A recuperação do EUA e a desaceleração da China já produzem efeitos sobre a América Latina. Embora não conheçamos o impacto futuro desses processos, é certo que será crescente nos próximos anos. Os novos ventos da economia internacional são prejudiciais aos países exportadores de commodities, os que mais se beneficiaram do acelerado crescimento chinês dos últimos dez anos. Entre eles, o prejuízo deve ser maior para os que dependem mais das exportações de minérios e petróleo e menor para os produtores de alimentos. Na América Latina, por sua estreita ligação econômica com os EUA, o México tende a ser o mais beneficiado por esses novos ventos. O Brasil, em tese, não deveria estar mal na foto, não fossem erros acumulados nos últimos anos.
Para recorrer a uma imagem que virou clichê, quando a maré baixa é que se sabe quem estava nadando pelado. As fragilidades de países como Argentina e Venezuela já se encontram expostas faz muito tempo. A maior delas é política. São países fraturados em duas pártes frontalmente antagonizadas. A situação argentina é menos dramática e mais nuançada. Ainda assim, é difícil identificar, no panorama político dó país vizinho, de onde viriam as forças para reverter o longo caminho de decadência que a Argentina percorre há muitas décadas. Já a Venezuela é um caso de crise aguda, que os novos ventos do mundo só tendem a agravar.
Bem mais favorável é a situação dos países sul-americanos do chamado Arco do Pacífico. Chile, Colômbia e mesmo Peru souberam aproveitar melhor a bonança dos últimos dez anos. Não se deve, contudo, subestimar o desafio que a adaptação ao novo quadro da economia internacional representa para esse grupo de países, em especial o último deles.
No Chile, o provável retorno de Michelle Bachelet à presidência, nas eleições de novembro, aponta para um novo equilíbrio político no país. No quinto governo da Concertación o pêndu- se moverá para a esquerda em relação aos anteriores. Estará em pauta uma reforma fiscal, para aumentar o financiamento público da educação, e uma reforma política, para dar maior espaço de representação parlamentar aos menores partidos, em especial o Partido Comunista. A polarização política com a direita, agora enfraquecida, aumentará. A queda nas exportações de cobre reduzirá o espaço de manobra fiscal do novo governo. Nada, todavia, que indique graves problemas na gestão política e econômica do Chile nos próximos anos.
Na Colômbia a situação é parecida, mas os riscos são maiores, para o bem e para o mal. As negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) entram agora em fase decisiva. Fechado o acordo em tomo da reforma agrária, o primeiro dos temas abordados, o govemo e as Farc ingressam estas semanas no terreno pe-j dregoso das discussões sobre os meios e modos para a incorporação do grupo guerrilheiro ao jogo democrático e depois, se vencida essa etapa, sobre seu desarmamento. Candidato à reeleição em 2014, o presidente Juan Manuel Santos joga todas as suas chances no sucesso dessas negociações. Se produzirem resultados, a Colômbia terá dado um passo gigantesco para se consolidar como o segundo mais importante país sul-americano. O fim de uma guerrilha de 50 anos, que chegou a dominar um terço do território do país, compensará com sobra quaisquer dificuldades acarretadas pelos novos ventos do mundo. Não só pelo que representaria politicamente, mas também pela liberação de fatores de produção hoje sob controle das Farc e do narcotráfico (terras e camponeses). Os riscos e a incerteza da travessia, porém, não são desprezíveis.
Maiores são os riscos no Peru. As altas e contínuas taxas de crescimento observadas desde os anos 90 não vieram acompanhadas de aumento da eficácia do Estado na área social e fortalecimento das instituições políticas peruanas. A redução do rit- i mo de crescimento e da disponibilidade de recursos públicos pode produzir instabilidade social e política significativa, num país que se tomou o maior produtor de coca do mundo e onde ainda sobrevivem focos narcoguerrilheiros do Sendero Luminoso.
De todos os países da região, o México é o que está, em tese, em melhor situação para colher os frutos do novo quadro da economia global. A indústria mexicana ganha com a retomada dos EUA e com o aumento dos custos de produção na indústria chinesa, sua principal competidora no mercado americano.
Emperradas há dez anos, reformas estruturais têm agora chances de se tornar realidade nesse país. O Pacto pelo México, negociado entre o partido do presidente Pena Nieto, o PRI, e os dois principais partidos da oposição, já produziu mudanças fundamentais nos setores de educação e telecomunicações. Falta o mais importante: a reforma do setor de energia, que põe em questão o regime regulatório em que opera a Pemex, vaca sagrada da Revolução Mexicana, desde sua nacionalização no final dos anos 30, e a reforma fiscal. Ambas são indissociáveis, pois a empresa petrolífera responde por 40% das receitas do Tesouro mexicano e este absorve 80% das receitas daquela, numa equação que impede o investimento da Pemex e amarra as mãos do Estado mexicano. Essas duas reformas estão sobre a mesa, despertando um cauteloso otimismo. Se vierem a ser aprovadas, o México saltará na frente dos demais países da região.
E o Brasil? É verdade que temos algumas condições estruturais e institucionais que ajudam nossa adaptação aos novos ventos do mundo: economia (ainda) diversificada, agronegócio grande e competitivo, amplo mercado interno, instituições comparativamente sólidas, etc.
Mas os erros acumulados foram tantos desde o final do primeiro mandato de Lula que nossa situação é hoje muito mais difícil do que poderia e deveria ser. Por isso, em 2014 é preciso mudar o time que está perdendo.
Diretor executivo do iFHC, é membro do GACINT-USP.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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