sábado, 24 de dezembro de 2022

Ascânio Seleme - ‘Nós não precisamos de puxa-saco’

O Globo

O presidente eleito não tem com o que se preocupar. De nossa parte, seu pedido será inteiramente aceito. Lula disse no discurso em que anunciou novos ministros que dispensa bajuladores. Suas palavras exatas foram essas: “Não precisamos de puxa-saco. Um governo não precisa de tapinha nas costas. Um governo precisa ser cobrado. Peço que vocês cobrem para que a gente faça mais”. Embora não tenha sido explícito, Lula parecia se referir à imprensa, que acompanhava o ato no escritório da transição no CCBB de Brasília.

Apesar do pedido enfático, Lula sabe que terá muitos bajuladores na mídia. Ele conhece muito bem a sua “imprensa” amiga. O presidente sempre teve e continuará tendo um cordão de puxa-sacos travestidos de jornalistas. Quem não lembra dos famosos blogs sujos da primeira era petista? Agora, com Bolsonaro, outros blogueiros e tuiteiros aduladores, que se diziam jornalistas, aliaram-se ao carro-chefe do governismo bolsonarista montado na Jovem Pan. Mas Lula tem razão, estes não acrescentam nada, além de certo conforto enganador. O governante acha que está bem, ouvindo aquela enxurrada de elogios, nenhuma crítica, e não enxerga os erros que comete.

A imprensa profissional não vai puxar o saco do futuro presidente. Claro que saberá elogiar acertos. Parte do trabalho jornalístico é oferecer serviços, como em anúncios e na explicação de medidas governamentais que alterem rotinas na vida dos cidadãos, e muitas podem ser para melhor. Mas o principal compromisso do jornalismo é com a fiscalização, a vigilância permanente de governos e governantes. Bolsonaro viu isso ao longo dos quatro anos em que nada fez, além de pregar o golpe. Temer sentiu o calor da imprensa depois do famoso encontro com Joesley Batista no subsolo do Jaburu.

Com o PT foi igual. A imprensa não ficou indiferente às pedaladas de Dilma Rousseff e tampouco poupou Lula no episódio do mensalão. Uma definição cunhada por Millôr Fernandes serve como balizadora do seu comportamento: “Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Há um evidente exagero na frase, porque a imprensa não é parte do jogo político e não pode portanto ser chamada de oposição, mas a ideia central é essa. Governos têm que ser olhados com lupa, com desconfiança.

Há quem ache que jornalista tem que ser antigoverno, que deveria se pautar pela frase “Hay gobierno? Soy contra”, que alguns atribuem a anarquistas mexicanos e outros a Che Guevara. Não, jornalista não é intrinsecamente contra governos. Como todo mundo, ele é um cidadão que recolhe impostos, tem contas para pagar e quer que o governo funcione, que a economia cresça, que o meio ambiente floresça, para manter seu emprego, melhorar seu salário e ser mais feliz. Jornalista é contra erros governamentais e, por estar mais perto do fato e ter as ferramentas para investigar e o veículo para denunciar, cumpre um papel que não cabe a engenheiros, médicos e advogados.

Todo jornalista sai da faculdade com um ensinamento fundamental, um guia de conduta que deve ser observado durante toda a sua vida profissional. Ele aprende que jamais deve ser amigo da fonte. Se a fonte for governo, é ainda mais obrigatório manter um distanciamento profissional e profilático. Ele deve tratá-la como a autoridade que ela é, usando sempre “senhor” ou “senhora” quando for lhe dirigir a palavra ou fazer uma pergunta. Jamais tratá-la por “você”. É por isso, aliás, que muitas vezes se vê repórteres veteranos chamando de “senhor” parlamentares ou ministros bem mais jovens.

Lula pediu e já está sendo cobrado pela imprensa. As críticas que ouviu sobre a PEC da Transição, que a Folha de S. Paulo chama de PEC da Gastança, são parte dessa cobrança antes mesmo da posse. Ao nomear os primeiros cinco ministros, todos homens, todos brancos, o presidente eleito também ouviu duras críticas. Da mesma forma, Lula está sendo questionado por empurrar Simone Tebet e Marina Silva com a barriga e por fazer um Ministério mais petista e menos frente ampla. Faz parte do jogo.

Para o bem do país

Os partidos União Brasil e PSD, habitats naturais da espécie centrãonista, querem os ministérios da Integração Nacional, da Infraestrutura, das Cidades, do Turismo e da Agricultura, além da Codevasf. Se levarem todos, vão dispor de R$ 94 bi para trabalhar em favor de melhorar o Brasil. Certo, não? Ou talvez você prefira a tese de Marcos Lisboa, de que não importa se à esquerda ou à direita, o que se vê em cada novo governo é uma corrida pela captura do Estado por grupos de interesses privados? O fato é que esses partidos só aceitam ministérios que tenham dinheiro. Ninguém imagina essa turma brigando pelas pastas da Igualdade Racial e dos Povos Originários.

Volta atrás

O recuo da nomeação de Edmar Camata para o comando da Polícia Rodoviária Federal faz sentido, embora a motivação seja mesquinha. O que não faz sentido é nomear uma pessoa para um cargo público sem antes fazer pelo menos uma breve leitura do seu histórico profissional e político, até para não dar vexame. O mesmo ocorreu com a indicação do coronel Nivaldo Restivo para a Secretaria de Políticas Penais. Membro da tropa de choque durante o massacre do Carandiru e apoiador da invasão, mesmo depois do desfecho trágico, o coronel foi convidado a recusar o convite depois que se descobriu o seu passado com uma rápida checada no Google.

Demissão sumária

Outro dia, um bandido subornou um guarda penitenciário de Bangu e foi passear no Shopping. Sérgio Cabral, solto esta semana, foi flagrado no início do seus seis anos de encarceramento com regalias ilegais na cadeia, como isolamento térmico da sua cela. Mas boa mesmo é a história contada pelo Kakay, o mais conhecido advogado criminalista do Brasil. Ainda no início da sua carreira, ele fez parte do time de defensores de Castor de Andrade, preso com outros barões do jogo do bicho pela então juíza Denise Frossard. Um certo dia, numa visita de rotina ao seu cliente na cadeia, Castor o mandou ficar para o almoço. Kakay sentou-se junto com os 14 bicheiros presos. Cada um tinha um agente penitenciário fazendo o serviço de garçom. A comida era de um dos bons restaurantes da cidade. Castor disse então que não tinha os vinhos da qualidade que seu advogado certamente estava habituado a beber, e mandou abrir um Quinta da Bacalhôa, renomado tinto português. Na hora da sobremesa, Castor recebeu uma fruta-de-conde menor que a de outro bicheiro que estava ao seu lado. Chamou então o seu “garçom” e disse: “Você quer me humilhar diante do meu advogado? Como me serve uma fruta menor? Você está demitido!”.

Quem manda?

Soube-se esta semana que “gente do PT” estaria articulando uma candidatura anti-Lira para disputar a presidência da Câmara. A informação circulou acrescida da observação que Lula não estava por trás disso e sequer sabia das maquinações. Acredite se quiser. O dado concreto é que ninguém faz nada no PT sem ouvir o Lula. Se já não era possível fazer qualquer articulação política sem o seu aval quando ele estava preso, imagina agora que é o presidente eleito.

Cristiana Lôbo

Vai ser publicado pela Editora Planeta o livro de memórias que a jornalista Cristiana Lôbo começou a escrever em 2016 e deixou quase pronto antes de partir. Finalizado pela colega Diana Fernandes, que havia participado do projeto original como pesquisadora, revisora e editora, o livro (que ainda não tem título) faz uma radiografia dos oito governos civis pós-ditadura, de Sarney a Bolsonaro, com foco no temperamento de cada um dos presidentes.

Andréa Pachá

Acaba de sair novo volume, ampliado e revisado, de “A vida não é justa” (Editora Intrínseca), da juíza Andréa Pachá. O original, lançado há dez anos, virou série de TV. O novo volume traz três histórias da era Covid. Uma delas mostra a degradação de um casamento contaminado pelo negacionismo bolsonarista.

Outra transição

Já está nas livrarias “Eles não são loucos — Os bastidores da transição presidencial FHC-Lula” (Editora Portfolio-Penguin), de João Borges. Mais do que mostrar como se transferiu o poder de um para outro presidente, o livro conta com detalhes que só um jornalista enxerga os momentos que antecederam e sucederam a passagem de comando. Além de evidenciar como é bom para um país uma convivência civilizada e cordial entre adversários políticos.

Dois livros

Um livro: para quem quiser entender melhor como é, como funciona e para onde caminha o Movimento dos Sem-terra, recomendo a leitura dos dois volumes de “Tecnologia Social e Reforma Agrária Popular” (Editora Anticapital), organizados pelos professores Felipe Addor, Farid Eid e Davis Gruber Sansolo. Disponível na Amazon. Outro livro: amparados em mais de 200 mil check-ups feitos ao longo de quase três décadas, os médicos Gilberto Ururahy e Galileu Assis escreveram o livro “Saúde e Prevenção” (Editora Rocco), um manual para uma vida saudável, equilibrada e longa.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sra. Imprensa:
Te odeio.
Assinado,
Seu fã.

Anônimo disse...

Boa mesmo, Anônimo! 😆

Anônimo disse...

"O presidente eleito não tem com o que se preocupar. De nossa parte, seu pedido será inteiramente aceito."

"As críticas que ouviu sobre a PEC da Transição, que a Folha de S. Paulo chama de PEC da Gastança, ..."

PEC da ... gastança! Isso é jornalismo da "sua parte"? Perceba, Seleme, q LULA tem, sim, com q se preocupar. E muito.

Anônimo disse...

Se o Lula olhar com carinho para os bancos públicos já está de bom tamanho. O bozo simplesmente judiou com eles, com ajuda do jegue.

ADEMAR AMANCIO disse...

A imprensa nunca bajulou o PT,muito pelo contrário.