Folha de S. Paulo
A ideia era ir para um lugar tão remoto que
o bodum bolsonarista não pudesse me alcançar
Escrevi aqui há dias que várias vezes nos
últimos anos pensei em me mandar para algum lugar bem longe dos flatos
verbais de Bolsonaro. E citei opções óbvias como Pasárgada, Maracangalha.
Atlântida, Xanadu. Mas isso foi no começo. Se a ideia era me esconder num lugar
imaginário, deveria ser um refúgio tão recherché que não haveria hipótese de o
bodum bolsonarista me alcançar.
Pensei em Brigadoon, uma aldeia invisível nas Highlands escocesas, que só existe fisicamente por um dia em cada cem anos, quando seus cidadãos despertam de um sono mágico que lhes garante a imortalidade. Passei. Então ocorreram-me os Seios de Sabá, duas escarpas gêmeas quase inacessíveis na Kukuanalândia, perto da atual África do Sul, cujas cavernas abrigaram as minas de Salomão. Não. Melhor seria se eu fosse para Kor, cidade em ruínas onde fica hoje a Somália, dominada por uma deusa de 2.000 anos, a belíssima Ayesha, ou Ela.
Mas sofisticado mesmo seria fugir para a
Agulha Oca, uma gruta natural em algum ponto da França cuja localização não
pode ser nem de longe sugerida. É o esconderijo das riquezas subtraídas por Arsène Lupin, o ladrão de casaca, como o original da "Mona
Lisa" e as arcas do tesouro de Luís 15. E por que não a deliciosa
Lilliput, ao sul de Sumatra, descoberta em 1699 por Lemuel Gulliver? (Porque,
como seus habitantes têm 15 cm de altura e tudo lá obedece a essa escala, seria
difícil andar por suas ruas sem esmagar casas ou espremer gente.)
O mais prático seria ir logo para Nova
York. Lá eu poderia escolher entre a "Bagdá no metrô" de O. Henry ou
a Times Square de Damon Runyon, que só existiram em livros. Ou Tin Pan Alley,
esquina imaginária na altura da rua 28 Oeste em cujos pianos nasceram as
grandes canções americanas.
Cheguei até a comentar com um amigo: "Vou largar tudo aqui e fugir para uma ilha distante." Ele: "É? Qual?". Eu: "Manhattan".
2 comentários:
Uma cidade que tenha abrigo subterrâneo.
Bom também.
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