terça-feira, 20 de março de 2018

Joel Pinheiro da Fonseca: Mais que uma morte

- Folha de S. Paulo

Assassinato de Marielle Franco calou fundo em todo o Brasil, independente da ideologia

O assassinato da vereadora Marielle Franco calou fundo em todo o Brasil, independente da ideologia de cada um. Um crime chocante em sua covardia e grave pelo que representa para a sociedade brasileira.

Mas afinal, Marielle é mais importante do que as dezenas de milhares de vítimas anuais da violência? Por que tanto espaço para ela e tão pouco para os demais?

Enquanto pessoa, a vida de Marielle é tão valiosa quanto qualquer outra. Ocorre que a morte por motivo político de um representante eleito tem consequências mais sérias do que um crime comum; ele ataca não só uma pessoa, mas a própria ordem política e social. Isso justifica, para além da admiração gerada por seu combate a milícias e abusos policiais, a comoção nacional.

Sem dúvida, a morte de uma vereadora que era negra, mulher e mãe carrega um triste significado simbólico.

No entanto, nada permite afirmar que ela tenha sido morta por ser mulher ou por ser negra. O assassinato político no Brasil não é identitário nem ideológico; é fisiológico.

É por isso que, segundo levantamento feito por pesquisadores da UniRio, dentre os 79 candidatos assassinados em eleições entre 2000 e 2016 no Brasil, há gente de todos os partidos, com predominância da centro-direita (PSDB, PMDB e PP lideram); mais de 90% eram homens. O estado recordista em morte de candidatos é justamente o Rio.

A história se repete: o assassinato é cometido para eliminar alguém que ameaça os interesses de algum grupo: um certo vínculo ao Estado, uma fonte de renda cativa etc. Marielle era mais do que uma candidata; era uma representante eleita, o que torna sua morte ainda mais grave. Falta-nos descobrir qual foi o grupo cujos interesses ela colocava em risco.

Fica claro, assim, o oportunismo daqueles que usam a morte da vereadora como combustível para sua bandeira particular. É o caso de quem atribui sua morte a ela ter “defendido bandidos” ao longo de sua carreira. Sou o primeiro a apontar como a militância de direitos humanos negligencia a necessidade de reprimir e punir o crime violento; sem isso, não há educação básica ou iluminação pública que deem conta. Mas Marielle não foi vítima de um latrocínio como tantos outros lamentavelmente comuns no Brasil.

Do outro lado, alguns tentaram atribuir a morte de Marielle à sua oposição à intervenção no Rio, na hipótese absurda de o governo federal ser o mandante. É o ódio contra o governo Temer, igualmente fora de lugar.

É justamente porque no estado do Rio um crime como esse ocorre com mais frequência, e que sequer saibamos se a ordem de morte veio de milícia, gangue do tráfico, polícia ou ainda uma intersecção entre eles, que a intervenção federal se mostra necessária. Agora é hora de ela mostrar a que veio: pegar não apenas quem deu o tiro mas quem mandou atirar, debelando e punindo de forma exemplar as redes criminosas que, neste momento, atuam dentro e fora do Estado e se sentem à vontade para desafiá-lo abertamente.

Do ponto de vista ideológico, há um abismo entre mim e o PSOL. Ainda assim, reconheço o exemplo inspirador de Marielle Franco e espero que sua mensagem —a defesa dos direitos dos mais vulneráveis— não morra. Dito isso, o que está em jogo neste crime vai além da pessoa dela e da ideologia que ela defendia; trata-se de um crime contra o próprio Estado de Direito e, por consequência, contra todos nós.
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Joel Pinheiro da Fonseca éeconomista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP e palestrante do movimento liberal brasileiro.

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