- O Globo
Estudo do Ipea mostra a ligação entre o número de armas e o índice de homicídios. Mas o governo prefere ignorar a estatística, como fez com as cadeirinhas
O Brasil ganhou mais 47.510 motivos para rever os decretos que facilitaram o acesso a armas de fogo. Este foi o número de mortos por disparos em 2017, um novo recorde na sangrenta história nacional.
O dado está no Atlas da Violência, divulgado ontem pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estudo mostra que as armas são de longe o principal instrumento da morte no país. Foram usadas em 72,4% dos assassinatos.
Os pesquisadores afirmam que a tragédia poderia ser ainda maior. Desde 2003, o índice de mortes por armas de fogo sobe em média 0,85% ao ano. Antes disso, o ritmo de crescimento era seis vezes maior. O motivo do recuo foi o Estatuto do Desarmamento, que dificultou a tarefa de apertar o gatilho.
O Atlas cita fatos e dados que contrariam o discurso armamentista que ganhou força em Brasília. “Há consenso na literatura científica internacional sobre os efeitos perniciosos da difusão de armas de fogo na sociedade”, afirma o documento.
Um estudo de Daniel Cerqueira, do Ipea, mostra que o aumento de 1% na quantidade de armas em circulação produz um aumento de 2% no índice de homicídios. Duas teses de doutorado apresentadas na USP e na FGV chegaram à mesma conclusão.
“Se o Estatuto do Desarmamento funcionou como um freio dos homicídios no Brasil, hoje nós vemos a situação mudando com uma flexibilização total sobre arma de fogo”, alertou Cerqueira.
Os números do Atlas deveriam convencer os políticos a reforçarem o controle sobre as armas. No Brasil de 2019, ocorre o contrário. O presidente decidiu afrouxara lei qualquer base científica. Disse apenas que o “cidadão de bem” tem direito ao próprio revólver.
O desprezo pelas estatísticas também está por trás da decisão de acabar coma multa para os motoristas que se recusam a usara cadeirinha. As mortes de bebês e crianças no trânsito caíram 60% depois de 2008, quando a regra atual entrou em vigor. Entre a retórica do palanque e a responsabilidade de preservar vidas, o governo aposta no que dá mais votos.
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