quinta-feira, 13 de junho de 2024

Míriam Leitão - Tensão fiscal no meio do caminho

O Globo

O debate fiscal é polarizado e o economista Bráulio Borges aponta que existe caminho do meio no tema que ontem agitou mais uma vez a economia

O governo não sabe de onde virá o ajuste das suas contas. Essa convicção do mercado é uma das razões da alta do dólar, que ontem bateu em R$ 5,40, um salto no ano de 11,38%. Parte da tensão veio do sinal dado pelo FED de que os juros terão apenas um corte até o fim do ano, mas a parte brasileira da preocupação veio de uma declaração do presidente Lula de que o equilíbrio das contas públicas viria do aumento da arrecadação e da queda dos juros. Coube à ministra Simone Tebet avisar que os gastos obrigatórios do orçamento são insustentáveis. Como resolver?

Deve haver algo no meio entre a turma do “gasto é vida” e a turma do “melhor governo é nenhum governo”, diz o economista Bráulio Borges, da FGV Ibre, autor de um estudo recomendado pelo ministro Fernando Haddad. Ele propõe mudanças no gasto com educação e saúde. Não a desvinculação pura e simples, mas uma revinculação. Em vez de estarem ligadas à receita, serem reajustadas por um indicador per capita. O salário mínimo não deveria reajustar benefícios previdenciários em geral, mas isso não significa deixar esses benefícios sem correção.

Esse assunto assombra todos os governos. Despesas vinculadas crescem demais, e correções que parecem justas acabam elevando algumas despesas, como a previdenciária. Mexer com qualquer desses temas é pôr a mão em vespeiro. A área econômica do governo está nesse momento tentando encontrar algum caminho. Bráulio Borges acha que há algo entre os dois polos.

— Como tudo hoje em dia, o debate está muito polarizado. O Brasil precisa gerar um superávit primário para que a dívida pare de subir. Na experiência brasileira recente, o país teve o teto de gastos, de 2016 a 2022, que colocava todo o peso da consolidação fiscal no gasto público e negligenciava a receita. E tivemos ainda medidas eleitoreiras reduzindo receita em 2022 que desarranjaram as contas públicas. Com o novo governo, veio o arcabouço fiscal e a gente passa para a estratégia de só olhar a receita. E isso está gerando muita resistência do setor privado — disse o pesquisador.

Ele olhou as experiências de 80 países e concluiu que o ajuste que dá certo é o que não impacta o crescimento e que combina aumento de carga com redução de despesa. No caso do Brasil, os debates fiscais sempre voltam aos mínimos constitucionais de saúde e educação. Bráulio lembra que eles permitiram a estruturação do SUS e a universalização do ensino fundamental. Não é o caso de acabar com eles, mas de revê-los.

— Ao invés de vincular esses mínimos à receita, muito volátil, que haja um piso real per capita. No caso da saúde, valendo para toda a população brasileira, no caso da educação, pegando o público atendido por essas políticas, que são as crianças e jovens. Acho que pode ser mais inteligente, dar previsibilidade e conciliar com equilíbrio fiscal — explica.

Outro nó é o salário mínimo indexando aposentadorias, pensões, benefício de prestação continuada, abono salarial, seguro- desemprego e auxílio-doença. Quando sobe o salário mínimo, tudo mais cresce na mesma proporção.

— O salário mínimo serve para regular o mercado de trabalho, de pessoas que estão na ativa. É importante ter valorização. Mas colocar o salário mínimo corrigindo despesas previdenciárias e assistenciais cria um problema fiscal. O melhor seria uma reindexação dessas despesas de forma a manter o poder de compra. A ministra Simone Tebet chegou a falar em criar um indexador paralelo.

Borges contou que a despesa total com o funcionalismo tem caído em proporção ao PIB. Há 20 anos era 5% do PIB e agora está em 3,2%. No ano passado, houve um reajuste linear de 9% no salário dos servidores civis federais, mas o congelamento no governo Bolsonaro foi parte da queda da folha dos servidores como proporção ao PIB.

— É importante pensar numa reforma administrativa que melhore a produtividade do funcionalismo, dê mais incentivo de crescimento ao longo da carreira, mas no mercado financeiro a reforma é vista como uma panaceia que vai gerar um enorme ganho fiscal. Não vai. O que há é muita diferença entre a remuneração de servidores dos três poderes, com vantagens para o Judiciário e o Legislativo.

Não existe mágica, o governo terá que mexer em despesas. Mas o debate fiscal está precisando ficar menos polarizado. Não se pode esquecer que o teto caiu por excesso de extrateto num governo que se dizia liberal e que acabou fazendo populismo fiscal.

 

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