Folha de S. Paulo
A inelegibilidade de Bolsonaro foi uma
vitória gigante do Brasil
Na última sexta-feira (30), o Tribunal Superior
Eleitoral tirou de Jair
Bolsonaro o direito de tentar destruir a democracia brasileira por
dentro até 2030. Se ele quiser tentar golpe até lá, que o faça sem cargo
público.
A inelegibilidade de
Bolsonaro foi uma vitória gigante do Brasil. Só foi possível porque a oposição
venceu a eleição do ano passado, e porque os militares não toparam arriscar
golpe por um derrotado. Ou vocês acham que o julgamento de sexta-feira teria
acontecido se Bolsonaro ainda estivesse no Planalto?
É óbvio que não. Até sair do poder, Jair sofreu o número exato de zero sanções por seus crimes. Subornou o Congresso com orçamento secreto, a elite econômica com Paulo Guedes, os militares com cargos no governo. Quebrou o Brasil para comprar sua impunidade, e perdeu-a quando não teve mais orçamento, políticas econômicas ou cargos com que subornar.
Se tivesse vencido as eleições, Bolsonaro
teria dobrado sua aposta golpista. Metade dos ministros do TSE presentes na
sexta-feira já estaria presa, como também o estariam quaisquer membros do
Judiciário que tentassem obrigar os bolsonaristas a cumprirem a lei. Os
militares golpistas teriam recebido das urnas uma dose extra de coragem.
A frágil frente ampla que elegeu Lula já teria
se dissolvido: os centristas que apoiaram a democracia no parlamento, na mídia
e na elite teriam sido perseguidos pelos adesistas. Em caso de escalada
golpista, a estratégia racional para a esquerda teria sido a radicalização,
antes que qualquer resistência se tornasse impossível. Eu teria que pedir
desculpas à esquerda por ter recomendado moderação esses anos todos.
As instituições foram fortes o suficiente
para sobreviverem até a eleição, mas não teriam durado seis meses se menos de
1% do eleitorado tivesse votado diferente. As instituições conseguiram garantir
o direito de voto aos brasileiros em 2022. Daí em diante, o Brasil é que protegeu
suas instituições contra Jair Bolsonaro, derrotando-o na eleição presidencial.
Jair Bolsonaro tentou roubar a eleição de
2022 de todas as formas possíveis e tentou um golpe quando perdeu. Aparelhou as
instituições sem qualquer limite. Mudou a Constituição três meses antes da
eleição para poder gastar mais dinheiro. No dia da votação, seu governo colocou
a polícia
rodoviária na rua para impedir que os nordestinos votassem. Na véspera
de Natal de 2022, três de seus seguidores, um dos quais com cargo comissionado
em seu governo, tentaram explodir
o aeroporto de Brasília.
E depois de mandar todo mundo pro
golpe, Jair
fugiu pra Disney.
Não, o sujeito que ameaçou o juiz de morte
e tentou convencer a PM a espancar o time adversário não deve ter outra chance
de disputar o campeonato.
Então é isso, Jair. Você foi condenado,
está inelegível, e agora viverá sob guarda compartilhada da Michelle, do
Valdemar e do PCO. Mas essa não é a hora de jogar em você toda nossa revolta
com as mortes da pandemia, as perseguições à imprensa, o aparelhamento das
instituições, as agressões contra os indígenas, as pessoas reduzidas a brigar
por osso na porta do supermercado ou a tentativa de instaurar uma ditadura que
nos teria roubado todo o dinheiro e todos os direitos.
A hora de fazer isso vai ser no dia da
prisão.
*É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
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