Novo governo deveria ter rosto menos ideológico
O Globo
Primeiros escolhidos de Lula para o
ministério têm currículo e capacidade. Precisarão saber evitar a prepotência
Depois de diplomado ontem pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva,
precisa acelerar as indicações para o primeiro escalão do próximo governo,
iniciada na sexta-feira passada com o anúncio dos cinco primeiros nomes do
ministério.
Os dois ministérios mais importantes da Esplanada ficaram com o PT. Fernando Haddad, candidato derrotado ao governo de São Paulo, será o novo chefe da Fazenda, desmembrada do atual Ministério da Economia. Rui Costa, ex-governador da Bahia, estará à frente da Casa Civil. A delicada pasta da Defesa será comandada por José Múcio Monteiro, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU). Flávio Dino, ex-governador do Maranhão atualmente no PSB, será ministro da Justiça. E Mauro Vieira, chanceler no governo Dilma, voltará ao Itamaraty.
A maioria dos escolhidos tem currículo e
capacidade para desempenhar seus papéis, desde que ideologia ou arrogância não
atrapalhem. Haddad chega ao posto mais importante de sua carreira como o futuro
herdeiro político de Lula. Para usar a Fazenda como trampolim, terá de fazer a
economia voltar crescer de forma sustentada. Não será fácil com o mundo à beira
de uma recessão em 2023, a guerra na Europa e a China vacilante.
Ele disse que suas prioridades são reforma
tributária e um novo arcabouço fiscal, duas iniciativas imprescindíveis. Sem um
sistema de tributos racional para libertar os empreendedores da burocracia e
dos litígios, o país não avançará. Regras claras e factíveis para deter a
explosão da dívida pública são fundamentais, ainda mais depois da perdulária
PEC da Transição.
Diante dos sinais temerários emitidos pelo
novo governo na tentativa de garantir dinheiro para gastar a qualquer custo, o
desafio de Haddad será maior. Persiste na cúpula do PT uma visão equivocada sobre
a necessidade de investimentos públicos, o papel dos bancos estatais e o
protecionismo. A partir da indicação de seu secretariado, esperada para esta
semana, o brasileiro saberá quanto do discurso de Haddad tem chance de se
transformar em realidade e quanto não passa de espuma.
Nas Relações Exteriores, em contrapartida,
não parece haver dúvida de que Lula pretende restaurar a bizarra política
Sul-Sul posta em marcha nos governos petistas. Vieira é ligado ao ex-chanceler
Celso Amorim, preso ao passado que vê os Estados Unidos como bicho-papão e
enxerga no mundo desenvolvido o fantasma do imperialismo espoliando o Brasil.
Nada mais fora de tom, num momento em que o país tem de achar um ponto de
equilíbrio sensato na disputa entre Estados Unidos e China e depende do mercado
dos países ricos para fazer a economia decolar.
Escolhas mais sensatas foram Dino, Costa e
Múcio. O primeiro tem competência comprovada para desfazer as políticas irresponsáveis
do governo Bolsonaro para armas e forças policiais. O segundo é um gestor
pragmático que tem o perfil talhado para tocar a máquina pública. O terceiro,
pela experiência, trânsito e tradição de diálogo, foi um achado feliz para a
missão delicada de desvincular as Forças Armadas do bolsonarismo e da política.
Nas nomeações que faltam, Lula deveria
escolher ministros capazes de fazer uma leitura realista do mundo, livre de
juízos ideológicos, dispostos a representar o amplo leque de apoio que permitiu
sua volta a Brasília. Esse precisa ser o rosto do novo governo.
Revisão de cadastro é essencial, mas não
resgatará combate à pobreza
O Globo
Mesmo depois de zerada, fila dos que pedem
auxílio já voltou a reunir mais 128 mil brasileiros
Filas gigantescas de cidadãos varando a
madrugada na calçada na esperança de conseguir lugar nos programas sociais do
governo são apenas a parte visível de um drama que se mede em números. O
aumento da desigualdade entre 2012 e 2021 empurrou para a pobreza 4,2 milhões
de brasileiros, revela um estudo dos pesquisadores Pedro Ferreira de Souza,
Rafael Osório e Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). A parcela da população com renda per capita de até R$ 292 mensais
aumentou de 12,8% para 15,7% no período, maior patamar da série histórica.
É verdade que há indícios de que a situação
já refluiu neste ano em razão do aquecimento da economia. A taxa de desemprego
recuou para 8,3% no trimestre encerrado em outubro, menor nível desde 2014. De
acordo com certos economistas, estamos perto da menor taxa que permite o
crescimento da economia sem gerar pressões inflacionárias, caracterizando
virtualmente um cenário de pleno emprego.
Não que o quadro seja animador. Nunca se
gastou tanto com programas de transferência de renda sem conseguir reduzir a
pobreza. Na campanha eleitoral, tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto Jair
Bolsonaro prometeram manter em R$ 600 o valor do subsídio ao pobres, embora o
aumento de R$ 200 não estivesse previsto no Orçamento de 2023. Desde que
iniciou a transição, Lula e equipe tentam driblar o teto de gastos para
acomodar essa e outras despesas.
A fila para se inscrever nos programas
sociais do governo não para de crescer e, independentemente da melhora ou piora
do cenário econômico, deverá continuar espichando, devido não só à pobreza, mas
também ao descontrole que impera no programa. Em meio às ambições de Bolsonaro
para tentar se reeleger, o valor do benefício passou de R$ 400 para R$ 600, a
fila foi zerada, e 3,5 milhões de brasileiros foram incluídos no auxílio.
Passadas as eleições, a fila para inscrição no Cadastro Único (CadÚnico) que dá
acesso ao programa já reúne mais 128 mil brasileiros.
A equipe do atual governo anunciou que fará
uma revisão nos cadastrados, com foco principalmente nos beneficiários que
moram sozinhos. Como revelou reportagem do GLOBO, famílias estão se dividindo
para aumentar o valor recebido, já que o auxílio é concedido individualmente.
Pôr o cadastro em ordem é medida necessária e urgente. Há ainda inúmeras
denúncias de fraude de todo tipo, expondo a inépcia do governo para controlar o
programa.
Por mais necessário que seja a varredura do CadÚnico, apenas isso não bastará. O combate à pobreza não pode ficar restrito a um programa de complementação de renda. Não há e nunca haverá recursos suficientes para suprir uma fila interminável. As soluções para reduzi-la não estão no programa em si, mas em medidas sensatas que promovam a expansão da economia e a geração de empregos. Mandar às favas o equilíbrio fiscal, como o novo governo tenta fazer com a PEC da Transição, certamente não é uma delas.
Troca de guarda
Folha de S. Paulo
Bem-visto na caserna, Múcio precisará do
aval de Lula para despolitizar Forças
Escolha do presidente eleito, Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), para ocupar a espinhosa pasta da Defesa, o experiente
político José Múcio Monteiro adentrou em temas delicados já no dia de sua
nomeação.
Em entrevista à GloboNews na sexta (9),
obscurecida pela eliminação do Brasil na Copa do Qatar, Múcio previu
"dias difíceis" até a posse do novo governo.
O comentário foi feito de forma espontânea
e sem maior elaboração, no contexto dos protestos de bolsonaristas em frente a
quartéis contra a eleição do petista.
Múcio disse que o comando da corporação
fardada não apoia esses movimentos. Arriscou-se a gerar tensão desnecessária,
porém, ao abordar a politização no meio militar sob Jair Bolsonaro (PL).
"Se você me disser que temos três
Forças, sou capaz de dizer que temos seis Forças. O Exército, a Marinha e a
Aeronáutica que gostam de Bolsonaro; e o Exército, a Marinha e a Aeronáutica
que gostam de Lula", declarou na TV.
Trata-se de uma imprecisão. Existem, sem
dúvida, setores bolsonaristas nas Forças. Talvez haja algum lulista, porém o
grupo relevante a se opor aos primeiros é o daqueles que, independentemente da
tendência política, rejeitam a ruptura institucional proposta pelos apoiadores
do presidente.
Essa é a vertente prevalente até aqui na
cúpula militar, que de resto aplaudiu a escolha de Múcio. Resta agora saber se
está abortada de vez a ideia de adiantar a passagem de comando dos chefes, algo
que denota insubordinação.
Tudo leva a crer que sim, indicando uma
acomodação que promete espraiar-se pela hierarquia.
Se o futuro ministro realmente vê divisões
na caserna e dificuldades associadas a elas, seria melhor baixar a temperatura
nos bastidores. Afinal, a seita presidencial vive dos espantalhos que planta
pelo campo da democracia.
Isso dito, o restante da entrevista de
Múcio aponta para a direção correta, a da despolitização de assuntos militares
—que começa com um civil voltando ao comando do ministério após cinco anos, mas
não deve parar aí.
Historicamente, o poder no Brasil alterna
momentos em que fomenta um salvacionismo castrense e outros nos quais ignora os
fardados. Os dois extremos devem ser evitados, sobretudo agora.
Ao romper o silêncio pós-derrota eleitoral,
Bolsonaro indicou, para surpresa de ninguém, que continuará a atiçar a
partidarização na caserna. Com boa gestão e diálogo, Lula tem a
oportunidade de valorizar a pasta da Defesa e esvaziar a pregação golpista.
Retórica quebrada
Folha de S. Paulo
Avaliação dramática do PT sobre Estado é
perigosa se basear alta geral de gastos
Diagnósticos catastrofistas podem ser úteis
para o embate político, mas, quando levados a sério, nunca resultam em bons
planos de governo. Na hipótese mais benigna, produzem polêmicas vazias que não
passam do campo retórico.
Considere-se, a esse respeito, a declaração
apresentada pela equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), a respeito da situação orçamentária legada por Jair Bolsonaro (PL).
"O diagnóstico que vai ficando claro
para o governo de transição é que governo Bolsonaro quebrou o Estado
brasileiro. Serviços essenciais ou já estão paralisados ou correm grande risco
de serem totalmente comprometidos", afirmou o ex-ministro petista Aloizio
Mercadante, coordenador dos grupos técnicos da transição.
A assertiva motivou
resposta oficial do Ministério da Economia no domingo (11). A pasta
rebate a acusação com o argumento de que a dívida pública encerrará o ano em
patamar semelhante, até um pouco menor, que o do início da gestão —na casa de
74% do Produto Interno Bruto, ante 75,3% em 2018.
Ademais, o Tesouro Nacional terá neste ano
o primeiro superávit primário (receitas acima das despesas, sem considerar os
encargos com juros) desde 2013.
Há aí um debate mal encaminhado, sem
dúvida. A começar
pela cantilena do "Estado quebrado", repetida de forma leviana em
diversos momentos da história recente.
É fato que o governo Bolsonaro chega ao fim
com grande desordem nas finanças públicas —gastos elevados em algumas áreas e
escassez de recursos em outras. Isso resulta, principalmente, de iniciativas
eleitoreiras, como o aumento do Auxílio Brasil e de outros benefícios, e
políticas, como a expansão das emendas parlamentares.
Deve-se acrescentar que o superávit
alardeado pela pasta da Economia é circunstancial, em razão de um recorde de
arrecadação, e não poderá ser mantido em 2023.
Entretanto o ministério trata, sim, de uma
questão crucial ao apontar que a dívida pública foi mantida sob controle, a
duras penas, mesmo com a pandemia. É justamente a contenção do endividamento
que mantém o crédito do Estado —evitando sua falência.
A verve de Mercadante serve ao propósito
político de, ao descrever um cenário de terra arrasada, reduzir as cobranças
sobre Lula. O mesmo
se fez, duas décadas atrás, com a expressão "herança maldita",
atribuída aos antecessores tucanos.
Pior será se a equipe petista acreditar mesmo que a recuperação do Estado passa por uma elevação contínua e generalizada de gastos.
A política do cada um por si
O Estado de S. Paulo
Desarticulação generalizada no Congresso
dificulta o debate sobre políticas públicas e privilegia interesses paroquiais
dos parlamentares, cujo grande símbolo é o orçamento secreto
Desarticulação generalizada no Congresso
dificulta debate sobre políticas públicas.
As emendas de relator expõem vários
aspectos disfuncionais do governo de Jair Bolsonaro e de suas relações com o
Congresso. Por óbvio, elas serviram para construir uma base de apoio
parlamentar e livrar o presidente de processos de impeachment. Se o teto de
gastos teve efeito nulo sobre o controle das despesas obrigatórias no Orçamento,
ele certamente limitou o avanço dos gastos discricionários, elevando a disputa
por recursos entre o Executivo, por meio dos ministérios, e o Legislativo, com
as famosas emendas.
O fato de a indicação das emendas de
relator estar nas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado denota a falta de
transparência do esquema. A opacidade sobre a verdadeira autoria sugere a
existência de uma política de dois pesos e duas medidas, na qual o voto de
alguns é mais valioso que o de outros, o que certamente geraria uma rebelião no
Congresso caso os critérios de precificação viessem a público.
Há outra característica que as emendas de
relator revelam sobre o governo Bolsonaro. Ainda que não sejam a causa, elas
colaboraram para destruir políticas públicas que vinham sendo executadas há
anos e que davam um senso de coletividade a um país hoje tão dividido. No
passado, era comum que as emendas estivessem vinculadas a prioridades definidas
previamente pelos ministérios setoriais. Os parlamentares mais fiéis ganhavam
primazia para suas indicações e direcionavam recursos reservados para políticas
públicas de alcance nacional às suas bases, enquanto os de oposição arcavam com
o custo de se contrapor ao Executivo e viam seus pedidos relegados ao fim da
fila.
Embora não estivesse livre de falhas e
fisiologismo, esta era uma das formas de construir uma governabilidade real,
algo que se tornou desafiador quando o Congresso deu caráter obrigatório às
emendas individuais, em 2015. Neste ano, por exemplo, cada deputado e senador pôde
indicar a destinação de R$ 17,6 milhões por meio de emendas individuais,
totalizando R$ 9 bilhões. É inegável que isso alterou a dinâmica dos poderes. O
incentivo para integrar a base aliada deixa de existir quando todos são
tratados da mesma forma.
É daí que surgem as emendas de relator, que
neste ano atingiram R$ 16,5 bilhões. O mecanismo funciona precisamente por não
ter execução obrigatória, reforçando o comportamento dos mais fiéis, o que em
tese não teria nada de errado se houvesse transparência sobre sua autoria. O
problema está naquilo que elas têm financiado: ações sem qualquer vinculação
com as políticas públicas prioritárias do País. E essa responsabilidade é do
Executivo, que deliberadamente se omitiu ao delegar todas as decisões sobre as
emendas ao comando do Legislativo.
As implicações desse modus operandi começam
a vir à tona. O cenário das políticas públicas é de terra arrasada. Nem ações
como a Política Nacional de Imunizações (PNI), o Farmácia Popular, a compra de
livros didáticos e a complementação de verbas para a merenda escolar foram
poupadas, entre muitos outros casos que atingem a coletividade, sobretudo
famílias mais vulneráveis, nem sempre de forma imediata.
Diante de uma desarticulação de dimensões
amplas e generalizadas, os parlamentares sabem que, individualmente, não têm
condições de fazer diferença no restabelecimento dessas ações, que dependem da
coletividade do Legislativo, mas, primordialmente, da iniciativa e da liderança
do Executivo. Assim, deputados e senadores em busca de reeleição agem na
política do cada um por si: direcionam recursos para suas bases para financiar
aquilo que aparece – asfalto, tratores ou caminhões de lixo – em detrimento do
que deveria ser prioridade.
É preciso reconhecer, no entanto, que as
emendas de relator não são causa do caos ao qual o País se viu submetido nos
últimos anos. São, na verdade, consequência do desgoverno que foi a gestão de
Bolsonaro. Deixar diversas políticas públicas à beira da inanição, de alguma
forma, expressa as convicções de um parlamentar que só defendeu a si mesmo em
toda a sua vida pública. Não seria diferente como presidente.
Um plano que nunca se cumpre
O Estado de S. Paulo
Fracasso do regime de recuperação fiscal
como instrumento para reverter desequilíbrios não é acidente, mas construção
coletiva, que envolve Estados, União, Congresso e Judiciário
O Estado do Rio de Janeiro sinalizou que
não terá condições de cumprir o plano de recuperação fiscal que acabou de
firmar com o governo federal. Em entrevista ao jornal Valor, o secretário
estadual de Fazenda, Leonardo Lobo, disse que a execução da proposta ficou
comprometida após a aprovação das Leis Complementares 192 e 194, que, em
conjunto, reduziram as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) de combustíveis, energia, telecomunicações e transportes. A
queda da arrecadação, segundo o secretário, impedirá o Estado de atingir a
trajetória de reequilíbrio pactuada com a União.
Não é nenhuma surpresa. Os Estados sempre
alertaram que essas leis derrubariam suas receitas. Nessa história, não se pode
negar a participação fundamental do presidente Jair Bolsonaro, muito
bem-sucedido ao transformar os governadores em inimigos da população no
imbróglio sobre o preço dos combustíveis. No contexto políticoeleitoral, eles
não tiveram a menor chance no momento em que os dois projetos começaram a
tramitar no Legislativo – nem mesmo entre os senadores, que deveriam representar
os interesses dos Estados no Congresso.
Pelas declarações do secretário estadual,
conclui-se que uma proposta negociada por dois anos e que envolveu dezenas de
servidores públicos inviabilizou-se em apenas cinco meses. Mais do que lamento,
o colapso do plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro é uma oportunidade
para refletir sobre as razões que explicam a fragilidade de um regime cujo
objetivo final nunca é plenamente atingido – aliviar o pagamento de dívidas dos
Estados e estabelecer, como contrapartida, cortes de gastos e medidas de ajuste
que os conduzam a uma trajetória de reequilíbrio no médio prazo.
À luz dos fatos, o plano apresentado pelo
Rio de Janeiro já havia sido criticado desde sua concepção. O Tesouro Nacional
e a Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (PGFN) recomendaram sua rejeição,
tanto pela suavidade das medidas para conter despesas com pessoal quanto pelo
otimismo exagerado a respeito das receitas futuras. O governador Cláudio
Castro, no entanto, apelou diretamente ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e
ao presidente Jair Bolsonaro para obter aval político à proposta.
Assim, nem mesmo as premissas pouco críveis
impediram a homologação do plano de recuperação fiscal do Rio de Janeiro. Ele
foi formalmente assinado em julho, quando as Leis Complementares 192 e 194 já
haviam sido sancionadas – a primeira em março e a segunda em junho deste ano.
Nenhuma dessas legislações, no entanto, foi considerada na revisão dos termos
finais do acordo, o que reforça a posição dos técnicos de que o documento
jamais deveria ter sido formalizado.
O plano foi celebrado pelo governador – e
Castro, de fato, tinha muitos motivos para comemorar. A homologação salvou o
Estado de ter de ressarcir mais de R$ 40 bilhões que a União vinha honrando em
nome do Rio de Janeiro desde 2017. Até chegar a esse resultado, ele contou com
o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediu o Executivo de excluir o
Estado do regime até que a renegociação fosse concluída e de cobrar a retomada
do pagamento das parcelas. Não foi a primeira vez que o STF impediu a aplicação
de punições àqueles que descumprem as regras dos acordos dessa natureza.
Historicamente, os planos de recuperação
fiscal falham pela leniência dos próprios Estados em conter seus gastos. O
ineditismo da situação envolvendo o Rio de Janeiro é que, desta vez, a União,
por meio de Bolsonaro, contribuiu diretamente para a sua ruína quando fez do
preço dos combustíveis uma peça de sua campanha. O papel dos Poderes
indiretamente envolvidos também não pode ser esquecido – do Legislativo, ao
aprovar as duas leis por ampla maioria, e do Judiciário, ao recorrentemente
livrar os governadores do cumprimento das cláusulas desses acordos. O fracasso
do regime de recuperação fiscal enquanto instrumento para reverter desequilíbrios
estruturais dos Estados não é, portanto, mero acidente, mas uma construção
coletiva.
Lucros e perdas na inflação global
O Estado de S. Paulo
Inflação internacional favorece o
agronegócio brasileiro, mas alta de juros, efeito colateral, prejudica o País
O Brasil está faturando bilhões de dólares
graças à inflação internacional, um pesadelo para consumidores de dezenas de
países. A exportação do agronegócio rendeu US$ 136,10 bilhões de janeiro a
outubro deste ano e garantiu quase metade (48,5%) do valor das vendas externas
do País. Um ano antes a contribuição havia sido de 43,4%. O agro continua sendo
o setor mais eficiente e mais competitivo da economia brasileira, mas sua
inegável eficiência explica apenas parcialmente o avanço entre 2021 e 2022. De
um ano para outro o volume exportado aumentou 6,6%, enquanto os preços médios
cresceram 24,7%.
Considerado apenas o comércio de alimentos
e matérias-primas agropecuárias, o resultado setorial foi um superávit de US$
121,8 bilhões, 35,8% maior que o acumulado entre janeiro e outubro do ano
anterior. Isso foi bem mais que suficiente para assegurar, em dez meses, o
saldo positivo de US$ 51,6 bilhões na balança comercial de bens. Apesar do
menor dinamismo global, o desempenho brasileiro nas trocas internacionais,
sustentado principalmente pelo agro e pelo setor mineral, tem sido suficiente
para garantir a segurança externa da economia. O estoque de reservas tem-se
mantido satisfatório, com pequenas oscilações.
Apesar do contágio dos problemas externos e
dos desajustes domésticos, a inflação brasileira tem sido inferior àquela
observada em vários países avançados e emergentes. Nos 12 meses até outubro, os
preços ao consumidor subiram em média 10,7% em 38 países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), puxados principalmente pelo
custo dos alimentos. No Brasil, nesse período, o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) subiu 6,47%, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Mas o aumento de juros para conter os
preços começou no Brasil mais cedo que nos Estados Unidos e na Europa. Os
efeitos anti-inflacionários dessa política já aparecem na economia brasileira,
mas o custo maior do crédito já influencia também os negócios, impondo um freio
ao crescimento econômico. A atividade tem perdido vigor neste trimestre e,
segundo projeções do mercado, o Produto Interno Bruto (PIB) dificilmente
aumentará mais que 1% em 2023.
Embora beneficiado no comércio pela alta de
preços dos alimentos, o Brasil também é afetado negativamente pela inflação
global. Além do risco do contágio inflacionário, há os efeitos do aperto
financeiro nos Estados Unidos e na Europa.
Em todo o mundo rico os bancos centrais começaram, com algum atraso, a elevar juros para conter a onda inflacionária. Dinheiro caro no mundo rico afeta os fluxos de dólares, canaliza capitais para os mercados desenvolvidos e isso se reflete na economia brasileira. Menor crescimento global limita o comércio e, além disso, juros altos no exterior dificultam a redução da taxa no Brasil. É preciso, no planejamento governamental, considerar todos esses fatores. Essa tarefa é especialmente importante quando um novo governo se prepara para entrar em cena.
Aumentar o emprego, uma promessa difícil de
cumprir
Valor Econômico
As perspectivas para o ano que vem são
menos animadoras
Gerar emprego e renda, além de atrair
investimentos, é um dos objetivos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva, repetido mais uma vez no anúncio dos primeiros cinco ministros
escolhidos para compor o futuro governo. A tarefa não será fácil. Os mais
recentes indicadores do mercado de trabalho mostram números positivos, mas
sinalizam uma desaceleração. A previsão de uma economia globalmente mais fraca
no próximo ano reforça as piores expectativas.
O desemprego ficou em 8,3% no trimestre
móvel encerrado em outubro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A taxa recuou em relação aos 8,7% do trimestre terminado em
setembro e dos 9,1% do trimestre móvel anterior, concluído em julho. Em um ano,
o avanço foi significativo frente aos 12,1% de outubro de 2021. Foi a menor
taxa para um trimestre encerrado em outubro desde 2014, quando marcou 6,7%.
De acordo com o IBGE, a população ocupada,
entre empregados, empregadores e funcionários públicos, subiu para 99,7 milhões
de pessoas, novo recorde da série histórica da Pnad Contínua, pesquisa iniciada
em 2012. Já o número de desempregados diminuiu 8,7% em relação ao trimestre
móvel anterior para 9 milhões de pessoas, o menor número desde o trimestre
encerrado em julho de 2015.
Com isso, a força de trabalho, conceito que
soma pessoas ocupadas e aquelas em busca de emprego, alcançou 108,7 milhões em
outubro, número relativamente estável em comparação com o trimestre anterior,
encerrado em julho e 1,7% maior do que no mesmo período do ano passado. O
número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado bateu novo recorde
da série histórica, somando 13,4 milhões de pessoas.
O IBGE atribuiu a recuperação do mercado de
trabalho, iniciada em julho de 2021, ao avanço da vacinação contra a covid-19 e
à retomada de atividades presenciais, o que favoreceu a criação de vagas especialmente
no setor de serviços. O desempenho também contribuiu para os resultados acima
do esperado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Mais
recentemente, a eleição também pode ter ajudado, além de fatores sazonais como
a Black Friday, Copa do Mundo e Natal.
Desde a pandemia, o emprego informal tem
minorado a crise no mercado de trabalho. O número de trabalhadores informais
está ao redor de 39 milhões há dois trimestres, o equivalente a 39% a 40% da
população empregada. Mas isso não é motivo de orgulho. Parte expressiva dos
trabalhadores estão nessa situação mais por necessidade do que por vontade,
constatou a mais recente Sondagem do Mercado de Trabalho lançada há pouco pelo
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).
Sete de cada dez trabalhadores por conta
própria ou sem registro gostariam de mudar para uma ocupação que fosse ligada a
uma companhia pública ou privada para ter rendimentos fixos e os benefícios
fornecidos pela empresa formal a seus empregados, apurou a Sondagem da FGV
Ibre. Entre os trabalhadores informais, 88% gostariam de se formalizar,
percentual que chega a 90% no caso dos que ganham até dois salários mínimos e é
de 76% entre os que recebem mais de dois mínimos.
No entanto, dados do Novo Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Previdência
mostram que o emprego formal está perdendo o fôlego. Em outubro, houve a
abertura líquida de 159,5 mil vagas com carteira assinada, resultado inferior
às previsões. No acumulado do ano, o saldo é de 2,3 milhões de postos.
Dificilmente será ultrapassada a marca dos 2,7 milhões de postos formais
criados em 2021 de acordo com o Caged.
As perspectivas para o ano que vem são
menos animadoras. Nas planilhas das instituições financeiras predomina a
previsão de uma taxa de desemprego mais elevada, acima dos 9%. Entre os motivos
estão o efeito defasado dos juros altos, o esgotamento e até reversão de
medidas fiscais de estímulo adotadas nos últimos meses por motivos eleitoreiros,
as incertezas com o futuro da política econômica, além da estabilização do
setor de serviços e o cenário internacional recessivo. Tudo isso torna a
promessa do novo governo mais difícil de ser cumprida.
4 comentários:
Rá rá rá rá rá...
"A maioria dos escolhidos tem currículo e capacidade para desempenhar seus papéis, desde que ideologia ou arrogância não atrapalhem."
Ideologia de quem, dos Marinho do Globo ou dos escolhidos?
Não sendo a ideologia dos escolhidos, será de quem?
Rá rá rá rá rá...
Essa não é a ideologia dos Marinho do Globo, mas dá uma ideia: "Persiste na cúpula do PT uma visão equivocada sobre a necessidade de investimentos públicos, o papel dos bancos estatais e o protecionismo."
Por que equivocada?
"Nas nomeações que faltam, Lula deveria escolher ministros capazes de fazer uma leitura realista do mundo, livre de juízos ideológicos,"
Impossível, ninguém se livra de ideologia. Mesmo a adoção exata das ideias dos Marinho do Globo não nos livraria de ideologia - ninguém é ingênuo em crer q o modo de pensar de nossas elites, Marinho inclusos, seja livre de ideologia. Seguir os "conselhos" desse grupo significa apenas a adoção de sua ideologia - e isso não é necessariamente bom pro Brasil. Lembrem-se de q os Marinho apoiaram o golpe de 64, do qual se arrependeram posteriormente.
Será q só eu vejo incoerência neste artigo:
"A começar pela cantilena do "Estado quebrado", repetida de forma leviana...
É fato que o governo Bolsonaro chega ao fim com grande desordem nas finanças públicas —gastos elevados em algumas áreas e escassez de recursos em outras. Isso resulta, principalmente, de iniciativas eleitoreiras,...
Deve-se acrescentar que o superávit alardeado pela pasta da Economia é circunstancial..."
Grande desordem nas finanças públicas, com superávit circunstancial, mas dizer q bolsonaro quebrou o Brasil pra se reeleger é cantilena.
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