sábado, 6 de julho de 2019

Ricardo Noblat: A semente de um estado policial

- Blog do Noblat / Veja

A Polícia Federal não é mais aquela...

Ainda pode faltar a bala de prata capaz de abater a reputação do ex-juiz Sérgio Moro, embora o conjunto da obra, ou melhor, das conversas dele com os procuradores durante a condução da Lava Jato, talvez na verdade seja a bala de prata que tantos cobram.

Mas a bala de prata para abater a reputação do ministro Sérgio Moro já não falta. E foi disparada pelo franco atirador Jair Bolsonaro ao revelar, sem que ninguém tivesse perguntado, que recebera de Moro um relatório que não lhe cabia receber.

Em entrevista coletiva no Japão, no último dia 28, Bolsonaro disse que o Sergio Moro lhe dera acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os “laranjas” do PSL. “Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal”, revelou Bolsonaro.

Alô, alô, como é mesmo? O ministro da Justiça, ao qual se subordina a Polícia Federal, mandou para o presidente da República relatório sobre uma investigação que tramita sob segredo de Justiça na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais?

Nem a Federal poderia informar Moro a respeito do que apurara e do que falta apurar, nem Moro poderia informar a Bolsonaro sobre o que ficara sabendo. A Polícia Federal é um órgão de Estado, não de governo. No caso, estava a serviço da Justiça.

Em sua perversa ignorância, Bolsonaro comentou que determinara a Moro que a Polícia Federal investigasse “todos os partidos” com problemas semelhantes ao PSL. Por quê? Porque segundo ele “tem que valer para todo mundo” e não só para seu partido.

Bolsonaro também não poderia ter feito tal encomenda. A prerrogativa seria da Justiça. Ele quer usar a Polícia Federal como se fosse um puxadinho do seu gabinete. Isso só seria possível se vivêssemos em um Estado policial. Será isso o que ele pretende?

Quanto a Moro… Quem se acocora mostra os fundilhos. É o que Moro tem feito depois de descobrir que Bolsonaro não está disposto a ser um dependente dele como pareceu a princípio. A mão se inverteu. Hoje, é Moro que depende de Bolsonaro.

Triste fim para quem ambicionava uma vaga de ministro do Supremo Tribunal da Justiça na pior das hipóteses. Na melhor, eleger-se presidente da República nas próximas eleições. Se muito, Moro poderá sonhar com a vaga de vice na chapa de Bolsonaro.

O teste de Moro no Maracanã

Nasce um novo líder populista
O ex-juiz Sérgio Moro chama de “sensacionalismo” o que faz a imprensa ao divulgar suas comprometedoras conversas com procuradores durante a condução da Operação Lava Jato.

Ora, “sensacionalismo” ele faz ao sugerir que uma eventual anulação do processo que condenou Lula no caso do tríplex abrirá a porta da cadeia para os demais presos pela Lava Jato.

Divulgar material de irrecusável interesse público, não importa por qual meio tenha sido obtido, é obrigação da imprensa. O contrário disso seria subtrair ao povo o que ele tem direito de saber.

Por sinal, esse sempre foi o argumento de ouro usado por Moro e os procuradores seus parceiros para justificar o vazamento de informações que alimentaram a imprensa nos últimos anos.

Não foi assim, por exemplo, quando Moro liberou para publicação um diálogo entre a ex-presidente Dilma e o ex-presidente Lula grampeado depois do prazo estipulado por ele mesmo?

“Sensacionalismo” é também o que ele faz quando se apresenta como vítima de um complô para destruir o legado da Lava Jato, a maior e mais bem-sucedida operação de combate à corrupção.

O site The Intercept e seus jornalistas defenderam a Lava Jato em diversas ocasiões. A Folha de S. Paulo e a VEJA também, e continuam a defendê-la.

O combate à corrupção é uma unanimidade entre todos os veículos de comunicação do país, e também fora daqui. O que se começou a conhecer sobre as entranhas da Lava Jato é que deixou de ser.

Quer maior “sensacionalismo” do que Moro proclamar que será julgado pelo povo quando desfilar amanhã pelo gramado do Maracanã na companhia de Bolsonaro?

Até aqui só havia um líder populista no alto escalão da República – o capitão. O ex-juiz se oferece como o segundo. Aprendeu rápido com pouco tempo de Brasília. Mas ainda não aprendeu tudo.

Se forem aplaudidos no Maracanã que no passado já vaiou minuto de silêncio, quem faturará com isso será Bolsonaro. Se forem vaiados, quem amargará com isso será Moro. Elementar, caros.

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