quinta-feira, 1 de junho de 2023

Vinicius Torres Freire - Os anabolizantes do PIB do Brasil

Folha de S. Paulo

Contra quase todas as previsões, economia deve ter crescido de modo decente no primeiro semestre

Nesta quinta-feira (1º) vamos saber quanto cresceu a economia brasileira no já algo distante primeiro trimestre. Entre a turma que costuma fazer previsões mais certeiras ou menos erradas, diz-se que o PIB teria crescido algo em torno de 1,4%, um ritmo imprevisto no final do ano passado e bastante bom, dada a realidade do país na última década, entre ruína e mediocridade.

Pelos indicadores disponíveis mais recentes e, claro, parciais, é provável que a economia venha a crescer algo em torno de 0,4% no segundo trimestre. Isto é, considerado um ano terminado em junho, o PIB teria crescido uns 2,5% (o resultado do ano de 2022 fechado foi também surpreendente, 2,9%).

Não quer dizer, necessariamente, que o patamar de ritmo de crescimento normal do país tenha mudado do 1,4% anual de 2017-2019 para a casa dos 2,5% ou por aí. Mas, até aqui, a economia resistiu a incertezas, riscos aumentados e a uma taxa básica de juros de 13,75% ao ano.

Parte desse PIB mais gordo pode ter sido alimentado por fatores passageiros, como açúcar na veia. Por exemplo, as transferências do governo aumentaram, como no caso do Bolsa Família muito maior (até o final do ano, R$ 130 bilhões maior do que em 2022), além do reajuste de outros benefícios que variam com o salário mínimo.

Há algo mais, ainda no curto prazo. Como observa Fernando Honorato Barbosa, chefe do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, a desinflação, em particular de alimentos, deve ter aumentado o poder de compra dos rendimentos mais baixos, que vão todos para consumo. Não para por aí.

Nesta quarta-feira (30), saíram os dados de emprego e rendimento do IBGE sobre abril. Os números dos salário médio vieram ainda fortes e, de leve, indicam uma pausa na desaceleração que vinha desde dezembro (pelos dados dessazonalizados e pela comparação com o mesmo mês do ano anterior). Mesmo crescendo em ritmo menor, a massa salarial (soma de todos os salários) ainda aumentava a 9,6% ao ano, apesar do número de pessoas ocupadas estar quase estagnado neste ano.

Outros fatores circunstanciais ajudam, como o excelente desempenho da agricultura e preço de commodities ainda alto. Até mesmo o crédito bancário, afetado por calotes, juros altos e endividamento maior, tem um pouso relativamente suave.

O crédito livre para pessoas jurídicas cai, trimestralmente, desde novembro de 2022 (em termos reais; descontada a inflação). No caso das pessoas físicas, depois de uma claudicada nos meses da virada do ano, o crédito continua no azul, crescendo um tico, como indicam os dados do Banco Central sobre abril.

É possível também que tenha havido alguma mudança dita mais estrutural na economia brasileira, embora não deva ser grande coisa e seja assunto para outro dia.

Quanto ao resultado do PIB a ser divulgado nesta quinta-feira, interessa muito saber o que foi feito do investimento (em novas instalações produtivas, residências, máquinas, equipamentos, softwares). Talvez daí tenhamos uma pista sobre o que se passa nesta economia que ainda cresce, à sua moda medíocre, com Selic nas alturas e inflação em queda ligeira (mas alta, no caso de serviços). Pode ser que saibamos que o país está apenas queimando gorduras e anabolizantes transitórios (poupança de famílias mais ricas, grande gasto público adicional, por exemplo).

No ano de 2024, sem gorduras novas, ainda sob efeito da Selic terrível de 13,75% e ainda sem expectativas muito melhoradas sobre dívida do governo e reformas, vai ser mais difícil de segurar o PIB. Mas ainda dá para arrumar um pouco da casa. Ajuda se pararem de falar besteira em Brasília.

 

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