sábado, 27 de agosto de 2011

Interventor encontra ralos para corrupção na Conab

Serviço Jurídico do órgão, foco de desvios, tem 90% de terceirização

Recém-empossado como procurador-geral da Conab, Rui Magalhães Piscitelli disse ter ficado estarrecido com o quadro que encontrou no órgão. Um dos focos da corrupção, a terceirização do serviço jurídico da empresa atinge 90% das cerca de 10 mil ações da Conab na Justiça, com passivo de R$ 1,7 bilhão, entregue a 12 escritórios de advocacia. "Um órgão desestruturado nesse nível, nunca vi", diz ele, uma espécie de interventor na área jurídica da Conab. "Temos um fusquinha 69 nas mãos", comparou Piscitelli. Dos 70 procuradores da instituição no país, 20 estão lotados em outros órgãos e outros 20 estão prestes a se aposentar. Três estados sequer têm um procurador. A fragilidade da defesa fez a Conab ter prédios, terrenos e automóveis penhorados pela Justiça. As denúncias contra a empresa apontavam que havia escritório que perdia propositalmente causas contra o órgão.

"Dá um desespero..."

Novo procurador da Conab diz que encontrou estrutura caótica e um passivo de R$1,7 bi

Evandro Éboli

Um dos focos da corrupção detectada na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a terceirização do serviço jurídico da empresa atinge 90% das cerca de dez mil ações do órgão que tramitam na Justiça. O passivo judicial envolve R$1,7 bilhão. Recém-empossado no cargo de procurador-geral da Conab, Rui Magalhães Piscitelli ficou estarrecido com o quadro que encontrou na instituição. A contratação de escritórios particulares para cuidar dos interesses da Conab é apontado por ele como o principal problema a ser resolvido.

Em todo o país, a Conab contratou 12 escritórios de advocacia. O procurador disse que identificou indícios de irregularidades, como falhas banais no processos, e notificou órgãos como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) para que façam a investigação. Escolhido pelo ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), Piscitelli é uma espécie de interventor na área jurídica da Conab.

- Essa excessiva terceirização é motivo de minha indignação, meu desalento. Um órgão desestruturado nesse nível, nunca vi. É triste. Quando você consegue despachar um processo, aparecem outros nove, dez contra a empresa. Dá um desespero... Mas sou um entusiasta - afirmou Rui Piscitelli ao GLOBO.

"A Conab é uma estatal dependente"

O procurador fez um relato que mostra a situação caótica do órgão e lamentou a falta de estrutura. Dos 70 procuradores da instituição no país, 20 estão lotados em outros órgãos, recebendo gratificações adicionais por outras funções, e outros 20 já contabilizam tempo para se aposentar. Três estados sequer têm um procurador. É uma estrutura insuficiente.

- Temos um fusquinha 69 nas mãos - comparou Piscitelli.

A maioria dos processos envolve ações trabalhistas e de armazéns gerais, que cobram judicialmente por serviços que julgam não terem sido pagos. São pendências antigas, até da década de 80. A fragilidade da defesa fez a Conab ter prédios, terrenos e automóveis penhorados pela Justiça. Piscitelli classificou assim a empresa:

- A Conab é uma estatal dependente, que não vive com suas próprias pernas - disse, sobre a estrutura que encontrou.

Apesar da resistência à contratação dos escritórios, Piscitelli afirmou que, neste momento, não pode abrir mão de alguns desses serviços, por conta da falta de pessoal. As denúncias contra a Conab apontavam que havia interesse de perder propositalmente algumas causas.

- Não posso fazer uma aventura jurídica. São ações que variam de R$20 mil a R$500 mil. Não dá para cuidar de todas.

Piscitelli já começou a pôr em prática uma série de medidas administrativas para tentar reverter esse quadro. Ele lista quatro ações fundamentais para fortalecer a procuradoria e, assim, acabar com a terceirização: a volta dos procuradores cedidos para outros órgãos, a elevação da procuradoria ao status de diretoria, concurso público para contratação e a criação de uma subprocuradoria especial para cuidar das ações de maior vulto contra o órgão.

Piscitelli já enviou à direção da Conab as justificativas para dar maiores poderes à procuradoria:

- Com maior autonomia, teremos maior poder de ação e evitaremos ingerências políticas.

Piscitelli afirmou que é preciso melhorar a autoestima dos procuradores da Conab, desestimulados nas suas funções:

- Dar status de diretoria para a procuradoria já vai melhorar. Eles irão se sentir valorizados - disse Piscitelli, que buscará também concessão de gratificações no seu setor.

Hoje, um procurador da Conab recebe entre R$6 mil a R$7 mil. O salário é apontado por Piscitelli como um fator de desestímulo. Para ele, é preciso valorizar a "prata da casa".

- Meu propósito é reestruturar a procuradoria da Conab, trazendo os procuradores de volta, abrindo concurso específico, valorizando o pessoal e, principalmente, extinguindo a terceirização do jurídico, algo que nunca deveria ter havido.

Promessa de vetar interferência política

O procurador afirmou que não vai permitir interferência política no seu trabalho e disse que sua indicação é técnica:

- Não sou político, não sou filiado a partido algum e nunca fui a um comício. Não tenho nada a ver com esse mundo.

O procurador disse também que é preciso convencer o Judiciário de que a Conab é uma empresa de direito público. Esse entendimento conceitual impediria a penhora de bens da empresa e a obrigação de pagar custas de processo e taxas para recorrer das milhares de ações:

- Não podemos ser tratados como uma empresa privada pelo Judiciário.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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