O Globo
A negociação não é mais organizada pelo
partido ou pela temática, mas orientada pela lógica de quanto cada deputado
receberá
Desde a criação pelo cientista político
Sérgio Abranches em 1988, o conceito “presidencialismo de coalizão” foi
amplamente usado para explicar como se estruturava a relação entre Executivo e
Legislativo no Brasil. O jogo se dava da seguinte forma: o governo atraía os
parlamentares por meio de fornecimento de emendas e cargos na administração
federal em troca de lealdade política na aprovação de sua agenda legislativa.
Por muitos anos, a estratégia deu certo.
Uma pesquisa realizada pela FGV Direito-SP mostra que a taxa de sucesso do Executivo na aprovação de projetos no Legislativo foi, até o primeiro mandato do governo Dilma, superior a 45%. Além disso, até o fim do primeiro governo Dilma, a taxa de conversão das Medidas Provisórias em lei era superior a 65%. Ambos os dados comprovam que o jogo institucional organizado pelo “presidencialismo de coalizão” funcionava e gerou sucesso nas agendas políticas do Executivo.
Entretanto, desde a crise política oriunda
da Lava-Jato, as relações entre Executivo e Legislativo passam por uma
transformação. Os partidos deixaram de estruturar esse relacionamento. O
aumento da fragmentação partidária passou a impor uma série de dificuldades
para organizar uma coalizão de legendas minimamente homogêneas, e isso aumentou
os custos de governabilidade. As bancadas temáticas que surgiram como
alternativa para estruturar a relação mostraram-se circunscritas a seus temas
de origem, sem capacidade de articulação para além de suas pautas.
Na medida em que os partidos e as bancadas
temáticas não conseguem estruturar a relação entre Executivo e Legislativo,
surge outro agente capaz de estruturá-la: o Orçamento. Desde o advento da
emenda RP9, conhecida como orçamento secreto, os parlamentares descobriram um
apetite político insaciável. O presidencialismo de coalizão deu lugar ao
presidencialismo de orçamento. Segundo dados do governo federal, o número de
emendas parlamentares empenhadas saltou do correspondente a R$ 3,5 bilhões em
2015 para R$ 25,5 bilhões em 2022.
O orçamento secreto permite, na prática,
que o Brasil tenha mais 594 prefeitos com capacidade de entregar benfeitorias
políticas diretas ao eleitorado. Bolsonaro instituiu o novo paradigma, e os
parlamentares não querem voltar atrás. Em virtude da fraqueza de sua coalizão,
o ex-presidente entregou boa parte da capacidade de organizar políticas
públicas para atender a interesses eleitorais de deputados e senadores.
A negociação não é mais organizada pelo
partido ou pela temática, mas orientada pela lógica de quanto de orçamento cada
deputado receberá para fazer parte da coalizão governista. O “chão da fábrica
do plenário”, como disse Elmar Nascimento em entrevista ao GLOBO, não tem mais
relação com ministérios, mas com emendas orçamentárias.
O presidencialismo de orçamento é definido
justamente a partir disto: o sucesso da agenda do governo federal no
Legislativo passa, desde a RP9, mais pelo acesso a fatias do Orçamento público
pelos deputados e senadores do que propriamente por conceder espaços em
ministérios e autarquias a partidos. O governo Lula busca
diariamente contrariar a nova forma de estruturação. Com isso, sofre derrotas e
críticas à articulação política por parte dos líderes do Congresso.
Mesmo depois da vitória expressiva na
votação do projeto de novo arcabouço fiscal, o governo vive um relacionamento
permanentemente ruidoso com o Congresso. A persistência dessa crise é fruto da
incompreensão de que a ordem do jogo agora é outra. O presidencialismo de
coalizão que garantiu mandatos de relativa governabilidade nos mandatos
anteriores de Lula se esvaiu, e o governo precisa se adaptar ao novo paradigma
para ter sucesso no Legislativo.
*Gabriel Guimarães, cientista político formado pela FGV/CPDOC, é mestre e doutorando em ciência política no Iesp-Uerj
Um comentário:
O Brasil precisa caminhar para a adoção do parlamentarismo!
O orçamento não sairá mais do controle dos parlamentares, por isso o orçamento federal precisa deixar de ser para o usufruto e passar a ser para a responsabilização dos deputados e senadores. Essa responsabilização virá com a adoção do parlamentarismo.
Nossos "presidentes" da última ditadura foram reprovados pelo conjunto da obra:: assassinaram os brasileiros e assassinaram a nossa economia. Enfileirando nossos presidentes pós abertura politica --Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro, do que fizeram de realmente relevante para o país vejo apenas a estabilização da economia e alguns avanços para a proteção dos mais pobres e reconhecimento de direitos de grupos sociais. Neste momento estamos com instabilidade política e crise econômica, que se somam a uma disputa ideológica de baixíssimo nivel entre os populismos lulista e bolsonarista que impossibilitam qualquer sonho de ter um país melhor.
(Por favor, não estou dizendo que o problema é o PT ou o PL; estou dizendo que vejo como problema o populismo político de Lula e Bolsonaro).
Da forma como estamos o Brasil está condenado a desinvestimento e a oscilar entre baixíssimo crescimento seguido de recessão econômica. E a instabilidade econômica e política pode desembocar o Brasil em outra intervenção militar, que como da última vez pode se transformar em ditadura.
O Brasil pós ditadura militar de 1964 avançou na criaçào de uma rede de proteção aos mais pobres, com o SUS e os programas de auxilio, e também com boas politicas de reconhecimento de direitos das minorias e das maiorias discriminadas. E só!
Com os governos Itamar e Fernando Henrique veio a estabilização da economia, que foi mantida no governo Lula1 e começou a ser mais uma vez perdida em Lula2, instabilidade só aumentada por todos os governos que vieram depois e a estabilização econômica conquistada está se perdendo ; os avanços nas politicas de reconhecimento de direitos das minorias e de maiorias discriminadas, que começaram com Fernando Henrique, mas que se aprofundaram realmente nos governos do PT, também começam a entrar em risco de retrocesso com a polarização.
O Brasil está parado pelo impasse em que se tornou a relação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Este impasse está sendo perigosamente aumentado, com uma aproximação crescente entre o Executivo e o Judiciário para se contraporem ao poder legislativo e já não há como falar de independência e harmonia entre os três poderes, que só estão se entendendo pelo uso de conveniências de parte a parte que são venais ao país.
Já estamos no auge desse conflito entre os poderes Executivo e Judiciário de um lado e o poder Legislativo do outro ; o conflito apenas não explodiu ainda.
Estando o Brasil sem forças políticas substanciais organizadas para reagir a este impasse institucional e com a nossa política flutuando entre dois polos populistas, os dois fundamentalmente movidos por ideologismos, igualmente corruptos e cada um completamente desacreditado por aproximadamente 50% do eleitorado, a paradeira em que estamos faz 15 anos tende a se aprofundar, agravada que será pela inércia econômica dos próximos tempos e aumento da dívida publica, ainda que mais lento pela aprovação do Arcabouço Fiscal.
Para sair deste impasse o Brasil deveria caminhar para a adoção do parlamentarismo. O orçamento como decisão de gasto já é feito quase na totalidade pelo parlamento mesmo, cabendo ao executivo tão somente executar, e isso não vai mudar. Só com a adoção do parlamentarismo os parlamentares vão ser responsabilizados pela alocação do gastos, que hoje eles só desfrutam para benefício próprio. E respondendo pelo orçamento e pela política fiscal os parlamentares terão que assumir responsabilidade sobre a estabilidade política do país, que está agora em um momento mais grave que a situação de nossa economia.
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