- O Globo
A semana começou pesada com o massacre em Las Vegas. O número de mortos e feridos só crescia. De novo, pensei, virão à tona as discussões de sempre: controle de armas e as causas que levam uma pessoa a esses crimes tenebrosos. Cheguei a pensar um pouco sobre Stephen Paddock. Ele foi a uma loja em Mesquite chamada Guns and Guitars. Suponho que venda armas e guitarras. Se fizesse a escolha certa, no máximo incomodaria o vizinho. D epois, veio a questão do pai, assaltante de bancos, fugitivo da prisão. Será que há alguma coisa genética nisso e, se houver, é possível demonstrá-la cientificamente? Não ouso avançar nesse difícil caminho de entender o ódio pela Humanidade. Os do amor ferido são mais transparentes.
Digo isso pelo jovem que se jogou da ponte RioNiterói e antes gravou uma sofrida mensagem para a noiva. Ele soube que ela transava com outros e antes de se jogar disse que estava fazendo isto para puni-la. A única coisa que poderia fazer contra ela era o suicídio.
Mas, quanto menos entendemos, é preciso mais cautela. Esse debate que surgiu no Brasil com a exposição em Porto Alegre e, agora, no MAM, com a performance de um ator nu, poderia ser mais tranquilo.
O ponto de partida é aceitar duas premissas: a liberdade da arte e as classificações dos espetáculos. Esses dois componentes se completam. Não é preciso gostar da classificação por idade, mas é o arcabouço legal. Dizer que houve pedofilia e essas coisas é um exagero que acaba enfraquecendo um argumento que poderia ter uma grande aceitação: a necessidade de se observar a classificação por idade.
A discussão sobre o nu e arte é muito antiga. Seria preciso muitas manhãs de domingo para resenhá-la. Nos últimos anos na Europa, observei uma tendência a tirá-la do universo estético e torná-la uma espécie de expressão política. Em Londres, cheguei a fotografar alguns cartazes chamando para manifestações de gente nua. Aqui e ali apareciam de fato ciclistas e figuras solitárias nuas.
A crise econômica, a presença maciça de refugiados, tudo isso tornou isso pesou no clima social europeu. E além do mais, em breve começa o inverno.
Antônio Callado participou de uma expedição que buscava o corpo do Coronel Fawcett, o célebre aventureiro inglês que desapareceu no Brasil. No livro sobre a viagem, Callado conta que, depois de sete horas de avião, eles se viram no mato entre índios nus. Conclusão de Callado: a inocência pega. Meia hora depois, já não havia surpresa, embora os índios não entendessem por que tanta roupa. O máximo que achavam útil era a camisa, para proteger dos mosquitos.
Ouvi o debate na Câmara sobre o episódio no MAM. Nada edificante, como sempre. A violência e pornografia brotavam nas próprias acusações mútuas.
Na mesma semana, outro comportamento humano desafiava nossa compreensão. Uma família do Piauí deixou o filho de 12 anos num presídio para buscá-lo dia seguinte. O menino foi encontrado debaixo da cama de um homem condenado por estupro. Pouco se fala dele.
O que se passou na cabeça desses pais, o que se passou na cabeça de Stephen Paddock? Talvez não saibamos nunca. O certo é que vivemos num mundo complicado, num país arruinado pela corrupção, radicalizado nos anos petistas do “nós contra eles” e, ainda por cima, entrando numa fase pré eleitoral.
Os protestos em nome da moral e da família são uma forma de colocar o tema na agenda e fortalecer candidaturas para o ano que vem.
É legítimo que os grupos escolham agendas e queiram que suas posições sejam aceitas. No entanto, existem tarefas comuns de reconstrução do país, tarefas que precisam unir pessoas com diferentes estilos de vida. Isso não significa suprimir o debate sobre costumes. Apenas colocá-lo nos seus trilhos, desdramatizá-lo para que uma unidade maior possa cuidar da reconstrução.
Utopia? Não creio. A esperança é de que, entre a arma e a guitarra, a maioria faça a escolha certa. Isto é, que a maioria prefira uma discussão racional sobre esses problemas, não se deixe levar pelas paixões reais ou encenadas.
Um jovem empresário de Niterói, Luiz Gabriel Tiago, foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho no projeto Ponto de Luz, que ajuda centenas de pessoas.
O próprio Trump percebeu no seu discurso que o que une os Estados Unidos é a imensa solidariedade, e não o ódio. O que une o Brasil são milhares de pontos de luz que às vezes nem são vistos no noticiário. É com eles, e não com as trevas, que vamos dar a volta por cima.
A curtíssimo prazo, sonho com uma segunda-feira mais tranquila. A semana que passou, de certa forma, foi um novo abalo na própria noção de humanidade.
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É jornalista
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