Correio Braziliense
Quando adotada, em 1995, no Distrito
Federal, a ideia da Bolsa Escola teve a bondade de trazer para o Brasil o
sentimento de que "lugar de criança é na escola". Passou-se a
utilizar recursos públicos para remunerar as mães pobres, desde que os filhos
frequentassem a escola no lugar de trabalhar.
O Auxílio Brasil perverteu a bondade ao destituir o programa de sua conotação educacional: exigência de frequência às aulas. Ao voltar a exigir a frequência às aulas e outras condições, a reforma feita pelo presidente Lula recupera parte da bondade, mas deveria ter colocado como condição a ida dos pais à escola dos filhos, ao menos uma vez por mês, e passado a chamar o programa de Bolsa Família-Educação ou Bolsa Educação da Família, além de levar sua gestão para o Ministério da Educação (MEC).
Professores e pais sabem que liberar os
estudos dos filhos e alunos, dando-lhes notas gratuitamente, é uma bondade
contaminada. Agrada, mas prejudica o futuro. O mesmo pode ocorrer com gestos de
governantes que beneficiam eleitores no presente, sacrificando o conjunto da
população no longo prazo.
O governo Lula tomou medidas para corrigir
uma dessas bondades contaminadas criada pelo governo anterior, que protegia o
consumidor do aumento no preço internacional do petróleo, com a suspensão da
cobrança de impostos. Foi uma bondade para beneficiar os eleitores atuais,
sacrificando o país no futuro, ao provocar graves desequilíbrios fiscais,
consequente redução na qualidade dos serviços públicos, além de manter a
preferência pelo uso de combustível fóssil, no lugar de marchar para a
substituição por fontes alternativas de energia.
Por séculos, o Brasil utilizou o sistema
fisiológico de indicação de servidores públicos escolhidos entre amigos e
parentes dos governantes. Foram necessárias décadas de República para adotar a
regra de concurso público na escolha dos melhores e não dos mais bem
relacionados. Mas, ao negar educação de qualidade à quase totalidade dos
brasileiros, o concurso público ficou contaminado pela exclusão dos milhões
impedidos de disputar a seleção.
Para aqueles que se beneficiaram da boa
educação, em geral porque tinham condições para pagar boas escolas, o Brasil
avançou na bondade do interesse público, ao adotar o instituto da estabilidade
funcional do aprovado no concurso: o dirigente não pode mais indicar aliados,
nem demitir opositores. Mas, ao abolir sistemas de avaliação do servidor, essa
bondade foi contaminada e deixa o público sujeito, algumas vezes, à
ineficiência de servidores capazes de passar no concurso, mas sem motivação
para exercer a função para a qual foram selecionados.
Sem a gratuidade, milhões de brasileiros
ficariam sem condições de frequentar as escolas de base ou de serem atendidos
pelo SUS. A gratuidade é uma ferramenta da justiça social. Mas, sem um programa
de empoderamento dos usuários e consequente avaliação dos serviços, a
gratuidade fica contaminada ao impedir que o público cobre na qualidade dos
serviços que recebe.
A gratuidade do serviço público é uma
bondade que foi contaminada. Ao sentir que recebe sem pagar, o usuário ignora
que a gratuidade é paga por todos que pagam impostos. A concepção de que
ninguém paga pelo que é gratuito corrompe o imaginário político do eleitor, que
não sente o direito de exigir qualidade no atendimento dos serviços públicos.
Aceitam-se escolas públicas paradas, enquanto as pagas não param, hospitais sem
médicos, nem medicamentos, enquanto os privados atendem a quem paga.
O Brasil acertou ao usar a bondade dos
subsídios industriais e adotar proteção alfandegária à indústria nacional
nascente. Sem isso, nosso parque produtivo não deslancharia, impedido pela
concorrência dos setores estrangeiros mais eficientes. Mas a manutenção do
protecionismo e dos subsídios ao longo de décadas impediu a competitividade e a
eficiência da indústria nacional. O que era para proteger no início da
industrialização viciou setores no protecionismo, deixou a indústria sem
condições de concorrer no mercadomundial e continua desequilibrando as finanças
devido ao volume de subsídios permanentes.
A bondade da democracia é contaminada pelo
imediatismo do eleitor e seu horror a sacrifícios, por isso, é difícil contar
com vacinas contra a contaminação das bondades. O Brasil tem sido exemplo na
adoção de bondades sociais, mas precisa corrigir os efeitos perversos que suas
contaminações provocam.
*Professor
emérito da Universidade de Brasília (UnB)
4 comentários:
Perfeito!
Como sempre o Professor Cristovam demonstra a importância da Educação de qualidade para todos. Isto sim é libertação das amarras da miséria.
Será que algum dia será ouvido?
Exatamente
Exatamente
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