Derrota de Maduro depende de eleições justas
O Globo
Brasil e comunidade internacional precisam
estar atentos para as tentativas dele de sabotar o pleito
A foto de Nicolás Maduro aparece 13 vezes na cédula das eleições presidenciais de hoje na Venezuela. Em busca de seu terceiro mandato presidencial, o ditador, herdeiro político de Hugo Chávez, fez uma ameaça explícita: se perder, disse ele, haverá um “banho de sangue”. Mas, apesar de todas as intimidações, fraudes e viradas de mesa, a oposição tem chances concretas de vencer se a vontade popular for respeitada. Reunida em torno da candidatura do ex-diplomata Edmundo González depois que sua principal líder, María Corina Machado, foi impedida de concorrer, ela depende apenas de eleições livres e justas para tirar do poder o regime de legado mais funesto na América Latina nas últimas décadas.
Dona das maiores reservas de petróleo do
mundo, a Venezuela sofreu um declínio catastrófico desde a chegada de Maduro ao
poder em 2013. A economia produz menos de um terço do que produzia. A inflação
no primeiro ano de governo já era alta, 56%. Chegou a 130.000% em 2018. No ano
passado, foi de 189% — e ainda é uma das maiores preocupações. A pobreza
atingia 39% da população em 2014. Agora são 52%, segundo levantamento de
acadêmicos venezuelanos. A desigualdade disparou, e o percentual da população
de 3 a 24 anos que frequenta algum centro de ensino caiu de 73% para 66%.
As informações sobre criminalidade anunciadas
pelo governo são pouco confiáveis, mas, pelas estimativas do Observatório da
Violência, houve 26,8 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2023, acima
dos níveis de Brasil, México e Colômbia. No índice global de percepção de
corrupção da Transparência Internacional, a Venezuela está em penúltimo lugar,
empatada com Sudão do Sul e Síria, à frente apenas da Somália.
Na saúde, os dados também são estarrecedores.
As crianças que morrem antes de completar 5 anos subiram de 17,8 para 24,2 por
mil. No início da década passada, a Venezuela estava fora do Mapa da Fome das
Nações Unidas. Hoje, de acordo com o último levantamento, publicado nesta
semana, 17,6% da população é considerada subnutrida (a média latino-americana é
6,6%, a africana 19,9%). Não espanta que a expectativa de vida tenha caído de
73 para 71 anos desde 2013, pelos dados mais recentes do Banco Mundial.
Com a deterioração nas condições de vida e a
consolidação da ditadura de Maduro, venezuelanos emigraram em massa. Até maio,
7,7 milhões tinham deixado o país, um quarto da população (se o mesmo ocorresse
no Brasil, seriam 54 milhões). Até 2017, quase metade dos homens e uma em cada
três mulheres emigrantes tinham educação universitária. Agora quem emigra tem
ensino médio. Todo mundo quer sair.
O regime se manteve prendendo opositores de
forma arbitrária, mudando as regras eleitorais de acordo com a conveniência,
excluindo candidatos oposicionistas das disputas sob pretextos absurdos e
distribuindo recursos assistenciais. Esse show de horror e crueldade precisa
ter fim. É inaceitável a conivência com o regime chavista. Se perder, o
resultado das urnas precisa ser acatado por todos. Por isso Brasil e comunidade
internacional devem estar atentos para denunciar irregularidades e deter
qualquer tentativa de Maduro de sabotar o pleito.
Ao se conceder reajuste salarial, Zema põe em
dúvida plano fiscal de Minas
O Globo
É verdade que salário da cúpula do governo
está defasado, mas quem fala em austeridade precisa dar exemplo
Enquanto negociava, no ano passado, a adesão
de Minas Gerais ao
Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Tesouro Nacional, o governador Romeu Zema (Novo)
deu-se um aumento salarial de 257%, extensivo a vice-governador e secretários
estaduais. Em julho de 2022, o Tesouro habilitara o governo de Minas a negociar
adesão ao programa. Em contrapartida à ajuda para melhorar suas finanças, o
estado se compromete com medidas de austeridade. Isso significa não conceder,
durante o período do auxílio, aumentos aos servidores.
Em outubro passado, depois de já ter
aumentado seu salário de R$ 10,5 mil para R$ 37,5 mil, Zema remeteu ao Tesouro
uma nova versão do plano de recuperação fiscal tratando o reajuste como
exceção. A Secretaria de Fazenda estadual esclareceu que a revisão foi feita
por orientação do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal
(CSRRF), onde há representantes do estado e da União. Em nota, ela afirmou que,
como o aumento salarial foi ressalvado no plano de recuperação revisado, “não
coloca em risco a permanência [de Minas] nem a homologação da adesão ao RRF”.
É verdade que o salário da cúpula do governo
mineiro estava bastante defasado e que o impacto orçamentário do reajuste em si
é ínfimo. Mesmo assim, quem está no comando de um programa de austeridade
precisa dar exemplo. Ao se colocar à margem do ajuste fiscal, Zema se
fragilizou politicamente perante os servidores públicos e a própria população.
Uma confederação do funcionalismo mineiro chegou a impetrar ação contra o
aumento, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a rejeitou, sob o argumento de
que o processo não cabia à Corte.
Para Zema, está em jogo a credibilidade do
ajuste fiscal. Ao tentar se explicar, ele deu mais margem a confusão. Afirmou
que o reajuste do próprio salário visava a corrigir o teto das remunerações
estaduais, para que outras categorias também pudessem ser beneficiadas. Ora, o
pedido de ajuda federal não prevê rodadas de aumentos como as que ocorrem
quando o reajuste de uma categoria se propaga pelo funcionalismo. Numa hipótese
extrema, os reajustes salariais deflagrados poderiam desequilibrar ainda mais as
contas de Minas, levando o Tesouro a arcar com custo mais alto no socorro ao
estado. A explicação de Zema supõe o contrário de um plano de austeridade.
O Ministério da Fazenda informou ao GLOBO que
o plano de Minas ainda está em análise. Mesmo que a adesão formal ao RRF ainda
não tenha ocorrido, o estado já se beneficia da suspensão de pagamento da
dívida. O benefício foi obtido por Zema por meio de liminar concedida pelo STF.
Ainda segundo a Fazenda, “eventuais violações ocorridas após a data de adesão
serão analisadas pelo CSRRF quando chegar o pleito de homologação do Plano de
Recuperação Fiscal”.
O socorro federal a qualquer estado mobiliza
muitos interesses políticos. O Tesouro deve ser transparente ao formalizar sua
ajuda a Minas — como a qualquer estado que recorra ao Erário.
É preciso discutir nova reforma da
Previdência
Folha de S. Paulo
Apesar das mudanças em 2019, déficit é
insustentável, sobretudo após Lula mudar política para reajuste do salário
mínimo
É bem-vinda a informação
publicada nesta Folha de que membros da cúpula da Câmara
dos Deputados avaliam a necessidade de a Casa iniciar, em 2025, um
debate acerca de nova reforma
da Previdência.
Mesmo que eventuais mudanças não sejam
aprovadas na atual legislatura, é fundamental começar a discussão o quanto
antes pois demandará tempo para a sociedade assimilar sua indispensabilidade.
A última reforma, proposta em 2016 pelo
ex-presidente Michel Temer (MDB), só saiu três
anos depois, no final 2019, no governo Jair
Bolsonaro (PL).
Apesar da mudança, o déficit previdenciário da União foi de R$ 428 bilhões em
2023.
Lamentavelmente, o Congresso não deverá
contar nesta empreitada com o apoio do presidente Lula (PT), refratário a
reformas impopulares, mas imprescindíveis.
Será mais um erro deste governo, que colherá
déficits crescentes, a provável violação de suas metas fiscais e uma trajetória
explosiva da dívida pública —que pressionará o dólar, a inflação e
os juros.
Os parlamentares consideram não mexer em
direitos adquiridos, mas aplicar mudanças sobre os novos que ingressarem no
sistema, o que deve ser insuficiente.
Hoje, há um rombo contratado, para além dos
déficits anuais, de mais de R$ 100 bilhões em quatro anos. Ele será
consequência direta, diga-se, da decisão de Lula de corrigir
o salário mínimo pela inflação e o crescimento do PIB.
O presidente, aliás, soterrou o debate
aventado pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda para desvincular
benefícios previdenciários e sociais deste critério de correção, e de voltar a
ajustá-los só pela inflação, como era antes.
Esse, no entanto, não é o único problema. Na
reforma de 2019, ficaram de fora pontos fundamentais.
As
regras dos militares têm o maior déficit por beneficiário entre os
três regimes da União, de R$ 159 mil per capita por ano. No INSS, ele é de R$
9,4 mil, e no regime dos servidores civis, de R$ 69 mil, segundo o Tribunal de
Contas da União.
No meio rural, homens e mulheres se aposentam
aos 60 e 55 anos, respectivamente —ante 65 e 62 anos nas zonas urbanas.
Estima-se que, do déficit primário do INSS de 2,7% do PIB em 2022, 40% se
originaram na previdência rural.
A diferença de três anos a favor das mulheres
na idade mínima de aposentadoria também é questionada por especialistas. Pois,
segundo o IBGE,
elas vivem cerca de sete anos a mais que os homens.
Todos esses temas são sensíveis e
politicamente espinhosos. Daí a necessidade de se começar a debatê-los já para
que a sociedade fique bem informada sobre o que está em jogo: a possibilidade
de uma ruptura que leve o sistema a não ter como honrar seus pagamentos.
Um jogo perigoso
Folha de S. Paulo
Choques entre Otan, Rússia e China nos ares
são problema para a segurança global
Ao longo de 2023, a Organização do Tratado do
Atlântico Norte despachou caças para interceptar aviões russos que se
aproximavam do espaço aéreo de seus membros cerca de 300 vezes. Os números do
lado contrário não são muito diferentes, apenas mais sigilosos.
Tais entrechoques acontecem em todas as
linhas de atrito entre potências, envolvendo de um lado os Estados
Unidos e seus aliados, e do outro, russos e chineses. Os encontros se
dão sobre mares como o Báltico, o Negro, o do Sul da China, no
estreito de Taiwan, águas árticas e mesmo a Síria.
As ocorrências soam banais por envolverem
testes de prontidão: os adversários querem saber o quão rápido o inimigo pode
reagir a uma tentativa de intrusão. No ambiente
carregado da geopolítica atual, no qual pisca como alarme a agora duradoura
Guerra da Ucrânia,
são também muito perigosas.
Só na semana que passou, os russos enviaram
caças para interceptar dois bombardeiros B-52 americanos perto de suas
fronteiras após uma inédita missão sobre a Finlândia,
país que ingressou na aliança militar ocidental no ano passado.
Os aviões, que mesmo sem carregar armas
nucleares simbolizam a capacidade americana de dispará-las perto das fronteiras
russas, vão operar nas próximas semanas na Romênia, a
partir de uma base a 110 km da Ucrânia conflagrada.
Em resposta, Moscou bombardeou posições da
Ucrânia junto à Romênia com drones, alguns dos quais acabaram em território do
país vizinho, que integra a Otan. No mesmo
dia, interceptou um avião-espião de Londres no
mar Negro.
Ato contínuo, Rússia e
China realizaram uma patrulha com bombardeiros igualmente capazes
de lançar ataques nucleares perto do Alasca, chamando a interceptação de
caças americanos e canadenses.
Já houve acidentes no passado: um caça chinês
caiu após colidir com um avião americano e uma aeronave russa derrubou um drone
dos EUA no mesmo mar Negro.
Desnecessário dizer que, em um mundo desregulado com o colapso da ordem que pôs fim à Guerra Fria e com tensões em alta, basta um erro de cálculo no ar para colocar em marcha a insensatez.
Venezuela vota sob o signo do medo
O Estado de S. Paulo
Em democracias, dias de eleição são de festa.
Não na Venezuela. Venezuelanos vão hoje às urnas apreensivos com o dia
seguinte. Seja qual for o resultado, não se descarta uma guerra civil
O povo venezuelano vai às urnas neste domingo
sob o signo do medo. Em qualquer país democrático, dias de eleição são dias de
festa. Não na Venezuela. A expectativa é que os venezuelanos votem e se fechem
em casa para aguardar o resultado. A apreensão se justifica. Seja quem for o
vitorioso, o ditador Nicolás Maduro ou o embaixador Edmundo González Urrutia, é
possível que irrompa uma sangrenta guerra civil. Recorde-se que o próprio
Maduro já fez essa ameaça ao afirmar que, se ele não for reeleito, haverá um “banho
de sangue” na Venezuela.
Como um país outrora rico e com uma sociedade
vibrante chegou a esse ponto? Como o simples resultado de uma eleição pode, no
limite, levar à morte de centenas, se não milhares, de venezuelanos pelas mãos
armadas de seus próprios concidadãos?
Claro que a truculência de Maduro, e a do
coronel Hugo Chávez antes dele, submeteu o povo venezuelano a uma crise
política, econômica e humanitária sem precedentes, o que levou ao exílio
forçado nada menos que um quinto da população – 5,4 milhões de pessoas, segundo
a agência da ONU para refugiados. Famílias foram destruídas. Isso já bastaria
para acirrar os ânimos no país. Mas a crueldade do regime foi além: o chavismo
jogou os cidadãos uns contra os outros. Seguindo o manual de todo populista de
viés autoritário, Maduro disseminou a ideia segundo a qual quem ousa se opor a
ele está se opondo aos interesses “do povo” – logo, deve ser combatido como
inimigo.
Contudo, em que pese a plêiade de
arbitrariedades cometidas por Maduro, não se pode fechar os olhos para a
responsabilidade dos países da América Latina, especialmente do Brasil, a única
potência da região, sobre esse estado de coisas. O chavismo sempre foi tratado
com condescendência no continente, salvo honrosas exceções. O regime não foi
condenado como deveria nem quando rompeu a barreira do populismo e singrou para
uma sanguinária ditadura após Chávez aprovar uma emenda à Constituição que lhe
garantiu o direito de concorrer a mandatos sucessivos por tempo indeterminado –
só interrompido por sua morte, em 5 de março de 2013.
Desde então, Maduro tem sido tratado como
parceiro e recebido com honras de chefe de Estado por alguns países da região.
Aqui ele esteve no fim de maio de 2023, para vergonha dos genuínos democratas
brasileiros. Se o presidente Lula da Silva acertou ao restabelecer as relações
diplomáticas do Brasil com a Venezuela, interrompidas formalmente por birra do
governo de Jair Bolsonaro, errou ao tratar Maduro como um líder político digno
de ser reabilitado como um “democrata” perante a comunidade das nações. Uma coisa
são as relações entre dois Estados que têm interesses comuns; outra, muito
distinta, é chancelar um regime que impõe a seu próprio povo toda sorte de
privações por meio da força bruta.
Eis o quadro dramático das eleições de 2024
no país vizinho. Submetidos ao tacão de Maduro, os venezuelanos assistiram a um
processo eleitoral em tudo corrompido. Candidatos da oposição que se revelaram
competitivos foram sumariamente cassados sob as alegações mais esdrúxulas.
Cerca de 4,5 milhões dos venezuelanos que conseguiram escapar das garras do
regime e estão aptos a votar tiveram seus direitos políticos cerceados após
Maduro lhes impor entraves para o livre exercício do voto no exterior.
Urrutia, o único que permaneceu na corrida
eleitoral com chances de derrotar Maduro, chega ao final da campanha como o
franco favorito, com cerca de 55% das intenções de voto, ante 25% de Maduro, de
acordo com institutos de pesquisa independentes. Portanto, caso o ditador saia
vitorioso do pleito, isso será interpretado por todo o mundo democrático como
um resultado fraudulento.
Ao fim e ao cabo, a proclamação do resultado
cabe ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão que sabidamente opera sob as
ordens de Maduro. Logo, se a oposição vencer, como preveem as pesquisas
independentes, só um acordo de bastidor, prevendo alguma forma de transição
pacífica, poderá levar ao reconhecimento dessa vitória. Como civis e militares
reagirão ao resultado oficial é o drama das próximas horas, que definirão o que
será da Venezuela a partir de amanhã.
Mundo precisa de mais imigrantes
O Estado de S. Paulo
Estudo da ONU mostra que 50 países dependem
de imigrantes para atenuar seu declínio populacional, um dado crucial no
momento em que imigração é tema central nas grandes economias
Em cerca de 50 países, a imigração atenuará o
declínio populacional provocado pelo envelhecimento e baixas taxas de
natalidade, segundo a mais recente edição do relatório sobre perspectivas para
a população mundial divulgado pela ONU.
Poucos países representam tão bem as
armadilhas do envelhecimento populacional combinado com baixas taxas de
natalidade quanto o Japão. A população do país vem caindo ininterruptamente há
15 anos, segundo o governo japonês. Em 2023, os nascimentos registraram a
mínima histórica de 730 mil, enquanto as mortes, também recordes, somaram 1,58
milhão; a população total do país é hoje estimada em 124,9 milhões. Projeta-se
que em 2070 terá encolhido em 30%, para 87 milhões, e que quatro em cada dez
japoneses terão 65 anos ou mais.
Talvez por isso mesmo, o número de
estrangeiros residindo no país tenha ultrapassado os 3 milhões pela primeira
vez na história, representando 2,66% da população, de acordo com a agência de
notícias Nikkei.
Num Japão historicamente avesso a imigrantes,
o encolhimento da população pressiona cada vez mais o governo japonês a se
abrir aos estrangeiros para sustentar a economia. Para alcançar a meta de PIB
para 2040, o Japão precisará de quase 1 milhão de estrangeiros a mais do que o
projetado, segundo estimativas do próprio governo.
De acordo com a ONU, em países em que a taxa
de natalidade já é inferior à de reposição (nasce menos gente do que morre),
atrair imigrantes pode ser mais efetivo no combate ao declínio populacional no
curto prazo do que incentivar o aumento da natalidade. Fatores como custo de
vida elevado e ambiente corporativo hostil às mulheres fazem com que as
japonesas tenham cada vez menos filhos.
Já nos EUA, onde o candidato Donald Trump
promete deportações em massa caso vença as eleições, a imigração vem sendo e
continuará a ser o principal condutor do crescimento populacional. Um dos
grandes temas da campanha eleitoral americana, a imigração ilegal é
inegavelmente de extrema importância e sensibilidade. As promessas populistas e
demagógicas de Trump, contudo, em nada contribuirão para a melhora da vida dos
americanos.
É imperativo lembrar que, ao contrário das
mentiras propaladas pelo candidato do Partido Republicano, a maioria dos
imigrantes é gente trabalhadora e honesta, e não um exército de sicários sem
alma que comete crimes hediondos. Boa parcela dos ilegais vive há anos nos EUA
realizando trabalhos que ninguém quer fazer. Uma deportação generalizada traria
impactos profundos, deixando sem execução uma infinidade de tarefas hoje a
cargo deles.
Além de causar gargalos diversos na economia,
a deportação em massa pode ser um tiro pela culatra. As remessas que os
imigrantes enviam para seus familiares são um freio para pressões migratórias,
especialmente na América Central, altamente dependente de tais recursos. Se
deportar todo mundo que “envenena o sangue americano”, como gosta de se referir
aos imigrantes, Trump pode causar a ruína econômica de muitos países,
aumentando ainda mais o número de desesperados na fronteira com os EUA.
Reitere-se que a preocupação dos americanos com o fluxo massivo de imigrantes
para o seu território é plenamente justificada, mas despachar milhões de
pessoas para fora do país, sem qualquer critério, nada resolverá.
No Brasil, de acordo com a ONU, o pico
populacional deve ocorrer daqui a 30 anos. A partir de então, a população do
país deixará de crescer. Nem por isso se deve tardar em olhar para a atração de
capital humano estrangeiro em um país no qual a população também envelhece.
Além disso, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, 4,5 milhões de
brasileiros viviam no exterior (mais que a população da Paraíba) em 2022, ante
3,1 milhões em 2009.
É verdade que o Brasil precisa atuar para
combater a fuga de cérebros e assegurar que seu capital humano permaneça por
aqui, mas também é verdadeiro que as economias mais dinâmicas do mundo se valem
de estrangeiros para produzir, inovar e prosperar. O mundo precisa de mais
imigrantes, não de menos, e é fundamental que o Brasil enfrente essa questão
sem preconceito e demagogia.
A ‘desoneração’ da folha do PT
O Estado de S. Paulo
O Partido dos Trabalhadores deixa de recolher
INSS e FGTS de seus próprios trabalhadores
Autoproclamado defensor da classe
trabalhadora, o Partido dos Trabalhadores (PT) é justamente a legenda
brasileira que mais acumula dívidas por desrespeitar os direitos trabalhistas
de seus empregados e suas obrigações com a União. É como se o PT instituísse
por conta própria uma espécie de desoneração da folha de pagamento, ao arrepio
da lei, ao deixar de recolher Contribuição Previdenciária e Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS).
Essa burla às regras previdenciárias e
trabalhistas custa caro aos cofres públicos. Diretórios petistas espalhados
pelo País têm R$ 22,2 milhões inscritos na Dívida Ativa da União – dos quais R$
18,2 milhões em débitos com a deficitária Previdência Social e R$ 266 mil com o
FGTS.
E tudo isso numa agremiação que está entre as
mais ricas do País, financiada pela fartura de fundos públicos que nem deveriam
existir, pois partido político que se preze consegue se bancar exclusivamente
com doações de seus simpatizantes. Agora, ao que parece, o PT se financia
também por meio de calote trabalhista em seus funcionários. Quando questionada,
a legenda ainda se dá o direito de não dar nenhuma explicação, talvez porque
explicação não haja.
Enquanto alardeia que a reforma trabalhista
promovida no governo de Michel Temer acabou com os direitos dos trabalhadores,
o PT escolhe quais direitos de seus funcionários vai respeitar. A comparação
com os partidos ditos “burgueses” é ainda mais reveladora: o PT bate de longe
os débitos do União Brasil (R$ 5,2 milhões), do PSDB (R$ 5,1 milhões) e do MDB
(R$ 4,5 milhões) – ao todo, as siglas devem hoje ao menos R$ 54,2 milhões aos
cofres públicos da União.
Não foi à toa, portanto, que o PT apoiou com
tanto entusiasmo a infame PEC da Anistia – a Proposta de Emenda à Constituição,
recentemente aprovada na Câmara, que perdoa partidos que violaram a legislação
eleitoral e que cria um financiamento camarada para as dívidas com a
Previdência Social. São 60 prestações generosas – ou cinco anos – para quitar
as pendências. Não tendo sido a primeira vez que os partidos se concedem a si
mesmos uma desavergonhada anistia como essa, nada indica que será a última.
Nada disso orna com o feroz discurso petista contra a indecência na política e contra o que chamam de “desmonte” dos direitos trabalhistas. No “outro mundo possível” idealizado pelo lulopetismo – que segundo seus devotos só não se concretiza porque a “burguesia” e o “capital” não deixam –, os trabalhadores estarão no paraíso. Já neste mundo trevoso, o PT tunga seus próprios empregados, e justamente na Previdência – aquela que, segundo a fábula petista, não tem déficit. É mais que apenas uma ironia: trata-se de um estudo de caso sobre o cinismo dos que sabotam a modernização do País, em nome da proteção dos trabalhadores, ao mesmo tempo que não hesitam em tomar dinheiro desses mesmos trabalhadores para fechar as contas do partido.
Democracia precisa vencer na Venezuela
Correio Braziliense
Independentemente de quem vença as eleições
na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da
democracia se perpetue no país vizinho
Independentemente de quem vença as eleições
na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da
democracia se perpetue no país vizinho - (crédito: AFP)
Após meses de muita turbulência e graves
denúncias de violações políticas, o processo eleitoral na Venezuela chega hoje
a um dia decisivo. Será o momento de verificar nas urnas se é preciso dar um
basta ao regime protagonizado por Nicolás Maduro, ou se o mandatário receberá a
chancela para continuar no Palácio de Miraflores. A força de um processo
eleitoral, quando justo e transparente, reside exatamente na sua simplicidade:
quem tem mais votos ganha a disputa. Está eleito. E conquista a legitimidade da
maioria para conduzir o destino da nação por um período determinado.
O problema é que esse princípio democrático —
eleições limpas e justas — tem sido sistematicamente subvertido por Nicolás
Maduro. São inúmeras as denúncias que pesam contra o candidato da situação.
Perseguição a adversários da oposição, interferência nas etapas do processo
eleitoral, censura à imprensa e manipulação do Judiciário compõem a extensa
lista de abusos e arbitrariedades. As violações patrocinadas pelo regime de
Maduro, uma espécie de corolário do "socialismo do século 21"
inaugurado por Hugo Chávez, alcançaram tal monta que foi preciso acionar
mecanismos multilaterais — como o acordo de Barbados — para conter a sanha
golpista proveniente de Caracas. Há, sim, motivos para se preocupar. É preciso
lembrar que, há poucos dias, o candidato governista previu um "banho de
sangue" em caso de derrota. Ninguém pode acreditar que Maduro esteja
blefando.
Apesar dos arroubos antidemocráticos do
presidente venezuelano, a oposição está otimista com a votação deste domingo.
Em entrevista ao Correio, o ex-embaixador Edmundo Urrutia mencionou que as
"pesquisas sérias" dão ampla maioria à sua candidatura pela
Plataforma Unitária Democrática. Mais importante, o candidato com chances de
vitória antecipa o que entende como prática civilizatória em regimes
democráticos: Maduro reconhecer a derrota e iniciar um processo pacífico de
transição; e o novo presidente promover a reconstrução política, social e
econômica do país.
Note-se que o momento delicado da Venezuela
não é exclusividade de países com baixo grau de desenvolvimento. Há muito se
tem dito sobre o fenômeno da erosão democrática, decorrente da ascensão de
populistas e autocratas, de esquerda ou de direita, que repudiam o regime
político consagrado após o colapso da União Soviética no fim do século 20. Na
semana passada, a preocupação em garantir a estabilidade democrática estava
patente nas palavras de ninguém menos do que o ocupante do cargo mais poderoso
do mundo. Em mensagem histórica, e num gesto de grandeza política, o presidente
dos Estados Unidos, Joe Biden, abdicou de disputar a reeleição em nome de um
objetivo primordial: "Na defesa da democracia, o que está em jogo é maior
do que qualquer título".
Independentemente de quem vença as eleições na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da democracia se perpetue no país vizinho. É fato que, em caso de uma vitória de Maduro, esse caminho será mais difícil e improvável. Isso só aumenta a responsabilidade do presidente Lula, enquanto líder de projeção internacional, de colaborar para que a estabilidade política prevaleça na América do Sul. Quando uma democracia vai mal, todos perdem.
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