Nenhum. Há a eterna tentativa de ver as eleições locais como a antessala das eleições nacionais que ocorrem dois anos depois. Ledo engano. Primeiro, porque as eleições municipais têm baixo conteúdo ideológico. Não se discute o papel do Estado, as diretrizes econômicas ou os alinhamentos internacionais. A discussão é muito mais concreta. Ficam na mesa temas como a qualidade do ensino nas escolas de ensino fundamental, o grau de acesso aos serviços de saúde no SUS, o saneamento básico e a moradia popular, a mobilidade urbana e o transporte coletivo. E competência e capacidade de gestão não são monopólios da direita, da esquerda ou do centro.
Segundo, porque o eleitor é muito mais sábio que imagina
nossa vã filosofia. Não vota em padrinhos. Os dois atuais maiores líderes
populares, Lula e Bolsonaro, tiveram alguma influência, mas marginal. O eleitor
vai, durante a campanha, por um processo de decantação, desenvolvendo rejeições,
erguendo preferências, consolidando escolhas, numa misteriosa e complexa
dinâmica. Mais de 30% dos eleitores em todo o Brasil abstiveram-se ou votaram
nulo e branco.
Sempre tive resistência à ideia da reeleição, introduzida
pelo PSDB. A população demonstrou que não tem problemas com ela. Mais de 80%
dos prefeitos candidatos foram reeleitos. Prefeito bom, independente de partido
e valores ideológicos, fica. Prefeito ruim, é apeado do poder. Os prefeitos de capitais
JHC (Maceió - 83,25% - PL), Bruno Reis (Salvador – 78,66%- União Brasil), João
Campos (Recife – 78,11% - PSB) e Eduardo Paes (Rio de Janeiro – 60,47% - PSD)
tiveram vitórias expressivas. Já o prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (PRD), obteve
apenas 2,2% dos votos. Em Minas, prefeitas do PT de duas das quatro maiores
cidades, Marília Campos (Contagem) e Margarida Salomão (Juiz de Fora),
obtiveram vitórias inquestionáveis, graças a sua boa avaliação. Há viés
ideológico, incapacidade de avaliação pelo povo ou algum recado das urnas
nesses números? Nenhum. Ventos existem e formam ondas. Há eleições com clima de
mudança. A de 2024 foi marcada por ares favoráveis à continuidade.
E as repercussões para 2026? Inexistentes no essencial. Lula
continua muito maior que o PT e a esquerda. Bolsonaro mantém seu estilo pouco
institucionalizado. Dos seis partidos que elegeram mais de 400 prefeitos cada (PSD,
MDB, PP, UNIÃO, PL e REPUBLICANOS), cinco deles estarão, como sempre, dentro de
uma postura pragmática, prontos para apoiar e ter ministros em governos futuros
da direita, da esquerda ou do centro. O PSD, maior vitorioso, com a eleição de
878 prefeitos no primeiro turno, abriga seu dirigente maior, Gilberto Kassab,
principal assessor do Governador de SP, Tarcísio de Freitas, potencial
candidato da direita em 2026, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro
Alexandre da Silveira, alinhados com Lula e com o Governo Federal.
Portanto, devagar com andor analítico que o santo da política é de barro. O povo votou procurando o melhor gestor para o seu cotidiano nas cidades. A manutenção ou a mudança dos atuais rumos nacionais estão por ser construídas e não há nenhum recado das urnas sobre isto.
Um comentário:
Muito bom! O "santo da política é de barro", e o santo de hoje é o diabo de amanhã.
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