segunda-feira, 22 de maio de 2017

O preço | Fernando Limongi

Por enquanto, os Batista são os grandes vencedores

- Valor Econômico

Fez-se o caos. Um novo personagem entrou em cena e o enredo sofreu verdadeira revolução. Aturdidos, os leitores, digo eleitores, perderam o fio da meada com a mudança do eixo narrativo. Difícil redefinir quem é o mocinho e quem é o bandido. Sobretudo, difícil definir aliados e inimigos.

No calor da hora, anunciadas as gravações das conversas entre Temer e Joesley, ouviu-se um só grito: basta! Direita e esquerda chamaram seus militantes de volta às ruas. Não juntos, cada um de um lado da avenida, mas todos irmanados na mesma corrente: Fora Temer!

O governo entrou em decomposição. Ministros escreveram cartas entregando seus cargos. O PSDB e o PPS arrumaram suas malas. O PT vislumbrou a chance de ouro para se reerguer: eleições diretas já.

Na tarde de quinta, o presidente recuperou o fôlego e desmentiu rumores de que entregara os pontos, trazendo alento aos que o apoiavam. Na manhã seguinte, reações impulsivas deram lugar a reflexões ponderadas. A grande imprensa, em editoriais, exceção feita ao Globo, pedia cautela e levantava dúvidas sobre veracidade das gravações. Ministros e partidos reavaliaram suas posições e cerraram fileiras com o governo. Somente o velho comunista não entrou na operação resgate. Olhando seu passado, deve ter pensado que para tudo há limite!

Movimentos sociais de direita, como o MBL e o Vem pra Rua, paladinos da ética e da moralidade, "desconvocaram" as manifestações de domingo, sob as alegações mais esfarrapadas. Parece que não obtiveram a autorização para manifestar sua indignação.

Lideranças mais atiladas já vinham sinalizando que era hora de redefinir a pauta. O real inimigo estaria em Curitiba, nas "prisões alongadas" e no "verdadeiro tribunal de exceção" do Juiz Sergio Moro. Sem medir consequências ou cores partidárias, a Força Tarefa passara a ameaçar os responsáveis por tirar o país das mãos dos "petralhas". A reversão do discurso pede malabarismo, mas nada que não se consiga com alguma erudição de salão.

Na sexta feira, o furacão Joesley recuperou suas forças e acabou seu trabalho destruidor. Os depoimentos são avassaladores. Temer recebeu mesadas por anos a fio e, segundo um dos delatores, caso único, chegou a se apropriar de um dos pagamentos. Lula e Dilma eram abastecidos por contas correntes cujos saques eram feitos pelo titular da pasta da economia.

Como a direita, a esquerda começou a repensar o foco e os motivos da sua revolta. Arautos da intelectualidade petista pedem atenção: estaríamos diante de uma grande conspiração. A manobra pede imaginação e malabarismos comparáveis aos feitos à direita. O infortúnio a todos une e forja alianças insuspeitas.

Porque não tem qualquer compromisso com a verdade e com a lógica, o ex-deputado Roberto Jefferson propôs a explicação redentora: "uma trapaça que tem, a meu ver, o objetivo de lucrar no mercado financeiro. Foi um ataque especulativo ao Tesouro nacional, à moeda nacional." Para servir à esquerda, o discurso pede pequena modificação, bastando dizer que se trata de uma conspiração do capital financeiro internacional para barrar o desenvolvimento nacional. Temer, no sábado, embarcou na tese da conspiração e se disse vítima de um pilantra.

Sejamos claros. Não há conspiração urdida por forças secretas contra Temer ou Lula. O ataque foi organizado a céu aberto, à frente de todos, de forma pública. O programa está disponível na internet. O juiz Sergio Moro e seus fiéis escudeiros nunca esconderam sua estratégia e seu modo de ação. Resta saber se ainda contam com o apoio da opinião pública para garantir suas investidas contra a classe política. Gravação presidencial anterior foi mais bem recebida que a atual.

Todas as forças políticas, em um momento ou outro, se achavam fora de risco e acreditavam que seriam os grandes beneficiários da Lava-Jato. Dilma, ouvindo os conselhos de Mercadante e Delcídio, achava que a operação a livraria de seus inimigos no PT. O PSDB, liderada por Aécio Neves, juntou-se à direita estridente para salvar o país do 'bolivarismo petista'. Para este fim maior, valia tudo, até gravações ilegais da presidente. Como diz a propaganda: há coisas que não têm preço.

O cipó, diz o ditado, volta no lombo de quem mandou dar. Como dizem os liberais: não há almoço grátis. Pois é, paga-se um preço por fornecer alimento a manifestantes. O pato muda de cor, assim como os critérios para julgar a legalidade das gravações de presidentes...

A elite política reavalia suas estratégias. Depois dos excessos, em clima de fim de festa, busca desesperadamente a tábua da salvação. Nesta história, engana-se quem acredita em heróis e procura entendê-la como um conflito entre o bem e o mal.

O dono da JBS mostrou porque se tornou um dos maiores empresários do mundo. Explicou didaticamente como tirou vantagens da Lava-Jato, produzindo a mercadoria pela qual os promotores já haviam demonstrado disposição de pagar sobrepreço. Além disso, deu-se conta, como as conversas entre Aécio, Temer e membros do Judiciário revelam, que se armava o bote para enterrar as investigações. Chegara a hora de vender a documentação que vinha produzindo e trocar de ramo e endereço.

A JBS não recorreu a provas que inicialmente pensou em destruir e não agiu para tentar salvar sua empresa. Por isso mesmo, sua delação é mais comprometedora e, mesmo, democrática do que a da Odebrecht: traz provas contra todos, sem distinção.

Por enquanto, os irmãos Batista são os grandes vencedores. Entregaram os velhos comparsas e foram continuar a vida nos EUA. Entregaram não é bem o termo. Negociaram e venderam. Mais uma vez, exploraram as falhas da área de compras no setor público, ditando o preço. Obcecados por provas contra políticos, os austeros homens da lei não se deram conta do engodo. Para eles, não importa, uma boa delação não tem preço...
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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