segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Fernando Limongi: O tempo das candidaturas

- Valor Econômico

O poder do PMDB vai muito além da corrida pela Presidência

Temer não se caracteriza pela firmeza. Vai e volta, toma decisões bombásticas e recua no momento seguinte. Anunciou em alto e bom som que daria início à reforma ministerial, forçando a saída dos que se candidatarão em 2018. Uns poucos muxoxos bastaram para que voltasse atrás. Dias depois, convocou a imprensa para a posse de Marun, apenas para, após conversa com Aécio Neves, apagar o twitter enviado.

A maioria dos ministros ainda não está em condições de seguir Bruno Araújo, o único a correr para assegurar seu lugar de candidato. Kassab e Meirelles, para citar apenas dois exemplos, precisam aguardar a decisão dos demais. Temer e sua turma sabem disso. São do ramo, conhecem o calendário eleitoral.

As desincompatibilizações podem esperar até abril. Depois virão as convenções, marcadas para o meio do ano. São duas etapas cruciais na definição das candidaturas e das coligações partidárias que se enfrentarão em 2018. No momento, ainda não é perfeitamente claro quem serão os amigos e os inimigos. Golpistas de ontem podem ser os aliados de amanhã.

Por enquanto, todos estão diante de um enorme quebra-cabeça. O jogo principal envolve dois níveis, a Presidência e os 27 governos estaduais. O período é de acumulação de forças, blefes e, até mesmo, chantagens.

É longo e tortuoso o processo de definição de candidaturas e das coligações que as apoiarão. Candidatos potenciais recolhem informações sobre os movimentos de seus adversários e, com base nisso, tomam suas próprias decisões. Os mais fracos ficam pelo caminho e são recrutados como forças auxiliares desta ou daquela candidatura, simplificando o quadro. Ficar sozinho é ficar mais longe da vitória.

Por ser o cargo mais importante em disputa, as definições visando o Planalto têm precedência sobre as demais. Além disso, a eleição presidencial se sobrepõe territorialmente às disputas pelos governos estaduais. A melhor estratégia para todos é alinhar os palanques.

Analistas e mesmo os interessados em entrar nas disputas, diretamente ou financiando concorrentes, têm dado grande importância às pesquisas de opinião. O cenário que desenham apontaria para o confronto entre Lula e um dos outsiders que se destacaram nas sondagens recentes, como Jair Bolsonaro, Luciano Huck e Joaquim Barbosa.

Contudo, pesquisas de intenção de voto com tamanha antecedência das eleições não são bons guias para embasar prognósticos. Passar da condição de celebridade a político pede mais que cursos de civismo e apoio de gente endinheirada. O recurso crucial para montar campanhas - o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) - está nas mãos dos partidos políticos. Sem ele não se ganha eleição no Brasil. No passado, a regra valeu para a Presidência e para governos estaduais. Dificilmente, outros meios suplantarão o rádio e a TV em 2018.

O mercado, portanto, pode investir pesado em Huck ou, se o desespero for realmente grande, em Bolsonaro, mas sem o apoio de um grande partido, não importa quanto dinheiro seus apoiadores despejem em suas campanhas, não terão tempo suficiente para fazer propaganda no rádio e na TV.

A distribuição deste recurso depende do desempenho eleitoral dos partidos nas últimas eleições. Sair do PSC e se filiar ao PEN, mesmo que este seja rebatizado de Patriotas, não muda muito a situação de Bolsonaro. Luciano Huck flertou com o DEM, mas percebeu que a imagem do bom moço ético ia embora junto com o apoio do partido. Sobrou o PPS, que com sua bancada mirrada não lhe assegura tempo necessário para sair da Globo e entrar na política.

A despeito dos seus raquíticos 3% de aprovação, Temer tem nas mãos recursos que o colocam no centro das negociações para sua sucessão. Na última semana fez questão de demonstrar que pode fazer o que bem entender com o que lhe pertence. Soltou balão de ensaio de que estaria considerando ser candidato em 2018.

Impopular ou não, o fato é que o apoio formal de Temer traz consigo um dote que nenhum candidato sério, pelo menos os que são do ramo, pode desconsiderar: o maior naco do HGPE. E se por acaso os pretendentes não pensam assim, Temer lembrou a todos que se não 'pagarem' o que acha que merece, ele pode nomear até um Marun ministro e, mesmo, ser candidato.

O poder do PMDB vai muito além da corrida pela Presidência. A proporção de cadeiras na Câmara dos Deputados define o tempo de rádio e TV em todos os Estados. O partido, portanto, é o ator mais poderoso, o que entra com mais recursos, em todas as disputas para governador. Não importa a sua força eleitoral no Estado, o maior naco do HGPE pertence ao PMDB.

O Planalto não controla o PMDB em todo o Brasil. Mas controla o diretório nacional e, com certeza, tem grande influência em vários Estados. Assim, a montagem das coligações partidárias, tanto a nacional quanto as estaduais, passa necessariamente pelo PMDB e, portanto, pelo Planalto. O recado ao PSDB não poderia ser mais claro.

Enquanto se discutia a reforma política, muito se falou das coligações nas eleições proporcionais e pouco ou nada das formadas para as eleições majoritárias. Essas últimas, contudo, são as que realmente fazem girar os acordos políticos fundamentais, uma vez que é por meio delas que partidos negociam o tempo de rádio e TV que a legislação lhes assegura, tempo esse que tem se provado crucial nas eleições para presidente e governadores. No passado, abastecidos com dinheiro das empreiteiras, J&F e outros habituais doadores, coligações deram lugar a um verdadeiro mercado paralelo de compra e venda do HGPE. Não se sabe em que bases este mercado vai funcionar em 2018, mas não há dúvidas de que ele continuará ser central.

Sem conquistar o apoio dos partidos que controlam o grosso do tempo de rádio e TV, não importa quão bem estejam nas pesquisas hoje, as campanhas dos Bolsonaros e Hucks da vida dificilmente decolarão.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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