Para a maioria dos brasileiros, conforme atestaram diversas pesquisas de opinião nos últimos anos, a corrupção está entre os principais problemas do País. O tema já levou milhões de pessoas às ruas em protestos os mais diversos e mobiliza a opinião pública toda vez que as autoridades envolvidas na luta contra a corrupção denunciam complôs para prejudicar seu trabalho.
Da mesma maneira, causa profunda indignação popular a exposição dos privilégios de parte do funcionalismo público, em especial quando comparados à situação difícil por que passam milhões de brasileiros desempregados ou em atividades de baixíssima remuneração e escassa proteção legal.
Todo esse dispêndio de energia cívica é plenamente compreensível, pois é inegável que tanto a corrupção como as benesses concedidas a servidores públicos são extremamente prejudiciais ao País. No entanto, diante dos imensos desafios que o País enfrenta há décadas para mudar de patamar de desenvolvimento - a começar pelo fato, inaceitável, de que metade da população ainda não tem acesso a esgoto tratado -, é o caso de questionar se o País não está dedicando esforço excessivo ao que está apenas na superfície dos problemas, deixando para depois o enfrentamento de suas causas primárias.
É um equívoco imaginar, como muitos fazem, que os entraves do País estarão superados assim que todos os corruptos estiverem na cadeia e todos os privilégios do serviço público forem cancelados. Na hipótese de que a ladroagem de políticos e as benesses de servidores acabassem da noite para o dia, o País amanheceria certamente muito satisfeito, mas os problemas de fundo, que não parecem abalar hoje a maioria da população, permaneceriam intocados.
A corrupção e a privatização do Estado pelas corporações de funcionários públicos e outros grupos de interesse são resultados do gigantismo estatal, cuja gênese está na presunção de que o Estado deve interferir em quase todos os aspectos da vida nacional, sempre tendo como princípio que o cidadão brasileiro é tão incapaz que precisa ser protegido por uma descomunal estrutura jurídica e burocrática. Não é à toa que os lobbies de funcionários públicos e os políticos que fazem a vida servindo como mercadores de favores do Estado se dedicam de corpo e alma à demonização de qualquer reforma que represente uma rachadura nessa estrutura.
Sempre que alguém se propõe a mudar tal estado de coisas, por meio da racionalização do Estado, esses grupos tratam de qualificar a iniciativa como uma conspiração para cassar direitos dos mais pobres.
Esse tipo de campanha de desinformação, infelizmente, tem sido muito bem-sucedida, a tal ponto que a maioria dos brasileiros, por exemplo, segue sendo contrária à reforma da Previdência, malgrado o fato de que a proposta não tira nenhum direito, e confere ao presidente Michel Temer, defensor das reformas, apenas um dígito de popularidade.
Ademais, nenhum dos candidatos com alguma chance de vencer a eleição presidencial de outubro faz uma defesa enfática das reformas nem procura mobilizar a opinião pública para os desafios de longo prazo do País. Quem se apresenta como o “novo” na política não parece fazê-lo para desafiar o velho discurso político que representa a manutenção do atraso, e sim somente para se dizer honesto e prometer o combate aos privilégios e à roubalheira. O último “novo” que se elegeu com esse discurso contra a corrupção e contra os “marajás” do serviço público foi Fernando Collor, em 1989. Não é preciso dizer mais nada.
O verdadeiro líder político novo, hoje, será aquele capaz de sensibilizar a sociedade para problemas que emperram o desenvolvimento e que deveriam desde sempre ser considerados intoleráveis num país com a riqueza e o potencial do Brasil, como a falta de saneamento básico, a precária infraestrutura nacional, a baixa produtividade e o estado cronicamente lastimável da educação e da saúde. Sem prejuízo da necessária luta contra a corrupção, é para essas questões fundamentais, tão vergonhosas quanto antigas, que o Brasil deveria dedicar sua mais profunda indignação.
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