sábado, 12 de abril de 2014

Merval Pereira: Cidadania participativa

- O Globo

A discussão sobre a eficácia da democracia representativa no mundo moderno, com a exigência cada vez maior por parte dos cidadãos de participação nas decisões dos governos, é o ponto central dos debates nos dias de hoje, e surgem diversas experiências na tentativa de ampliar a representatividade dos eleitos. Na definição do ex-presidente Fernando Henrique, é preciso unir o demos (povo) à res publica (coisa pública) sem que as instituições deixem de funcionar.

Abordarei neste fim de semana três propostas diversas, duas brasileiras e uma chinesa, que substituem a eleição de representantes por um sistema de seleção meritocrática que, segundo o cientista político Eric X Li, já está em prática na China com grande sucesso.

Os exemplos brasileiros tratam de estimular a cidadania, um de um instituto privado em plena atividade, com o objetivo de fazer com que a elite brasileira se comprometa com valores e deveres de uma cidadania de primeira classe, e outro de uma ONG que teve que fechar as portas por falta de recursos, mas cujo fundador continua convencido da necessidade de uma atuação para aperfeiçoar a democracia representativa com a participação das bases populares desde o município.

O investidor e cientista político Eric X. Li apresenta o modelo chinês como o mais adequado para valorizar a meritocracia na condução de um país, considerando que a democracia multipartidária que prevalece no Ocidente, entre os países capitalistas, não é a melhor maneira de estimular a participação do povo nas decisões governamentais.

Na mesma linha da meritocracia, o publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem o site “A voz do cidadão” — onde põe em debate os direitos e os deveres de um verdadeiro cidadão —, lança uma nova campanha, os Agentes da Cidadania. Ele reuniu em seu site 60 líderes de diversos setores da sociedade, e quer reunir 500, para defender ideias: “Torno-os comprometidos com as causas que eles defendem, a nível da consciência”.

Por falar em crise de representação democrática, em fragmentação de valores e como integrar a vontade do demos à res publica, Jorge Maranhão ressalta o que está por trás de seu programa: “uma agenda para os aristos, o papel da mídia na construção do imaginário social, a tecnologia social desenvolvida, as condições e efeitos esperados do programa. É um debate riquíssimo, é isso que vai fazer com que a qualidade da cultura política no Brasil melhore”.

Na opinião de Maranhão, o empresariado brasileiro é imediatista e faz a mesma demagogia que fazem os políticos demagogos. “O projeto quer mexer com aqueles poucos empresários e líderes suprapartidários que querem fazer o debate de propostas. É aquela campanha que o México já fez: não votem em cores, em bandeiras, votem em programas, propostas”.

O projeto Agentes da Cidadania é, segundo Maranhão, o resgate do verdadeiro sentido de elite. “Eles são milhares no Brasil inteiro, não sei se dou conta de fazer uma pequena amostra. Seria uma boa fazermos, pelo menos virtualmente, um Congresso de Cidadãos”.

Já Carlos Fernando Galvão, professor de Geografia, com doutorado em Ciências Sociais pela Uerj, lançou o Movimento Rio Cidadão, do qual emergiu a ONG Cidade Viva, que se propunha a fazer experiências com um sistema de democracia participativa, que ele chama de Gestão Cidadã.

A essência da proposta é que democracia representativa é tão somente um acordo de elites, legitimadas pelo voto e, ainda que sejam bem-intencionadas e honestas, não dão mais conta, se é que deram algum dia, de modo satisfatório, das demandas sociais deste século XXI. “Então, retomamos o conceito da democracia participativa, lá da Grécia Antiga de antes de Cristo, para recontextualizá-lo para o século XXI”.

A proposta de um programa popular de governo foi testada, de modo ainda incipiente, mas consistente, em Ponta Grossa e no Rio de Janeiro, entre 2001 e 2003, “com uma metodologia que permite a atuação de todos os cidadãos que desejem participar do processo de (re)construção social para muito além do voto”. (Continua amanhã)

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