segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A natureza dos ciclos de curto prazo | Luiz Carlos Mendonça de Barros

- Valor Econômico

A atividade e o mercado de trabalho começaram a se estabilizar, abrindo ciclo de expansão ainda lento, mas sustentável

Prometo ao leitor do Valor não o cansar com uma apresentação sobre a teoria dos ciclos de curto prazo nas economias de mercado. Longe de mim o objetivo de uma reflexão teórica, mas sim o de aproveitar este momento em que a imprensa especula diariamente sobre a natureza da recuperação cíclica que hoje está ocorrendo.

Os ciclos de curto prazo são inerentes às economias de mercado por uma razão muito clara. Ao longo do tempo, as economias reagem naturalmente ao choque entre o comportamento dos agentes econômicos e as condições reais dos vários mercados, que formam o tecido econômico de um país. Keynes chamou a atenção, durante seus longos anos de polêmica com os chamados economistas clássicos, para a natureza humana - com todas as suas qualidades e defeitos - dos agentes econômicos principais, sejam eles consumidores, investidores e empresas.

Neste eterno conflito entre a natureza humana e o funcionamento sistêmico dos mercados está a origem dos ciclos econômicos. Mais recentemente percebeu-se que as ações dos vários agentes do governo como Tesouro, bancos públicos e autoridade monetária, todos eles de natureza humana, exercem também influência decisiva na formação dos ciclos econômicos. Minha observação como analista leva a dividir os ciclos econômicos em dois grupos principais: no primeiro grupo, a natureza humana dos agentes econômicos entra em choque com a ação correta dos agentes públicos responsáveis pela gestão da economia; no segundo grupo as respostas dos agentes públicos são incompatíveis com as distorções criadas pela ação dos agentes econômicos - privados ou públicos - sobre o tecido econômico.

Os ciclos econômicos do primeiro grupo são normalmente mais curtos e menos profundos; já os do segundo grupo são longos e provocam uma intensidade muito maior em termos de redução da atividade e do emprego quando os problemas se agravam. Tivemos nos últimos dez anos, nos Estados Unidos e na Europa, um dos maiores ciclos depressivos da nossa história recente provocada pela ganância dos agentes de mercado e erros da autoridade econômica destes países. Hoje, depois de vários anos de uma política econômica correta, estas regiões voltaram a crescer de forma sustentada.

No Brasil, os responsáveis pela gestão da economia nos governos Lula e Dilma Rousseff não entenderam estes ensinamentos. A economia brasileira entre 2008 e 2014 viveu um ciclo insustentável de expansão, causado pelo chamado boom dos preços das commodities. Quando em 2012 os primeiros sinais de exaustão do crescimento começaram a aparecer, o governo reagiu de forma irracional e populista tentando manter - via aumento dos gastos do governo, expansão do crédito dos bancos públicos e redução artificial dos juros - a bonança econômica anterior. E a bolha estourou.

Com a mudança de governo e da equipe econômica voltamos a tratar as dificuldades da economia com racionalidade e mãos firmes. Neste momento entramos na fase de correção da economia, que pelas lições da crise americana sabíamos seria longa e penosa. Mas sempre acreditei que a perseverança no caminho certo nos levaria também à recuperação.

O que vem ocorrendo desde então segue o manual conhecido por quem acredita no funcionamento racional dos mercados. A queda da atividade, que se segue ao estouro de uma bolha de crédito, cria um enorme hiato recessivo, aliviando assim as pressões de demanda que existiam em segmentos importantes da economia. O aumento dos juros, logo após a mudança na diretoria do Banco Central, reforçou o aparecimento do hiato do produto e das forças deflacionárias que passaram a atuar sobre o mercado de trabalho, sistema de preços e balança de pagamentos. Com a correção pontual de preços públicos relevantes, em um primeiro momento a inflação acelerou-se, reduzindo ainda mais o poder de compra dos consumidores e agravando a queda da demanda agregada. Neste turbilhão, a absorção interna que crescia a 10% no período áureo da era Lula capotou arrastando no seu caminho o PIB, a arrecadação de impostos e o emprego.

Na etapa seguinte (2016), ajudado por uma super-safra e a valorização do real, a dispersão dos preços nos índices de inflação ao consumidor, que haviam chegado a 80%, atingiram agora pouco acima dos 40%. Sinal claro de que os mecanismos de indexação se enfraqueceram. Com a inflação capotando, os salários reais começaram a crescer. E o Banco Central iniciou o processo de redução dos juros, adicionando mais um elemento à recuperação da atividade.

Sob o peso destas mudanças na economia, a atividade e o mercado de trabalho começaram a se estabilizar e o ajuste macroeconômico mudou de sinal. Esta é a fase na qual nos encontramos hoje e que abre um ciclo de crescimento ainda lento, mas sustentável para o restante deste terrível ano de 2017. Em 2018, seguindo o manual de situações anteriores, a atividade econômica deve acelerar um pouco mais e tirar o país da zona de recessão profunda que vivemos no pós PT.

Para os próximos anos vamos depender das características do governo que assumir em 2019, mas sou otimista. Com a economia voltando a crescer, as eleições vão colocar em Brasília um governo responsável e com uma política econômica correta.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

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