segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Amir Pazzianotto Pinto: Regimento interno do Supremo Tribunal Federal

- Diário do Poder

O leigo talvez desconheça a importância dos regimentos internos, cuja finalidade consiste em determinar a composição e a competência do respectivo tribunal, regular o andamento dos processos e julgamento dos feitos, conforme reza a Constituição.

Bastante antigo, para os padrões brasileiros, é o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi aprovado em 15/10/1980, tendo como presidente o ministro Antonio Neder, na vice-presidencia o ministro Xavier de Albuquerque e era integrado pelos ministros Djaci Falcão, Thompson Flores, Leitão de Abreu, Cordeiro Guerra, Moreira Alves, Cunha Peixoto, Soares Muños, Décio Miranda e Rafael Mayer.

Considero necessário relembrar-lhes os nomes, como homenagem que rendo a magistrados cultos, discretos, operosos, independentes, qualidades que se fizeram escassas neste período sombrio, marcado por denúncias que envolvem a alta cúpula da falsa República.

Após entrar em vigor, em 1980, o Regimento Interno sofreu 51 emendas, como revela a última edição publicada pelo STF. Inalterada, entretanto, permanece a parte inicial do Art. 134, cujo texto ordena com simplicidade e clareza: “Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente”.

Deverá do verbo dever, entre cujos significados, assentados no Dicionário Houaiss, encontra-se o de “uma lei inelutável à qual o sujeito está submisso, independentemente de sua vontade”.

Apesar da obrigação a que se submete o Ministro, quando pede vista dos autos em sessão de julgamento, sabemos que poucos são aqueles que observam a norma regimental. Alguns lhe nutrem completo desprezo. Pedem vista e seguram o feito durante meses ou anos, como é comum acontecer. Para que o leitor saiba como se passam as coisas nos bastidores, pela Alta Corte tramita Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) onde se debate a ratificação e posterior denúncia da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ajuizada em 1996 e distribuída ao falecido ministro Maurício Corrêa. Passados mais de vinte anos, consumidos entre breves sessões e intermináveis pedidos de vista, aguarda decisão que não vem e tão logo não virá. Da composição do STF, à época em que o caso foi ajuizado, permanecem apenas dois ministros: o decano Celso de Mello e Marco Aurélio.

O ministro Dias Toffoli resolveu obstruir a conclusão do julgamento do feito em que discute a limitação do foro privilegiado a menor número de beneficiários. Já votaram os ministros Roberto Barroso, relator, Marco Aurélio, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello, no sentido do provimento do pedido. Em sentido contrário – como era de se esperar – a manifestação do ministro Alexandre Morais. Segundo o ministro Roberto Barroso tramitam pelo STF 528 processos, dos quais 90% deveriam ser julgados em primeira instância.

Até as baratas do prédio projetado por Niemayer sabem os objetivos do ministro Toffoli: permitir que o escandaloso problema permaneça por conta da Câmara dos Deputados, onde se alojam interessados em desfrutar de privilégios. S. Exa. tem o direito de decidir mal ou decidir bem; julgar com a lei ou com a vontade. Poderá garantir privilégios antidemocráticos, ou contribuir para que o País se torne mais ético e republicano. Não pode, entretanto, espezinhar o Regimento Interno, para não incidir em crime de responsabilidade com ostensiva violação de dever inerente à magistratura.

É regra processual que o juiz obriga-se a proceder com celeridade. Prescreve a Constituição, no Art. 5º, LXXVIII, que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua execução”. A norma é valida para o Supremo Tribunal Federal, ou os ministros gozam do privilégio de ignorá-la?

Volto ao Regimento Interno para assinalar o disposto no Capítulo IV, que trata das atribuições do presidente da Suprema Corte. Conforme determina o Art. 13 III, compete-lhe “dirigir-lhe os trabalhos e presidir as sessões plenárias, cumprindo e fazendo cumprir este Regimento.”

Conseguirá a Presidente Carmen Lúcia fazer com que o ministro Dias Toffoli respeite o Art. 134, ou fará vistas grossas? Consentirá que péssimos usos e costumes se sobreponham ao Regimento Interno? São dúvidas que hoje me assaltam.

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Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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