivo e sancionados com a conivência do Congresso Nacional  e a conveniente omissão do Judiciário. O Governo Brasileiro acaba de abrir seus portos para navios iranianos, país que está sob sanção no Ocidente, devido a teimosia em  fabricar uma bomba nuclear própria, uma ameaça aos pares no Oriente Médio. Para os analistas da política internacional, a atitude do Brasil poder ser interpretada como  uma provocação do Brasil ou  um desalinhamento explícito.

E assim vai. Na semana passada,  a  Câmara dos Deputados aprovou  a tão aguardada   Reforma Tributária ,   cuja alma é a instituição do novo  e  único  Imposto sobre Valores Agregados (IVA)  que surge engolindo  tributos federais , estaduais e municipais: IPI, PIS, Confins, ICMS e ISS.  Com ele, o governo Federal pretende  corrigir algumas distorções arrecadatórias, assumindo o seu controle por meio  do IVA, e é ele mesmo fazendo a  redistribuição dos valores entre as unidades federativas - 26 estados e 5.600 municípios - cujas alíquotas serão fixadas por um novo órgão oficial  - não mais via Fundo dos Estados e Municípios -  mas um  Conselho Federativo. Se governadores e prefeitos quiserem mais do que lhes forem destinados , restou, na reforma, um dispositivo que permite a esses entes governamentais regionais e locais criarem outros encargos junto às respectivas comunidades, aplicáveis sobre   produtos semi-elaborados,  commodities agrícolas,  minerais e até mesmo sobre o consumo.  Tudo isso constitui-se em enigmas, quase charadas... 

A reforma poupa  dos encolhimentos e supressões tributárias  aquele montante absurdo atribuído no Orçamento da União às emendas parlamentares,  cuja finalidade tem sido  subsidiar atividades executivas de  deputados e senadores nas regiões de origem.  Na prática, a liberação do dinheiro  pelo Executivo continua presa às barganhas políticas de interesse do Governo nas novas votações no Congresso . Provavelmente,  o teste deste apoio   negociado para o Orçamento de 2024,  será a votação da Reforma Tributária no Senado, sobre o que se propaga uma reação imaginária .

 Da mesma forma, foram poupados dos cortes - com o nome de  "exceções"  "desonerações,  e créditos presumidos algumas atividades econômicas, culturais, assistenciais, , esportivas e religiosas , a Cesta Básica, o Bolsa Família, além da educação, da saúde e da segurança pública. Também  as exportações e as grandes empresas de construção civil, cujos projetos tiverem apelo popular. As frentes sindicais que fiscalizam esses tipos de projeto para proteger os empregos,  estão reivindicando ainda , em seguida ao IVA, a redução da taxação regressiva do consumo na arrecadação da União, dos estados e dos municípios,  anunciando-as para  a próxima fase da reforma, que não vai esperar pelo fim da sua implantação em 2032. . 

Nessa segunda fase, pretende-se mexer, finalmente,  com as grandes fortunas, nos  lucros e dividendos  e com a progressividade da tabela do IR para - argumenta-se - proteger do "leão" os trabalhadores que ganham salários menores. Paralelamente, surge a ideia antiga do subsídio  público para dívidas privadas: "Desenrola Brasil" seria  o fim dos créditos rotativos dos cartões e um tipo de  perdão de dívidas populares que possa vir a  resultar  na compra, por pessoas físicas, de bens e serviços: "Mais geladeiras", por exemplo. Enfim é um projeto cheio de exceções, regimes especiais,  alíquotas zero,  variadas e confusas, que impactam  as grandes empresas até os pactos federativos e constitucionais.
 
O  IVA, na realidade são dois: CBS - Contribuição de Bens e Serviços que vai unificar o IPI, o PIS e o Confins, administrado a nível federal; e o IBS- Imposto  sobre bens e serviços que substituirá o ICMS dos estados e   os ISS dos municípios cobrados no consumo. Com o IVA, a multiplicidade de tributos desparece, mas os benefícios também.  O imposto dual  deverá corrigir velhas distorções causadas por arrecadações tributárias  cumulativas que penalizaram sempre  o consumidor . Eis mais  uma questão enigmática.  

MOEDAS DIGITAIS .

Se a ancoragem para os navios iranianos em portos brasileiros vai gerar um problema para o Brasil entre os países do Ocidente, e a Reforma Tributária apresenta uma complexidade de difícil configuração , imagine o problema que o governo está criando ao defender que as transações comerciais  e financeiras  com o exterior sejam  lastreadas não mais no dólar norte-americano ou no euro, mas  no "yuan" chinês ou por meio de uma moeda digital capitaneada pelo grupo dos países do Sul planetário, conhecido como  BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul -, inclusive  dentro do Mercocul, e da Celac (países da América Latina,Central e Caribe).  Será?! Pode-se confiar nesses pretensos  lastreadores do   modelo em estudo?  Por sua vez, internamente, o Banco Central do Brasil está para divulgar um projeto de substituição do nosso  $Real   analógico (moedas, cédulas)  por valores  correntes "toquenizados": um token é a representação digital e criptografada de um bem real, que pode ser tangível ou intangível. Outra perigosa aventura.

Tão  intrigante ainda  é essa discussão, dentro da Reforma Tributária,   envolvendo a  preservação da floresta amazônica. A ideia de um imposto verde atenuaria  a ideia dos desenvolvimentistas liberais de exploração de supostas grandes reservas de gás e petróleo na região, que poderiam  alforriar o Brasil de perversas dependências energéticas externas . Contudo, não se sabe ainda como matar a charada: dar ao bioma um valor intangível compartilhado mundialmente com  países e instituições preocupadas com as questões climáticas e com a importância da proteção da biodiversidade para o planeta, o que faz emergir  ameaças claras a soberania territorial na região. O Governo tergiversa na criação de um imposto verde, embora tenha a  pretensão de alargá-lo pelo mundo. Sonhadora, Marina Silva conduz a ideia dentro da discussão da Reforma Tributária.
  
É, ou será alto, o preço que o brasileiro  tenderá a pagar pela  falta de compromisso com  um projeto de Nação para o Brasil,  com metas concretas  a serem alcançadas, linhas conceituais e diretrizes operacionais compatíveis com  o entendimento de seus cidadãos. Essa prerrogativa democrática discursiva,  aberta às excentricidades dos governantes,  dando tiro para todo lado, seja na política, na economia ou sobre o meio ambiente,  a cada nova gestão no Estado,  assemelha-se a reabertura dos portões de um  parque de diversões  .  Confunde os  gestores profissionalizados (IPEA,FGV, INSPER) das políticas públicas,  interrompe projetos e programas  - milhares de obras paradas , desqualifica as  instituições, alimenta ineficiências e implode  as contas públicas, pondera o jornalista Vinicius Torres . 

* Jornalista e professor

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O colunista e seu nome difícil,rs.