"Mal comparando, a presidenta Dilma está aprisionada em um dilema do gênero daquele que agarrou Obama. Só que, se no caso americano a crise apareceu como econômica para depois se tornar política, em nosso caso ela surgiu como política, mas poderá se tornar econômica. Explico-me: a presidenta é herdeira de um sistema, como dizíamos no período do autoritarismo militar. Este funciona solidificando interesses do grande capital, das estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos e de um conjunto desordenado de atores políticos, que passaram a se legitimar como se expressassem um presidencialismo de coalizão no qual troca-se governabilidade por favores, cargos e tudo mais que se junta a isso.
Essa tendência não é nova. Ela foi se constituindo à medida que o capitalismo burocrático (ou de Estado, ou como se o queira qualificar) amealhou apoios amplos entre sindicalistas, funcionários e empresários sedentos por contratos, e passou a conviver com o capitalismo de mercado, mais competitivo. Na onda do crescimento econômico, as acomodações foram se tornando mais fáceis, tanto entre interesses econômicos quanto políticos (incluindo-se neles os "fisiológicos" e a corrupção). No início, parecia fenômeno normal das épocas de prosperidade capitalista que seria passageiro. Pouco a pouco se foi vendo que era mais do que isso: cada parte do sistema precisa da outra para funcionar, e o próprio sistema necessita da anuência dos cooptáveis pelas bolsas e empregos de baixo salário, e precisa de símbolos e de voz. Esta veio com o "predestinado": o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao sistema mas a suas partes constitutivas."
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. David e Golias. O Globo, 7/8/2011.
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