terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Pedro Cafardo - O que se espera dos novos planejadores

Valor Econômico

Pensamento liberal tende a deixar a tarefa do planejamento apenas para o mercado, que nem sempre direciona os recursos públicos de acordo com os interesses públicos

Quando circulou a informação de que Lula, presidente eleito, pretendia convidar Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda e Persio Arida para o do Planejamento parecia haver inversão de posições. Normalmente, governos nomeiam ministros ortodoxos em matéria de pensamento econômico para a Fazenda/ Finanças e heterodoxos para o Planejamento.

Não é o caso da dupla. Haddad é advogado, mestre em economia e keynesiano, pouco ativista, é verdade, e marcado por uma administração bem austera como prefeito de São Paulo de 2013 a 2016. Arida é liberal e há dúvidas sobre sua crença em planejamento de Estado. A nomeação de Haddad já foi confirmada. A grande notícia, porém, consequência do novo viés ideológico do governo, deve ser essa volta do planejamento de Estado, abandonado no governo Bolsonaro.

Na verdade, toda economia é planejada, como diz o economista americano L. Randall Wray. A questão é que o pensamento liberal tende a deixar essa tarefa apenas para o mercado, que nem sempre direciona os recursos públicos de acordo com os interesses públicos.

O objetivo de qualquer governo sério é construir um Brasil rico, com educação para todos, crescimento de produção, oferta de empregos e, sobretudo, mais igualitário e que possa propiciar o bem-estar geral à população. Isso exige planejamento.

Nos quatro anos do governo Bolsonaro funcionou - ou deveria ter funcionado - o superministério da Economia, unificando Fazenda, Planejamento, Trabalho, Previdência e Indústria e Comércio. O “super” ficou só no apelido, porque o resultado foi um desastre. As secretarias especiais criadas para substituir cada uma das pastas unificadas não tinham status necessário para o comando de suas áreas.

Desde 2016, as discussões econômicas no país se concentram no equilíbrio fiscal, controle de gastos e temas similares importantes, mas já repetitivos e até enfadonhos. Vigorou nesse período o pensamento liberal, segundo o qual a prosperidade econômica resulta da liberdade individual para empreender sem as amarras impostas pela atuação governamental. Caberia ao Estado apenas manter austeridade fiscal e contas equilibradas. Isso estimularia investimentos, crescimento econômico e criação de empregos.

A volta de um Ministério do Planejamento engajado no debate sobre metas econômico-sociais marca a mudança desse pensamento radical. O planejamento econômico de Estado vem sendo retomado em muitos países depois que o receituário neoliberal levou ao baixo crescimento, à concentração de renda e a seguidas crises globais.

O Ministério do Planejamento tradicionalmente tem entre suas funções a elaboração do Orçamento, a gestão de estatais e de pessoal e a definição de metas, programas para o futuro e políticas públicas. Especula-se que o governo Lula atribuirá ao Planejamento apenas a formulação de planos de curto prazo, deixando o longo prazo para a Indústria e Comércio e outros ministérios.

Seja como for, importante é que o Estado planejador está de volta. E a tarefa número um nessa área, na opinião de economistas e empresários, será a definição de um plano de reindustrialização do país. Em quatro décadas, a participação da indústria no PIB caiu de 27% para 11%.

Como fazer a reindustrialização é, portanto, questão crucial para o novo planejamento. Algumas ideias são consensuais. A transição para a economia verde, por exemplo, é oportunidade que “caiu no colo do Brasil”, na expressão do economista Paulo Gala (FGV-SP), e precisa ser aproveitada.

Grandes investimentos globais previstos para essa área terão de ser atraídos para o Brasil, ao contrário do que fez o governo Bolsonaro, que os repeliu. Com preguiça e ojeriza ideológica ao planejamento, nenhuma política pública foi desenhada para o Brasil nessa área.

Reindustrializar não é recriar a velha indústria, e sim traçar um plano de Estado, não de governo, para integrar o país às cadeias globais de valor. A Embraer é um exemplo brasileiro de sucesso nessa inserção, porque opera dentro da cadeia global, projeta e fabrica aeronaves no Brasil, com peças locais e importadas, e as vende para o mundo.

Caberia aos novos planejadores, portanto, em conjunto com lideranças empresariais, acadêmicas e da sociedade em geral, a tarefa de promover essa integração global ou eventualmente, em alguns setores, até fazer o “reshoring”, movimento no sentido contrário, de retorno das empresas ao país de origem.

Duas crises globais recentes - a pandemia e o colapso das cadeias produtivas provocado pela guerra na Ucrânia - expuseram a dependência do país a produções industriais estrangeiras em áreas estratégicas.

Quando começou o conflito Rússia-Ucrânia, ficou clara a dependência do agronegócio brasileiro de fornecedores externos de fertilizantes nitrogenados, como Rússia e Belarus. É óbvia a necessidade da criação de uma robusta indústria nacional de fertilizantes para que o agronegócio brasileiro não se torne refém de fornecedores estrangeiros.

Na pandemia veio outro exemplo e já se discute a necessidade da criação de um complexo industrial da saúde no país. China, Índia e Coreia do Sul concentram 90% da produção mundial de insumos farmacêuticos ativos (IFA), base para fabricação de vacinas e remédios. Por isso e por incompetência governamental, a vacinação contra a covid-19 atrasou e morreram centenas de milhares de brasileiros.

Golaço

Pensadores liberais do primeiro mundo criticam a ideia do planejamento de Estado. Argumentam que nenhum economista ou político pode prever o futuro a ponto de guiar a política industrial e outras políticas públicas. Mas planejamento não se faz com bola de cristal. Faz-se com a adaptação da indústria, por exemplo, a tendências e realidades já claramente esboçadas no presente e com grande chance de se manterem no futuro próximo. É o caso da economia verde, por exemplo.

Nas economias avançadas é possível que o próprio mercado promova essa adaptação. Em países pobres, porém, o Estado tem a obrigação de estimulá-la. É inaceitável que não haja no setor público pessoas pensando o Brasil, como ocorre hoje, quando se discute unicamente equilíbrio fiscal e taxa de juros.

Se os novos planejadores conseguirem apenas colocar o país no caminho da reindustrialização, já terão marcado um golaço a ser comemorado pelas próximas gerações.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

O DESgoverno Bolsonaro foi um desastre! O ministério comandado pelo invertebrado Guedes apenas repetiu o que ocorreu no resto. O grande Planejamento era conseguir MAIS UM MANDATO pro GENOCIDA, a única preocupação constante durante os 4 anos de trevas que temos vivido! O miliciano mentiroso prometeu, na campanha de 2018, que não tentaria se reeleger, e isto foi a PRIMEIRA promessa que descumpriu, ao longo de todo o mandato! Bolsonaro é sinônimo de PINÓQUIO!