sexta-feira, 1 de agosto de 2008

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

CURRAIS DO CRIME
Editorial/Folha de S. Paulo

Com omissão das cúpulas partidárias, domínio de traficantes e milícias ameaça direito do eleitor no pleito de 2008

CURRAIS eleitorais, como o próprio termo sugere, compunham uma realidade típica dos tempos em que o poder político não passava de uma extensão, mais ou menos automática, do predomínio das oligarquias rurais sobre a vida brasileira.

A denominação sobreviveu, no plano da metáfora. Ressurge contudo, de modo literal e alarmante, no noticiário de 2008. Cabe perguntar se será apenas nas favelas do Rio de Janeiro, onde o fenômeno se manifesta com nitidez, que milícias e traficantes impõem sobre a população a exigência de votar nos candidatos com que estão mancomunados.

No Complexo do Alemão, situado na zona norte da capital fluminense, um candidato a vereador pelo DEM aparece como apadrinhado dos traficantes.

Proíbe-se qualquer outro de pisar naquele território. Entidades de moradores contestam a informação; espalharam faixas de boas-vindas a todos os que disputam o pleito, e houve quem bizarramente atribuísse a notícia à "perseguição" e ao "preconceito" contra favelados.

Em outra comunidade carioca, entretanto, indivíduos armados impediram que jornalistas circulassem livremente, enquanto acompanhavam a passagem de um candidato à prefeitura pelo local. Fotógrafos foram obrigados a apagar as imagens que traziam gravadas em suas câmeras.

É necessário, declarou o próprio candidato, senador Marcelo Crivella (PRB), "pedir autorização" para entrar em certos lugares. Tanto Crivella como a candidata do PC do B, Jandira Feghali, já se viram vigiados de perto por asseclas do tráfico em suas campanhas eleitorais.

O secretário da Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, calcula em dez mil homens o contingente necessário para assegurar o policiamento nos currais dominados por milícias e traficantes da cidade do Rio de Janeiro. Sua presença não teria por que restringir-se, de resto, ao período eleitoral: tanto quanto a liberdade dos candidatos, é a dos moradores que se vê cronicamente ameaçada.

Cumpre indagar qual o papel dos próprios partidos políticos, que admitem sem o menor problema candidatos com extensa ficha criminal e histórico notório de colaboração com o crime organizado. Não se espere que as microscópicas legendas de aluguel tomem providências contra essa infiltração.

Mas partidos de dimensão nacional, que na cúpula não deixam de procurar certa respeitabilidade, deixam-se igualmente vascularizar com a presença de candidatos que não passam de prepostos de um poder fora de controle, alheio e hostil ao próprio Estado.Suas direções se omitem; a campanha prossegue. "Será a eleição mais bonita da história do Rio de Janeiro", assegura o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado. Em matéria de promessas, nenhum candidato faria melhor.

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