sábado, 9 de setembro de 2023

Pablo Ortellado - Universidade vive crise de legitimidade

O Globo

Conservadores dizem que os professores fazem doutrinação de esquerda

Na última quarta-feira, um acordo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio engavetou o projeto de lei que propunha a extinção da Uerj, a tradicional Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa — que chegou a ser debatida na CCJ e, se aprovada, iria para votação no plenário — é o último episódio da campanha dos conservadores contra as universidades.

projeto que buscava a extinção da Uerj fazia duas alegações principais. Primeiro, que ela é onerosa para o orçamento público. Segunda, que tem um “nítido aparelhamento ideológico de viés socialista”.

Quatro anos antes, em 2019, uma CPI foi instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo para investigar questões administrativas envolvendo as três universidades estaduais: USP, Unesp e Unicamp. Embora o objeto da CPI fosse administrativo e financeiro, deputados estaduais não esconderam sua motivação política. Wellington Moura (Republicanos) declarou que queria “analisar como as questões ideológicas estão impactando no orçamento”, já que havia, segundo ele, “um predomínio da esquerda nas universidades”.

No mesmo ano de 2019, o ex-ministro da Educação de Bolsonaro Ricardo Vélez Rodríguez prometeu, em seu discurso de posse, combater “o marxismo cultural, hoje presente em instituições de educação superior”. Para os conservadores, as universidades estão tomadas por doutrinação de esquerda realizada com recursos públicos.

Esse entendimento não é exclusivamente brasileiro. O Centro de Pesquisa Pew, nos Estados Unidos, vem investigando nos últimos anos o descompasso entre simpatizantes dos partidos Republicano (direita) e Democrata (esquerda) a respeito de como veem a universidade. Enquanto 64% dos republicanos consideram que ela tem efeito negativo sobre o rumo dos Estados Unidos, apenas 22% dos democratas pensam assim. Até o começo dos anos 2010 a diferença entre os dois grupos era pequena, como mostra o gráfico abaixo. Em 2019, o Pew investigou as causas desse entendimento: 79% dos republicanos achavam que “os professores estão trazendo suas visões políticas para a sala de aula” — apenas 17% dos democratas concordavam.

Não temos pesquisa no Brasil medindo, entre petistas e bolsonaristas, a adesão à tese segundo a qual os professores fazem doutrinação de esquerda nas universidades, mas me surpreenderia se os números fossem muito diferentes dos Estados Unidos.

Em geral, a universidade tem tratado com desdém a preocupação dos conservadores, considerando a acusação de doutrinação marxista mera teoria da conspiração. É certo que a tese segundo a qual a esquerda se engajou num projeto articulado para expandir a hegemonia marxista por meio da universidade é ridícula. Na universidade em que leciono, a USP, não creio que existam mais do que 30 ou 40 marxistas entre os 5 mil professores.

É bem verdade, porém, que temos pouca pluralidade política nos cursos de ciências sociais e humanidades. Não existe o tal projeto de hegemonia marxista, mas existe muito pouco espaço para o conservadorismo e o liberalismo nas ciências humanas. O progressismo é amplamente dominante, e há baixa tolerância com quem tem posições políticas divergentes. É um problema grave.

Nos Estados Unidos, um movimento chamado Heterodox Academy propõe que a universidade se reforme. Poderíamos fazer o mesmo aqui. A inclusão do liberalismo e do conservadorismo democrático nas universidades brasileiras seria benéfica por uma série de motivos. Em primeiro lugar, a pluralidade faz bem para o ensino, pois apresenta aos estudantes um arco mais amplo de perspectivas. Além disso, no confronto com o diferente, as debilidades das ideias aparecem mais facilmente. A pluralidade educa melhor e produz ciência melhor. Ao incluir correntes de pensamento mais associadas à direita, atenuaríamos a disposição antiuniversitária dos cidadãos conservadores, que passariam a se ver na USP ou na Uerj, instituições que eles também financiam com seus impostos.

 

Um comentário:

Daniel disse...

Outro ministro de Bolsonaro, Abraham Weintraub, representou ainda melhor este radicalismo bolsonarista contra a Universidade pública, acusando as universidades, seus professores e dirigentes de manterem laboratórios produtores de drogas ilícitas. Prometeu provar suas acusações, mas nunca fez isto! Foi processado e condenado por suas mentiras! Mas como exercia a função de ministro de Estado, não teve que pagar o valor estipulado pela Justiça. O Estado brasileiro é que teve que pagar pelas MENTIRAS de seu ministro da Educação no DESgoverno Bolsonaro!!