sábado, 23 de agosto de 2008

PRAGA DO NEPOTISMO É PIOR QUE A SAÚVA


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Um velho conselho do tempo em que se levava a sério a experiência dos mais velhos, recomendava evitar brigas com quem veste saia: mulher, padre e juiz.

O Congresso, um dos piores de todos os tempos, parece que não acreditou na sabedoria dos cabelos brancos e andou cutucando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com as caducas picuinhas da invasão da toga na área da exclusiva competência do Legislativo.

Pois, o troco custou, mas, valeu a pena esperar. Em decisão histórica, que equivale a uma varredura na praga do nepotismo que contamina os três poderes, o STF aprovou, por unanimidade, a redação definitiva da súmula vinculante, a do número 13 - que é o do azar e o da sorte - que estende a proibição da prática desavergonhada da nomeação de parentes, sem o aborrecimento do concurso público, em todos os poderes da União e não apenas no Judiciário.

Na longa caminhada do despudor, desde a derrubada do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 45, até os nossos dias, com interrupção dos quase 21 anos da ditadura militar do rodízio dos cinco generais-presidente, a nomeação da parentela até os primos consangüíneos de casamento atravessou as pausas da austeridade. E caiu no deboche da interinidade de presidente do STF, ministro José Linhares que durou pouco - de 29 de outubro de 45 a 31 de janeiro de 1946, com a posse do presidente Eurico Gaspar Dutra - da gaiata convocação por edital dos parentes para a distribuição das últimas vagas, sob pena da nomeação à revelia.

Não se pode descuidar da vigilância da imprensa e do Congresso. Mas, se o Legislativo em todos os níveis entra na libertinagem, com o passo na cadência do governo e com o Judiciário fechando o desfile, sobra a imprensa para as denúncias que geram as CPIs que nunca chegam ao fim da linha.

Ainda agora, a irretocável resposta do STF atende às denuncias de jornais, revistas e redes de TV, como a recente reportagem do JB sobre a prática do tráfico de influência no Tribunal de Justiça do nosso maltratado Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

O STF cimentou a sua unanimidade ao acolher, no mérito, a ação declaratória de constitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para obrigar o cumprimento por tribunais regionais recalcitrantes e que nadavam nas águas da distribuição de cargos públicos para os parentes, desobedecendo a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proíbe a nomeação de parentes até o terceiro grau, cônjuges, companheiros e familiares e por afinidade para cargos em confiança e de comissão em todos os tribunais federais ou estaduais.

O nepotismo tem sete fôlegos e não desiste da briga pelas mordomias e mutretas que encontram no Congresso o canteiro perfeito para proliferar. Um bom exemplo de defesa dos seus privilégios foi pinçado de uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que considerou que não era aplicável ao Executivo e ao Legislativo do município de Água Nova - que assim estréia na história - a proibição de nomear parentes até o terceiro grau na rifa dos cargos públicos.

Com a pisadela no calo de estimação, o STF aproveitou a deixa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte para estabelecer a sua competência para, na falta de lei específica, aplicar a interpretação do Art. 37 da Constituição, que é de clareza meridiana ao definir que "a administração pública, direta ou indireta de quaisquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Da lei à realidade, o pântano das trampas dos espertos, que sempre encontram o atalho para atravessar o atoleiro.

Se desta vez, a ofensiva moralizadora do Supremo for mesmo para valer vamos assistir ao espetáculo inédito de um regime drástico de emagrecimento da burocracia, com buracos em ministérios, autarquias e seus derivados, abrindo vagas para a urgente realização de concursos para a nomeação dos substitutos.

Confesso meu ceticismo na rendição do Congresso, com a boca torta por tantos anos e décadas de viciado no uso e abuso do nepotismo. E que gera filhotes espúrios de cabos eleitorais, os amigos de fé e os que são úteis na caça ao voto que garante a reeleição para o emprego milionário da semana útil de três dias.

Quem viver, verá. Com os acolchoados para amortecer a queda na buraqueira da decepção.

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