Relatório da ONU mostra que aborto em condições de risco é terceira causa de morte de mães no mundo
O avanço, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC ) 181, que proíbe todos os tipos de aborto no país, mesmo os previstos em lei, representa um retrocesso para a sociedade. Modificações num projeto que tinha como objetivo estender o prazo de licença-maternidade para mães de prematuros acabaram deslocando o centro do debate, gerando uma série de protestos na Casa e nas ruas. O cerne da questão é o fato de o texto estabelecer que a vida começa já no momento da concepção. O que, na prática, significa criminalizar todo e qualquer processo de aborto.
Pelo artigo 128 do Código Penal, o aborto é permitido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário), ou quando a gravidez é decorrente de estupro — neste caso, depende do consentimento da gestante ou de seu representante legal. Desde 2012, a partir de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é autorizado também nos casos em que o feto é diagnosticado com anencefalia.
A polêmica sobre o assunto ganhou tonalidades mais fortes no dia 8 de novembro, quando uma comissão especial da Câmara aprovou, por 18 votos (todos de parlamentares homens) a um, o texto do relator da PEC, deputado Jorge Mudalen (DEM-SP). A decisão contou com apoio maciço da bancada evangélica, que detém a maioria das 33 cadeiras da comissão. A deputada Erika Kokay (PT-DF), única a votar contra a PEC, que já está sendo chamada de Cavalo de Troia, disse que o texto promove uma fraude, à medida que se aproveita de um projeto consensual para impor a retirada de direitos das mulheres.
As manobras para aprovar a proposta na Câmara têm causado indignação em movimentos de mulheres, que enxergam as mudanças como um inaceitável recuo na legislação brasileira sobre aborto — que, aliás, é de 1941. No dia 13, houve manifestações no Rio, em São Paulo e outras 28 cidades do país contra a PEC 181.
O próprio governo tem emitido sinais que vão contra a proposta engendrada na Câmara. Num evento internacional, no Chile, no mesmo dia em que o texto foi aprovado na comissão, o Itamaraty destacava o fato de o SUS prestar atendimento a mulheres nos casos de aborto previstos em lei. A Chefe da Divisão de Temas Sociais do Itamaraty, Marise Nogueira, alertou para o fato de que as mudanças contrariam compromissos internacionais assumidos pelo país.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também parece caminhar na contramão da PEC. Ele tem dito que o projeto não deverá prosperar na Casa se insistir em criminalizar o aborto em casos de violência contra a mulher.
Em meio ao calor do debate, é preciso restabelecer o bom senso. O aborto deve ser visto como uma questão de saúde pública. Relatório da ONU mostra que a interrupção da gravidez em condições de risco ocupa o terceiro lugar entre as causas de morte materna em todo o mundo. No Brasil, estima-se que a cada dois dias uma mulher morre vítima de aborto clandestino, por falta de cuidados essenciais. Não se pode fechar os olhos para essa situação. A hipocrisia pode até mascarar, mas não resolve o problema.
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