domingo, 9 de março de 2025

Sarney governou com greves e hiperinflação, mas nos legou a democracia - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Brasil deve muito a Sarney, que enfrentou período marcado por forte instabilidade econômica e ampla mobilização social, com firme convicção democrática

O ex-presidente José Sarney, prestes a completar 95 anos, teve um papel decisivo na democratização do país, ao convocar a Constituição de 1987 e trabalhar para a que a transição política ao Estado democrático de direito chegasse a bom termo. Não foram poucos os desafios que enfrentou na Presidência, após a internação de Tancredo Neves, na véspera de sua posse. Vice, assumiu a Presidência em 15 de março de 1985.

No próximo sábado, Sarney será homenageado pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo Cidadania, ao lado de alguns deputados constituintes, entre os quais Aécio Neves (PSDB) e Roberto Freire (Cidadania). Será durante seminário no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes. Segundo Comte Bittencourt, presidente do partido, “o objetivo é resgatar o papel histórico de Sarney e fazer balanço dos 40 anos de redemocratização do país, suas conquistas, dívidas e desafios”. O “Correio Braziliense” apoia a iniciativa.

Participarão dos debates a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carmem Lúcia, o ex-ministro do STF Nelson Jobim, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricúpero, o ex-governador do DF Cristovam Buarque, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, o ex-presidente uruguaio Júlio Maria Sanguinetti e o cientista político norte-americano Mark Lila, autor de “O progressista de ontem e o de amanhã”, ao lado de outras autoridades, personalidades políticas e intelectuais.

Duas coisas hoje impressionam os interlocutores de Sarney: a lucidez política, seja ao analisar os fatos ocorridos durante seu mandato, seja a conjuntura política atual, e o seu otimismo em relação ao Brasil, sem perspectiva imediatista, com uma visão de longo prazo. Pensar estrategicamente na sua idade é algo notável, sobretudo quando as principais lideranças políticas do país são prisioneiras do imediatismo ou, o que é muito pior, do passado.

Sarney avalia que o principal legado do seu governo é a Constituição de 1988, porque as instituições brasileiras demonstraram resiliência ao superar crises políticas e tentativas de ruptura institucional. O ex-presidente critica a facilidade e excesso de emendas à Constituição e destaca a necessidade de uma reforma político-eleitoral que fortaleça os partidos e reforce as bases da democracia no Brasil.

O Brasil deve muito a Sarney (1985-1990), que enfrentou um período marcado por forte instabilidade econômica e ampla mobilização social, com firme convicção democrática. Foram 8.790 greves que ocorreram em seu governo, que refletiram, ao mesmo tempo, o ambiente de liberdade e a insatisfação dos trabalhadores com perdas salariais e deterioração das condições de vida. As mais importantes foram as greves gerais de 12 de dezembro de 1986 e de julho de 1987, organizadas pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), reivindicando melhores salários, congelamento de preços e contra as políticas econômicas do Plano Cruzado e Plano Bresser.

Constituinte de 1987

O momento mais crítico do governo foi a greve dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional, de novembro de 1988. A Justiça concedeu reintegração de posse à empresa e convocou para reprimir os operários o Exército, que invadiu a fábrica para retomá-la em 9 de novembro. Durante confronto com grevistas, três operários foram mortos: Carlos Augusto Barroso (19 anos), Walmir Freitas Monteiro (27 anos) e William Fernandes Leite (22 anos).

Tendo que administrar disputas políticas no Congresso e conviver com oposição mobilizada nas ruas, Sarney fez várias tentativas de estabilização da economia. O Plano Cruzado (1986) congelou preços, mudou a moeda de cruzeiro para cruzado e adotou gatilho salarial (reajuste automático de salários quando a inflação atingisse 20%). No primeiro momento, reduziu a inflação, o que lhe garantiu grade apoio popular e notável impacto nas eleições de 1986.

O plano teve mais sucesso político do que econômico: o PMDB elegeu 22 dos 23 governadores (exceto Rio de Janeiro), 49 senadores, 487 deputados federais e 953 deputados estaduais. Isso possibilitou a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte na qual o governo tinha ampla maioria. A disputa era entre o MDB e o antigo Centrão, uma aliança do PFL (hoje União Brasil) com o PSD (atual PP). De orientação nacional-desenvolvimentista, o cruzado fracassou devido ao desabastecimento, ao mercado paralelo e à explosão da inflação reprimida.

A segunda tentativa foi o Plano Bresser (1987), cujo objetivo era aperfeiçoar o Plano Cruzado. Após breve redução da inflação, a hiperinflação voltou. Marcado pelo ceticismo, o Plano Verão (1989) foi mais um fracasso, às vésperas das eleições presidenciais de 1989. Houve nova troca de moeda, do cruzado para o cruzado novo, congelamento de preços e salários e juros elevados para tentar conter o consumo e controlar a inflação.

Esse ambiente favoreceu os principais candidatos de oposição: Collor de Mello (PRN) venceu as eleições no segundo turno, contra Luís Inácio Lula da Silva (PT). Leonel Brizola (PDT) ficou em terceiro lugar no primeiro turno. Graças à convocação da Constituinte e sua habilidade política, Sarney legou aos seus sucessores um regime político democrático.

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