segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A autoridade presidencial:: Renato Janine Ribeiro


Em meio ano, Dilma Rousseff demitiu três ministros de Pastas importantes. No começo de seu governo, escrevi que ela estava em busca de seu estilo. Sucedia a dois grandes comunicadores. Fernando Henrique Cardoso, em que pese vivermos num país sem maior simpatia pelos intelectuais, usou sua cultura e simpatia - era o chefe de governo mais culto que tivemos desde José Bonifácio - para transmitir, à sociedade, uma nova agenda, mais econômica na verdade do que política. Luiz Inácio Lula da Silva utilizou sua verve e carisma para comunicar-se com uma parcela bem maior da sociedade. Se adotou políticas de inclusão social, aumentando a classe C e reduzindo as D e E, fez algo parecido no discurso político: dirigiu-se sobretudo aos pobres, falou com eles, em especial com suas famosas metáforas. E Dilma? Que estilo teria, perguntei em fevereiro, depois desses governantes que sabiam tão bem falar à sociedade?

Agora, temos dados concretos. Dilma continua falando pouco. Também não é de escrever. Ela assina. Assina demissões. Há uma lógica clara no seu modo de demitir. Quando um ministro é suspeito de corrupção, ela quer que preste satisfação à sociedade. Dá-lhe uma chance. Não demite ninguém de pronto. Porém, se a satisfação prestada não for convincente - e foi esse o problema de Palocci, que era o grande ministro de uma grande Pasta, bem como o de Alfredo Nascimento, que dirigia um dos principais ministérios da Esplanada, não só pelo dinheiro manejado mas pela popularidade que gera, se construir e consertar estradas - o ministro sai. Esse não é um juízo criminal. Não sabemos se foram ou não culpados das acusações que lhes foram dirigidas. É um julgamento político. A política lida com aparências. Para ela, não basta a mulher de César ser honesta, ela tem de parecer honesta - para retomar o célebre dito de Júlio César, pronunciado assim mesmo na terceira pessoa.

Não basta acusar para derrubar um ministro. Ana de Hollanda foi atacada no começo do governo, pelas políticas que adotava (ou não adotava) e também por uma questão de diárias pagas a ela. Dilma deu-lhe um abraço, num corredor, e disse que fosse em frente. Só isso. Não houve colo, força-tarefa para defender a ministra, nada. Mas Hollanda se virou e saiu dos holofotes. Em suma, a presidente dá chance a quem é criticado e espera que a pessoa se mostre capaz de superar o mau momento. Porém, cobra. Um ministro não ficará no cargo fazendo-se de tonto.

Lembremos o episódio Henrique Hargreaves, em que o principal ministro de Itamar Franco, falsamente acusado de corrupção, se demitiu para que tudo fosse apurado e só voltou ao ministério devidamente isentado de culpa. Os tempos mudaram. Hoje, o único tema da oposição é a corrupção. Ela não discute como baixar a apreciação do real, não entra no mérito do trem-bala - apenas, acusa o governo de corrupto. Os decepcionantes PV e Marina, por sua vez, sequer fazem campanha contra a redução do imposto sobre os automóveis. Seria impopular defender mais impostos sobre os carros, mas o que se espera dos verdes? Que proponham o novo. Isso não vemos nem na oposição tucana, que só fala em desvio de verbas, nem na verde, que praticamente não fala. Hoje, se cada ministro acusado se afastasse, a oposição inviabilizaria a baixo preço e com meras palavras o governo. O que se pode esperar da presidência é que mande os acusados prestarem contas.

Já o desfecho do caso Jobim é diferente, mas normal. Se não o demitisse, a presidente se desmoralizava. O que temos de entender, e cabe aos jornalistas descobrir, é por que ele quis sair como saiu. Em poucas semanas, multiplicou provocações que não podiam ser toleradas. Recordo o sociólogo Emir Sader, que seria diretor da Casa de Ruy Barbosa. Numa entrevista, Emir se referiu a sua superior, a ministra Ana de Hollanda, como "autista". Era uma alusão bem humorada e até carinhosa. Bastou para que perdesse o cargo. Mas Emir é um acadêmico; nesta área, estamos acostumados a dizer o que pensamos, sem meditar muito as consequências.

Nelson Jobim é um político brilhante, que foi ministro de três governos seguidos e se destacou nos três Poderes da República. Foi o melhor ministro da Defesa que tivemos desde a criação da Pasta. Então, por que deu três declarações sucessivas e provocadoras? Queria sair como herói? Para tanto, precisaria estar representando uma causa nobre, contra uma eventual falcatrua. Nada disso está à vista.

Dilma não aceitou, nem podia aceitar, o que precisamente para os militares é o pecado mortal: a indisciplina e, com ela, a tolerância com a indisciplina. (Ainda hoje, paira a suspeita de que, se Jango não tivesse admitido a indisciplina dos sargentos e marinheiros em 1964, vários generais, entre eles o comandante de São Paulo, não se teriam revoltado; o golpe de Estado fracassaria). O chefe do Ministério da Defesa desrespeitou a comandante-em-chefe das Forças Armadas. A essa altura, importa pouco avaliar como será Celso Amorim - como ainda sabemos pouco de Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti. Nenhuma dessas indicações, em que pesem as qualidades do ex-chanceler no Itamaraty, impressionou muito a opinião pública. Mas o que conta é que a presidente mostrou firmeza.

Ainda ignoramos como Dilma vai se comunicar. O que vimos é que exige respeito. É um dado importante. É um começo. Talvez precise terminar de ajeitar o governo. Isso demora - talvez um ano. Depois, terá de mostrar que ideais vai transmitir - como FHC e Lula fizeram. Está indo bem na tarefa de pôr ordem no ministério. Terá de mostrar para quê. Isto é: o que tem a propor ao povo. Esperemos.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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