O Estado de S. Paulo
O presidente eleito andou falando como se
pudesse ignorar o mercado, os limites das contas públicas e a maior
vulnerabilidade dos pobres aos males da inflação.
Lula prometeu governar para todos, mas poderá governar para ninguém, ou só para os especuladores, se confundir governo com gastança e irresponsabilidade fiscal. Não é preciso desarrumar as contas públicas, nem provocar inflação, para aumentar a atividade, expandir o emprego e reduzir a pobreza. Mas a confusão foi indisfarçável em suas primeiras declarações sobre economia. O presidente eleito falou como se estivesse diante de um cercadinho, discursando para um público simplório, uniformizado e disposto a aplaudir uma fala simplista e cheia de boas intenções. As ações despencaram, o dólar subiu e o presidente eleito fez cara de espanto. Quem poderia imaginar um mercado tão sensível? Mas espantoso, mesmo, foi o escorregão de um político habilidoso e experiente, ao se manifestar como se estivesse diante de uma torcida com camisas vermelhas decoradas com o número 13.
Eleito sem plano e sem projetos, o
candidato Luiz Inácio Lula da Silva triunfou graças a cidadãos empenhados em
derrubar o bolsonarismo. Não teria vencido, se dependesse apenas de seu
partido. Sem vínculo com o petismo, acadêmicos, empresários, políticos e
economistas o apoiaram, em nome de um compromisso democrático. Além disso, o
presidente Jair Bolsonaro fez o suficiente, em quatro anos desastrosos, para
estimular muita gente a votar no número 13.
Lula deve ter percebido tanto o risco de se
apoiar apenas no PT quanto as expectativas de seus aliados. A diversidade da
equipe de transição – atribuível, em boa parte, à ação do vice-presidente
eleito, Geraldo Alckmin – corresponde, aparentemente, à diversidade da aliança
eleitoral. Mas Lula, apesar de sua experiência no Brasil e no exterior e de sua
reputação internacional, parece destinado a retornar, de vez em quando, aos
palanques sindicais do ABC.
Nesses momentos, ele fala e parece
raciocinar como se estivesse numa daquelas assembleias ou comícios. Mas o mundo
de um governante, ou de qualquer executivo de peso, é muito mais complexo, mais
conflituoso e mais contaminado pela presença do tal mercado, cheio de gente
ansiosa, movida pela ambição e pelo cálculo e preocupada com previsibilidade e
segurança.
Nenhum presidente respeitável governa para
o mercado ou com o mercado, mas todo administrador público deve reconhecer sua
relevância e entender seus sinais. Não há governo eficaz quando a incerteza
afeta as decisões empresariais, alimenta a especulação, provoca fuga de
capitais, gera instabilidade cambial, desarranja os preços e força a alta de
juros.
Todos esses problemas foram constantes
durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro, um período marcado por muito
voluntarismo e muita improvisação, antes, durante e depois da pior fase da
covid-19. As dificuldades orçamentárias previstas para 2023, início do novo
governo, resultam em boa parte do estilo de ação do atual presidente. As boas
normas fiscais foram atropeladas muitas vezes, a partir de 2019, e a economia
andou mal durante a maior parte do tempo. Desajuste fiscal e inflação elevada
aparecem também no balanço de governo da presidente Dilma Rousseff, coroado com
dois anos de severa recessão.
Estranhamente, o presidente eleito parece
haver extraído pouco ou nenhum ensinamento dessas experiências. Ainda mais
estranho é o aparente esquecimento de seus oito anos na Presidência, uma fase
de razoável prosperidade, inflação contida e contas públicas administradas com
cautela durante a maior parte do tempo. Essa cautela diminuiu no segundo
mandato e foi abandonada de forma desastrosa por sua sucessora – um detalhe
menosprezado ou omitido pelo líder petista.
Nenhuma política de crescimento, de
emprego, de transferência de renda e de transformação social é imune aos danos
produzidos por desajustes fiscais e pela inflação. Além disso, os pobres são os
mais afetados pela alta de preços, como lembrou, nesta semana, o ex-presidente
do Banco Central Armínio Fraga. Por isso, observou o economista, a
responsabilidade fiscal, importante para o crescimento com estabilidade de
preços, é especialmente benéfica para os mais necessitados.
Que as famílias de menor rendimento sejam
as mais prejudicadas pela inflação é fato conhecido em todo o mundo. No Brasil,
as perdas inflacionárias por classe de renda são apontadas em tabelas do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mesmo sem detalhes técnicos,
no entanto, é fácil perceber a vulnerabilidade maior dos pobres, com orçamentos
inflexíveis e concentrados em poucos itens essenciais, como alimentação,
habitação e transporte público. Sobra pouco para a educação das crianças, e
assim se transfere a pobreza às gerações seguintes.
O novo governo acertará, econômica e
socialmente, se der prioridade a políticas de crescimento e de resgate dos mais
necessitados. Mas acertará, também, se reavaliar e reduzir os benefícios
fiscais, cortar e remanejar os gastos e negociar com o Congresso – mobilizando
apoio popular – novos padrões de austeridade. Governar é fazer escolhas e a
escolha dos gastos é uma das mais importantes.
*Jornalista
2 comentários:
Pois é...
Ser presidente não é fácil,a cobrança vem mesmo.
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